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6 DISCUSSÃO

6.1 Fatores associados ao excesso de peso

6.1.1 Alimentação

Está bem comprovado que a alimentação e o sedentarismo são responsáveis pelo aparecimento de excesso de peso em uma determinada população (AGRAS, 2004; ESCRIVÃO; OLIVEIRA; TADDEI, 2003; PEREIRA; FRANCISCHI; LANCHA JÚNIOR, 2003; TROCON, 2007; WEFFORT; LAMOUNIER, 2009).

Por receberem orientações nutricionais desde os primeiros dias de vida, de maneira frequente e rotineira, era de se esperar que o excesso de peso nos fenilcetonúricos fosse menos prevalente que entre a população sem a doença. A não ser que existisse uma determinação genética específica que levasse ao peso excessivo ou ainda, que esses pacientes fossem mais sedentários que a população normal, o que não é o caso.

Por outro lado, é possível perceber, com certa frequência, os familiares tornarem-se, com o passar do tempo, mais liberais em relação à ingestão dos alimentos permitidos e controlados, talvez mesmo como forma de compensar as tantas restrições alimentares impostas. Há uma dificuldade evidente, em algumas famílias, em controlar a ingestão calórica também.

Como o substituto proteico usado no Serviço fornece aminoácidos, vitaminas e minerais, os pacientes são acostumados a ingerir, juntamente com este produto, carboidratos simples e complexos, principalmente sob a forma de açúcar e fécula de milho, o que pode acostumar algumas famílias a permitirem, e mesmo manterem a ingestão destes alimentos, mesmo quando não são mais tão necessários como fonte calórica. Além disso, muitos familiares não consideram que a ingestão destes alimentos, também para os fenilcetonúricos, seja facilitadora de ganho de peso, podendo ocasionar obesidade.

Ademais, óleos vegetais são introduzidos desde cedo na alimentação desses pacientes, mesmo ainda recém-nascidos, como outra fonte calórica importante e também, para permitir a absorção das vitaminas lipossolúveis da dieta. Estes são aspectos que podem contribuir para a alta prevalência de sobrepeso e obesidade nesses indivíduos.

Tanto nas informações fornecidas por meio do recordatório de 72 horas, avaliado durante as consultas, quanto nos dados coletados pelo QFAQ, observou-se um grande consumo de suco artificial com açúcar e refrigerante comum, usados não somente para dissolver e facilitar a ingestão da mistura de aminoácidos, mas, possivelmente, para saciar certa “fome psicológica” que muitos apresentam.

É possível que, por serem proibidos de ingerir uma variedade ampla de alimentos, tanto em quantidade quanto em qualidade, esses pacientes passem a usar, de forma exagerada, alguns alimentos totalmente liberados, como forma de compensarem as restrições a que são submetidos.

A dieta prescrita para os fenilcetonúricos tem sido descrita pela literatura como de difícil adesão, em particular após a aquisição de autonomia da criança, com piora na adolescência e na idade adulta (BLAU; VAN SPONSEN; LEVY, 2010; MACDONALD et al., 2010; STARLING, 2005; WALTER, 2002).

Era de se esperar que o grupo de pacientes com excesso de peso apresentasse maiores concentrações de phe no sangue – por transgressão dietética e calórica simultâneas - assim como relatado por Mcburnie et al. (1991). Neste estudo, os autores relacionam o maior peso corporal à menor adesão à dieta. No entanto, as concentrações sanguíneas de phe não foram diferentes entre os grupos do presente estudo, com predominância de exames elevados nos dois grupos, sugerindo, desta forma, transgressão alimentar, proteica em quantidade e/ou qualidade e também em calorias, no grupo com excesso de peso.

Belanger-Quintan e Maartínez-Pardo (2011) relacionaram o excesso de peso dos pacientes à gravidade da doença, por terem encontrado maior incidência de obesos naqueles com a forma mais grave e com piores controles das concentrações sanguíneas de phe.

Os achados do presente estudo não são compatíveis com os encontrados por aqueles autores, pois os dois grupos não apresentaram diferença significativa das concentrações de phe no sangue e a grande maioria tinha a forma clássica da doença.

Em nossa opinião, a adesão ao tratamento depende de uma somatória de fatores, que nem sempre são identificados. Fato importante é a estrutura familiar e a maneira como o fenilcetonúrico e sua família percebem a doença, o que é de grande relevância no sucesso ou no fracasso do tratamento.

Dessa forma, a explicação mais plausível para justificar a alta prevalência de excesso de peso nesta população com PKU é a omissão de informações. Termos tido como resultado do QFAQ, uma menor ingestão calórica no grupo de pacientes com excesso de peso, pode ser visto como um comportamento comum, descrito na literatura, entre obesos e também entre fenilcetonúricos (ALLEN et.al., 1995; MONTEIRO, 2004; WEFFORT; LAMOUNIER, 2009).

Não é incomum, nos depararmos, na prática clínica, com relatos alimentares errados, seja no uso de preparações com muito açúcar ou com muito óleo, seja no uso de frituras e de alimentos refogados, seja no tamanho da porção e na medida caseira utilizada.

O consumo alimentar dos pacientes com PKU é constantemente monitorado, sendo perceptível a incoerência das informações, quando as dosagens sanguíneas de phe estão acima dos limites preconizados. Na maioria das vezes, os pacientes negam transgressões alimentares e nem sempre as admitem, mesmo diante de um resultado de phe sanguínea alterado. Não há razão para pensar diferente em relação à ingestão calórica, principalmente quando existe aumento inadequado de peso.

Outro fator pertinente, que contradiz os dados obtidos no QFAQ, é o encontro de valores mais elevados de triglicérides nos pacientes com excesso de peso, possivelmente relacionado à ingestão aumentada, tanto de carboidratos simples quanto de complexos.

É importante destacar ainda, que as informações relacionadas ao consumo proteico foram confrontadas com a prescrição da mistura de aminoácidos. É precisolembrar que, no tratamento dos fenilcetonúricos, a mistura de aminoácidos fornece cerca de 80% da quantidade de proteína da dieta, calculada de acordo com o peso ideal. Neste caso, o substituto proteico colabora com, aproximadamente, 10% a 15% do valor calórico total diário. O resultado de ingestão de proteína de 14,36%, no grupo com excesso de peso, representa, no nosso entendimento, somente o consumo da mistura de aminoácidos, sem ser computada a ingestão de proteína de origem vegetal, por omissão, ocasionando subestimação desses valores.

O tratamento dietético é bastante eficaz para impedir as manifestações clínicas da fenilcetonúria, propiciando ao indivíduo uma vida normal, mas a não observância ou a inadequação das orientações realizadas pode deixar o paciente mais susceptível às anormalidades nutricionais, sejam determinadas pela carência ou ocasionadas pelo excesso de nutrientes(DEMIRKOL et al. 2011; MACDONALD et al., 2011; TREFZ et al., 2011).

Apesar de não ser possível descartar ainda a existência de uma causa inerente ao fenilcetonúrico que favoreça o ganho excessivo de peso, é bastante provável que esses pacientes não estejam seguindo, de maneira correta, as orientações nutricionais recebidas, tanto em relação à ingestão de phe quanto em relação à ingestão calórica.

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