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ALIMENTANDO AS ESTRUTURAS DO PARENTESCO. TROCAS E RECIPROCIDADE NA SOCIEDADE GUARANI

Delineando os espaços políticos e a esfera doméstica emItamarã

Vimos que as atuais famílias residentes em Itamarã provêm de áreas e aldeias que na última metade do século XX ocupavam áreas contíguas ao rio Paraná, no oeste paranaense, e que foram se deslocando continuamente de seu território original fugindo das frentes expansionistas e de colonização oestina.

Estes deslocamentos podem ter sido prévios ao contato mais efetivo com a sociedade brasileira, mas igualmente pós-contato quando tiveram uma experiência mais dura de servir de mão-de-obra na exploração da erva mate ou de processos violentos de expulsão pelos brancos. De todo modo os deslocamentos provocados parecem ter seguido rotas de circulação por entre os territórios já conhecidos e dominados pelas famílias guarani atuais ao longo da bacia do Paraná e Uruguai.

Algumas famílias se refugiaram em florestas paraguaias e outras foram transferidas ou deslocaram-se para o sudoeste e centro sul paranaense nas últimas décadas.

Itamarã que fica situada a poucos quilômetros da outra aldeia guarani Tekohá Añetete, em Diamante d´Oeste possui 242 hectares dentre os quais aproximadamente 60 hectares são de terra mecanizada. Praticam a agricultura, comercializando uma parte da colheita nas cooperativas da região. Ocupam a área restante atualmente16 34 famílias nucleares17 que compõem grupos produtivos mais amplos ao constituirem duas grandes famílias extensas18, em torno das quais agregam-se mais algumas famílias. O padrão de assentamento agrega várias casas (o´o para os mbya e ogapara os ñandéva) que se aproximam das residências dos progenitores comuns denominados xe jaryi e xe ramoi, avó e avô. Normalmente

16 Os contínuos deslocamentos são a tônica do povo guarani e desta forma a demografia das aldeias sofrem alterações constantes dificultando sua mensuração. A esse respeito ver o artigo de Assis, Garlet (2004). Durante o período que convivi com o grupo registrei em menos de um ano oscilações importantes, mas tendendo ao aumento sensível da população de Itamarã. Entre os meses de janeiro a setembro de 2010, quatro novas famílias estabeleceram residência na aldeia.

17 Estou considerando a família nuclear aquela formada pelo casal (em relação marital) e os filhos consaguíneos ou adotados.

18 “groupe residentiel regroupant des familles apparentées de meme génération ou de générations differentes (Barry, 2000:154). Discutiremos na sequência como a categoria família extensa é vivenciada entre os guarani deItamarã.

umao´oé ocupada por uma família nuclear, mas pode acolher um filho adotivo ou contingencialmente outro parente consangüíneo. Na aldeia, cadao´opossuia a sua fogueira para cozinhar alimentos e aquecer o ambiente, mas, sobretudo, porque a maioria considerava que o fogo19 aceso representa Ñanderu e que a fumaça purifica o corpo e traz sensação de bem estar. Voltaremos ao tema, neste ponto apenas comento que em Itamarã todas as casas possuíam uma fogueira, mesmo que seja um forte costume comer na casa de parentes, especialmente na residência do casal principal mais velho. Alguns filhos participavam tão ativamente da cozinha de seus pais, que seu fogo era mantido aceso, mas raramente aquecia alguma panela. Este era o caso de Alice Centurião, que fazia quase todas as refeições com sua mãe e cozinhava apenas quando esta se ausentava da aldeia.

As casas em sua maioria são construções muito pequenas que servem apenas como dormitório e para guardar objetos pessoais. São peças sem divisões internas feitas dos mais variados materiais desde taquara ou bambu, pedaços de madeira de pequenas árvores, e cobertas com um tipo de palha comum na região.

Tantos telhados quanto paredes podem ser recobertos por placas finas de madeira ou pedaços de lona durante o inverno. No interior das casas ficam alguns poucos objetos pessoais, como documentos, roupas, calçados e remédios. A arquitetura das casas altera bastante para cada família assumindo, padrões e estilos variados dentro de uma mesma percepção estética20. O quintal - ogaraé uma extensão da casa onde as crianças brincam, os pequenos bancos - tenda são colocados para receber visitas, mas onde também circulam as galinhas e os cães. É o espaço doméstico por excelência, onde se mantém acesa a fogueira, os alimentos são preparados e as pessoas passam a maior parte do dia.

Logo que o visitante chega ao teko´a Itamarã ele vislumbra uma aparente desordem que comumente se insinua entre as aldeias de povos tupi guarani (Viveiros de Castro, 1986). Todavia o padrão de ocupação remete às famílias nucleares em torno dos seus antepassados comuns e convergem para o pátio ou quintal onde são desenvolvidas as atividades coletivas usuais.

19Segundo Onório Benite o advento do fogo,tata,para os guarani foi planejado pela divindade Kuaray enquanto vivia nesta terra Yvy Piau. Para que os guarani pudessem se aquecer durante o inverno e cozinhassem adequadamente sua comida,Kuaraycom o auxílio do burro e do sapo engana o urubu que já dominava o fogo e consegue roubar brasas que serão o princípio gerador de todo o fogo guarani.

20Sobre a estética e a tecnologiambyaguarani recomendo Assis (2006).

Temos, portanto, uma distribuição geográfica e política marcada pela polarização de um conjunto de casas, que abriga famílias nucleares em torno das figuras de Teodoro Tendyvy Centurião e Teodoro Tupã Jeguavy Alves, além de Onório Kuaray Benite, que mesmo sem descendência numerosa desempenha um papel importante na estrutura local.

Figura 1. Mapa residencial da AldeiaItamarã

O primeiro grupo descende diretamente de ancestrais que habitavam matas próximas ao rio Paraná, e que atualmente se reconhecem e se autodenominam ñandeva. Aí está o núcleo Centurião, liderados pelo velho índio Teodoro e sua mulher Basília, que referem como local de nascimento a antiga aldeia Jakutinga. Entre os vários deslocamentos, todos circunscritos pela bacia do rio Paraná, as idas e vindas entre o Paraná e Paraguai são as mais constantes. O casal com idade média de 60 anos estabeleceu-se em Itamarãdesde a demarcação da aldeia e foi partícipe do movimento pela demarcação de terra que se iniciou na década de 1970 culminando com a Terra Indígena Santa Rosa doOcoy. Sua influência política em grande medida decorre de sua posição de xe jaryie xe ramoi progenitores da maioria de indivíduos que residem próximos à sua casa. Assim por exemplo o casal agrega a poucos metros a casa dos filhos Adilso, Evadio, Floreana, Aparecido, Viviano separadas apenas pelas roças familiares. Os filhos Ernesto, Isabel, Cristina e Marcelo ocuparam porções de terra mais afastadas sem, no entanto suprimir a convivência diária no pátio do casal.

A casa ritual - opy é praticamente contígua à casa de Teodoro Centurião e Basília que a dirigem dividindo algumas funções rituais com Onório, especialmente na sua ausência. Veremos que sua localização é central ao padrão de assentamento local porque de forma concêntrica as casas foram sendo dispostas a partir deste núcleo. Seguindo a estrada principal de entrada na aldeia chegamos à escola que divide espaço com os funcionários da Funasa que atendem em uma pequena sala.

Nesta área, atrás da escola residem TeodoroTupã JeguavyAlves e InocênciaTakua Benite21, casal de xe jaryi e xe ramoi que lidera a outra família extensa com prestígio político em aldeias de toda a região.

Próximas ao casal encontramos as casas do filho Márcio, que é casado com uma das filhas de Teodoro Centurião e a filha mais velha Antônia que vive com seu marido e duas filhas a poucos metros. Noutra casa próxima está Carlinhos, o irmão mais novo de Inocência que é casado com uma sobrinha de Teodoro Alves. Com o casal Teodoro Alves e Inocência vivem ainda os filhos mais novos e solteiros

21InocênciaTakuaBenite, mulher de Teodoro Alves apesar de ter o mesmo sobrenome do cacique Onório não é sua parente consangüínea. Onório na verdade é irmão da mãe de Teodoro Alves .

Zenaide e Odilo, além da neta Carolina22 e Arnaldo que foi trazido do Paraguai e adotado por Inocência e Teodoro.

Outras famílias nucleares ainda que não sejam consangüíneas de Teodoro Alves mantém-se ligadas ao seu núcleo. Assim vemos as casas de Adriano Chamorro e seu irmão Sabino, motorista da Funasa relacionando-se mais intimamente com a família de Teodoro Tupã Alves. Também participam de maneira mais próxima das atividades no pátio da casa de Teodoro, Dionísio e sua família, Mamerto e Rufina, cujo filho Nildo é casado com Floreana do núcleo Centurião e igualmente Delosanto e Petrona cuja filha Deolinda é mulher de Marcelo Centurião. Estas famílias se ligam a liderança política de Teodoro Alves e com sua parentela acabaram formando redes de intercâmbio e colaboração local.

Onório Benite, mora próximo à casa de sua única filha, Francisca, que é casada com Viviano Centurião. Pai e filha consideram-se mbya. Onório também é tio de Teodoro Alves que igualmente se autodenomina mbya. São os laços de consangüinidade e a autoidentificação étnica que aproxima Teodoro Alves e Onório. Ainda ligada ao xamã está a família de seu sobrinho Darci.

Onório Karai Poty é o xamã ou pajé da comunidade, opygua (opy – casa ritual, gua – especialista ou conhecedor). Quando explicam em português suas funções o qualificam gerericamente como rezador, mas salientam sua arandu, sabedoria. Além de dirigir conjuntamente com o casal Teodoro Centurião e Basília os opyrejaikeawa (rituais diários da opy), sua função principal é diagnosticar doenças espirituais, feitiços e realizar a sua cura através do uso do tabaco e dos remédios do mato (poã guaxu)23. Ao contrário de outras aldeias do litoral paulista (Macedo, 2009), Onório acumula em Itamarã a função de cacique e o papel religioso central conservando em torno de si um círculo amplo de pessoas que buscam orientação, serviços de cura além de pedidos de ajuda na resolução de problemas com documentos na cidade e negócios com os brancos. Na extensa rede

22Percebi que é muito comum os netos serem criados pelos avós, especialmente quando há separação dos pais. Francisca, filha de Onório, deixou uma filha aos cuidados da avó noutra aldeia assim que se casou com Viviano Centurião. Também Fidélia Centurião após casar-se com Márcio Alves deixou a filha pequena morando com a Basília. No caso de Carolina, a filha mais velha de Antônia, a menina parece ter sempre exprimido um profundo desejo de morar com os avós, como me disse Antônia.

23Sua comunicação com Ñanderu e a capacidade de circular entre diferentes mundos lhe permite ver estas categorias de doença (mba´e achy – coisa dor) e retirar a doença que se materializa no corpo.

Impressões oníricas e experiências etéreas também são valorizadas como capacidades xamânicas francamente desenvolvidas nas suas atividades.

de trocas internas de uma aldeia que é composta por mais de uma família extensa, como é o caso de Itamarã, Onório desempenha o papel de concatenar os núcleos familiares que de outras formas já estão amalgamados, seja por relações consangüíneas e afinidade ou por alianças políticas. Sua posição prestigiosa como liderança apóia-se no seu carisma, liderança xamânica com papel fundamental no interior do grupo, além de ocupar uma posição legítima como representante junto aos brancos.

Onório atua como um ponto de equilíbrio entre as duas famílias extensas que dividem o espaço em Itamarã. Se por um lado a consangüinidade o liga a Teodoro Alves, de outro lado mantém laços de amizade com Teodoro Centurião.

Acrescento que sua posição de karaí ou xamã, além da idade avançada24, seu temperamento dócil e tranqüilo no trato cotidiano em tudo fortalecem sua figura prestigiosa25e respeitada.

24Envelhecer é, todavia, um sinal de satisfação doñe´e(a alma guarani que é enviada porÑe´e Ru Ete os verdadeiros pais das almas - para assentar no corpo). É uma evidência de aprovação divina no cumprimento dos desígnios de Ñanderu. Os velhos são especialmente respeitados e valorizados na sociedade guarani, e são chamados de velhinhos com uma conotação extremamente carinhosa.

25 Onório Karai Poty foi eleito cacique após a saída de Ernesto Mimby, que abdicou da função para trabalhar como professor bilíngue na escola da aldeia. Nesta eleição submeteram-se para a apreciação da comunidade além de Onório outro jovem. Contando com o apoio considerável da maioria das famílias, Onório passou a representar a comunidade em assuntos políticos com homem branco, oujurua.

Figura 2. Genealogia 1. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Onório

Francisca

Teodoro Alves

Inocência

Márcio Antônia Odilo Zenáide

Carlinhos Paulo

Anselmo

Caroline Camile Carline

Eugênia

Mariela

Teodoro Leandro Claudinei

Figura 3. Genealogia 2. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Teodoro Centurião Basília

Isabel Ernesto cristina Marcelo Floreana Viviano Evadio Adilson Fidélia Ermínia Jonas

Paulo

Irene Danili Brigite Ilda Fabiano Vidal Ederson

Leonir

Márcio

Valdecir

Olga

Dominga

Alice Gilberto Edna Danila Silvia Bruno Aline Gerson

Adélia Ismael

Fabricio Natália César Roseana Fidelis

Deolinda

Adaílson Dirceu Cleonice Nildo

Romoaldo Sandra Milton

Maria Rosa

Francisca

Lucinéia Acidinéia

Mariela

Rosanália

Márcio

Sabrina Nívea Neomar Maria

Antônia

Figura 4. Genealogia 3. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Figura 5. Genealogia 4. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Adriano Chamorro

Sabino Nicolassa

Maria

Antônia Assunção Julio Luciano

Marta

solange Milena Gilmar Marcos Rafael

Mamerto Rufina

Nildo Luis Brigido Mariblanca Lilia Telma

Marcelo

Figura 6. Genealogia 5. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Delosanto Petrona

Deolinda Dino Éber Cintía Odila Maria

Vitória Nélida Feliciano Elma

Joelma

Figura 7. Genealogia 6. AldeiaItamarã, PR/Brasil.

Dionísio Zumilda

Gilda Darci

Cisuane Solange Dislaina Laedison Janina Daniel Antônio Marcelo

Laércio Ládison

Entre parentes. Variações nas formas econômicas

A organização social dos guarani tem sido recorrentemente descrita pela constituição das famílias extensas. Várias etnografias contemporâneas descreveram a liderança política ou xamânica de um casal de progenitores sobre seus descendentes (Mello, 2006, Pissolato, 2007), além da etnografia de Ciccarone (2001) que inova ao registrar a história da liderança xamânica de uma mulher mbya, Tatati que conduzia espiritualmente sua parentela.

EmItamarã, a família extensa transparece como uma forma ideal de teko’a, onde todos mantêm laços de parentesco, são consangüíneos ou afins, ainda que possamos notar graus variáveis da expressão “aqui somos todos parentes”. A mutualidade no trabalho nas roças, a divisão e utilização do dinheiro mesmo que de forma indireta, a distribuição de bens e alimentos industrializados significam as redes de relações e as posições dos indivíduos.

Se somos induzidos a pensar nas maneiras como as relações econômicas afetam o domínio do parentesco de outra forma cabe indagar se não são estas mesmas relações que se atualizam potencialmente por meio de uma relação de cunho econômico. Veremos que o problema encerra as duas coisas e algo mais. De qualquer forma parece ser possível falar que o parentesco se articula à economia entre os guarani de Itamarã. Há uma equivalência desejada entre morar junto (entenda-se na mesma aldeia) e cooperar, assim como a produção de um sentimento de proximidade na vivência do parentesco. Quando algum novo morador chegava emItamarãlogo identificava algum parente com quem passaria a colaborar e atuar em conjunto, como foi o caso de Darci, sobrinho de Onório Benite. Alguns tipos de distância, no entanto, podiam ser superadas através da aliança política, como foi o caso da famíliaxiripaque se associou a Teodoro Alves.

Esta mesma correspondência associativa entre os níveis econômico, religioso e político que responde pela fabricação da proximidade compele os co-residentes a por em prática diariamente o princípio ideal da reciprocidade entre parentes.

A palavra que usam em Itamarã para designar parente consangüíneo é etarã. Este termo, no entanto, pode remeter a uma identificação mais genérica que

não depende exclusivamente do parentesco de fato. Pode ser acionado em falas com aquele sentido de “aqui somos todos parentes” quando se quer evidenciar uma identidade mais genérica. Pode estar atrelada à ascendência mbya, e às premissas culturais como a língua, mas também ressaltar a solidariedade de co-residentes de uma aldeia. Com esta palavra Onório Benite que liderava espiritualmente todas as famílias pretendia destacar que apesar de haver famílias mbya eñandéva, a participação nos rituais daopycriava uma unidade no grupo e que todos seriam beneficiados pela presença nos rituais. Já nos contextos de divisão dos alimentos doados, ou na partilha da carne de caça, igualmente dizia Onório que a comida “deveria alcançar todo mundo” porque ali todos eram parentes.

Evidentemente, na prática os níveis de cooperação e mutualidade eram rearranjados em escalas variáveis como veremos. Uma formação social mais enxuta composta pelos retarã ete´i ou parentes verdadeiros (aqueles que chamamos parentes de primeiro grau como pais, irmãos e filhos) além de atuar em conjunto nas atividades produtivas, compartilhavam refeição pelo menos uma vez por dia e mantinham um nível mínimo diário de alimentos circulando. Observei que neste grau, o nível de coesão era intenso. As relações consangüíneas que unem pais a filhos são reconhecidamente as mais elementares e isto se traduzia pela intimidade em torno da fogueira da casa dos pais.

As mulheres que estão separadas de suas mães, às vezes inspiravam preocupações por parte do marido. Este era o caso de Francisca, que frequentemente se lamentava da distância que a separava da mãe e viajava frequentemente para visitá-la. Sempre quando estávamos cozinhando ela me contava o modo de fazer a comida que sua mãe lhe ensinara. De lá também trazia espigas de milho para plantar atrás da casa e que, aliás, era sempre um bom motivo para seus deslocamentos. Viviano temia pela solidão de Francisca. Lembro-me que certa vez após a morte de um macaquinho que ele havia trazido para Francisca cuidar e que ela havia se afeiçoado muito, Viviano comentou que a esposa poderia se sentir muito sozinha, pois sua mãe não estava próxima para fazer companhia.

Teodoro Centurião, por exemplo, vive emItamarãcercado por quase todos seus filhos e netos, formando um grupo de parentes consangüíneos e afins que na

expressão nativa local seria descrita por Teodorokuéri, tendo como tradução algo como “o pessoal do Teodoro”. Este grupo tem uma forma mais coesa e atua de forma coordenada nas atividades produtivas quando considerado o cenário mais amplo de todas as famílias da aldeia. Difere daquela primeira fala em que dizem

“aqui somos todos parentes”. Liga-se fortemente na esfera da domesticidade marcada por relações estreitas de reciprocidade e deveres formais de colaboração.

Neste grupo, notei que os indivíduos desenvolvem relações de cunho econômico em caráter regular e desempenham em conjunto processos de atuações políticas sob a liderança de Teodoro Centurião. É neste nível da formação social que se identifica uma circulação ampliada dos alimentos industrializados decorrentes dos salários na aldeia, mas também do acesso aos benefícios do governo e as associações de homens para limpar roçados individuais. Também neste nível está a redistribuição do dinheiro em espécie e o compartilhamento da carne das grandes presas, embora estas últimas rendam igualmente modos mais formais e solenes de relações entre pessoas que será explorado adiante.

A reciprocidade entre parentes mais chegados em um primeiro nível envolve processos amplos de produção e divisão de bens, alimentos, serviços e presentes ao longo de uma rede contínua de colaboração e partilha. Assim as pessoas que tem cargos remunerados na aldeia convertem o dinheiro em dons a serem distribuídos entre seus parentes. Fazem comumente através do envio de alimentos, mas podem fazê-lo também direcionando recursos que são concentrados no vértice do grupo: o líder a quem se ligam. Antônia enviava alimentos à casa do pai que por vezes encaminhava à casa de Dionísio ou Petrona.

No grupo de Teodoro Centurião, os filhos Marcelo e Ernesto contribuíam na casa do pai e até mesmo Viviano, que comparativamente acessava menos recursos monetários, após as compras mensais destinava alguns itens à casa dos pais. Sua

No grupo de Teodoro Centurião, os filhos Marcelo e Ernesto contribuíam na casa do pai e até mesmo Viviano, que comparativamente acessava menos recursos monetários, após as compras mensais destinava alguns itens à casa dos pais. Sua

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