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O que estamos fazendo nesse campo – solicitando entrevistas, distribuindo questionários, tomando notas e rabiscando esboço, projetando filmes, compulsando documentos, esmiuçando por todos os lados – “fica fora do alcance das pessoas com quem partilhamos apenas um instante fugaz.” (LATOUR, 2012a, p.181).

A definição de alinhavar traduz bem o percurso que realizei − costurar de modo provisório, usando pontos largos e espaçados como preparação para costura definitiva.76

No linguajar da costura, alinhavam-se partes avulsas de um tecido de modo a ficarem firmes no momento de sua costura, para que o trabalho final possua qualidade.

Alinhavar traz implícito a busca de um resultado de qualidade a partir da ligação de partes heterogêneas – a partir dessa concepção que ocorre a porta de entrada desse estudo.

Durante meu estudo, muitas memórias foram revivescidas e, de certo modo atravessaram esse processo. São histórias provenientes de minha experiência, mas que foram engajadas no campo investigativo o qual, se instituiu em um dispositivo que fez emergir memórias passadas, na ação presente. De forma curiosa, descobri que a ideia de alinhavar está intrinsicamente ligada ao significado de dispositivo, segundo Deleuze (1990) afirma:

Em primeiro lugar, é uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear. É composto por linhas de natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas homogêneos por sua própria conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), mas seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio, e essas linhas tanto se aproximam como se afastam uma das outras [...] (DELEUZE, 1990, p. 1)

Ora, se as curvas da visibilidade e as curvas da enunciação são dispositivos do meu alinhavar, então concluo que são como “máquinas de fazer ver e fazer falar” (idem, p. 1).

Dessa forma, a visibilidade nada mais é que a emergência de relações que vão se estabelecendo na rede, criando possibilidades de esboçar novas formas.

Como primeiro alinhavo, defini que os primeiros passos, após um estudo profundo sobre a TAR e seus princípios, não iniciariam pelo meu próprio sujeito de pesquisa, o Movimento Amplifica, mas pelo levantamento da literatura específica sobre formação de professores e TICE em âmbito nacional e internacional, concomitantemente com dados quantitativos ilustrativos de outras fontes. Conforme apontei na revisão de literatura sobre as TICE como elementos de inovação, averiguei por meio dos estudos mencionados, que esses

dispositivos tecnológicos sempre geraram impacto nos ambientes de ensino: de modo generalizado, as TICE proporcionaram mudanças (superficiais ou de alguma consistência) nos contextos educacionais e a inclusão desses artefatos associados em uma rede pode promover tanto mudanças pedagógicas quanto, interessantemente, mudanças de identidade das pessoas dos microcosmos estudados.

Isso implica dizer que, os professores que buscam realizar atividades pedagógicas via uso das TICE desempenham os papéis de intermediários e/ou mediadores. Assim sendo, o uso das TICE (internet, aplicativos, Datashow, notebook, PC, etc..) exercem uma ação sobre o indivíduo que as utilizam, aqui compreendida como mediadora; ora, sob a ótica da TAR, quando esses objetos supracitados agem sobre os indivíduos, esses não agem sozinhos, mas são influenciados por outros actantes que, através do levantamento da bibliografia são os técnicos de laboratório, programadores que criam os aplicativos educacionais, os desenvolvedores de algoritmos de busca e de plataformas criadas para cursos de formação em TICE. Nesse ponto, pude visualizar claramente a rede sociotécnica e o que propicia a construção de atores-rede: as ações dos indivíduos que usaram as TICE são influenciadas tanto pelos artefatos de hardware e software disponibilizados no microcosmo educacional, quanto pelos indivíduos que agiram sobre eles.

Valho-me aqui da analogia que Latour (2012a) faz com o teatro: o ator está sempre seguido de iluminação, cenário, figurino, maquiagem, e esses elementos atuam sobre e com ele (LATOUR, 2012a, p. 75), e, por sofrer a ação desses elementos, o ator não interpreta sozinho, consequentemente, o ator-rede configura a concepção de que não há ação isolada e de que aquele que age também é fruto da prática de outros, sendo ele também uma rede.

A partir disso, evidenciei que os intermediários são os elementos que fazem parte do agregado social, que transportam significados, mas não o alteram. Dentro dessa rede de associações depreendidas da literatura cuidadosamente explorada, as TICE, majoritariamente, são consideradas um intermediário, uma vez que a informação delas depreendidas (através de aplicativos, buscadores, etc...) é inscrita por uma pessoa − sofre a ação humana − e é conduzida até outro ponto da rede (outra pessoa) sem que haja qualquer tipo de modificação na informação inicial.

O significado imediato é de que não se evidência apropriação das TICE por parte dos professores, mas o mero cumprimento protocolar de uma exigência advinda de instâncias superiores e que pouco dialoga com as demandas emergentes dos educadores.

Por outro lado, quando as TICE resultam em apropriação efetiva pelos professores, elas implicam modificações e alterações de significados. Desse modo, as TICE não são tidas

como um território neutro: elas influenciam o comportamento dos elementos da rede sociotécnica e, portanto, sem sombra de dúvida, as TICE são mediadoras e sempre actantes.

A partir do momento que iniciei a construção de meu agregado social (professores, apropriação, TICE/inovação, formação), as asserções de Latour (1994, 2015, 2012a, 2012b) sobre o mundo social e natural como produtos originados nas teias de relação em que estão localizadas, passaram a fazer mais sentido, pois fora da rede que se tece só se encontram elementos amorfos ou sem efeito. Se para meu leitor essa colocação não é de fácil entendimento, postulo-a de outro modo e aclaro que são os atores, de um determinado contexto, que possuem as habilidades apropriadas capazes de conhecer o fenômeno a fundo, e não o pesquisador.

Determinei como objetivo uma tessitura que pudesse me situar epistemologicamente em relação aos rizomas que fui desvelando em relação à formação de professores, apropriação das TICE e TAR.

Ora, ressalto para meu leitor que conhecida também como a teoria do conhecimento relacionada à metafísica, a lógica e a filosofia da ciência, a epistemologia reflexiva do saber sobre a mutualidade entre Educação e TICE, na esfera da formação de professores, faculta- nos a ponderar sobre novos paradigmas possíveis na Sociedade da Informação e Comunicação; afinal, as práticas e reflexões na seara pedagógica mediada pelas TICE nos permite ampliar o coeficiente de ecossistemas comunicativos e criativos na escola, favorecendo tanto as relações dialógicas quanto as apropriações criativas que as TICE, enquanto elementos de inovação educacional, propiciam na construção, produção e difusão do conhecimento.

Na cartografia, a busca da objetividade depreendida de uma epistemologia reflexiva deve ocorrer pela multiplicação de pontos de observação: “[...] quanto mais numerosas e parciais são as perspectivas pelas quais um fenômeno é considerado, mais objetiva e imparcial será sua observação [...]” (VENTURINI, 2010, p. 260).

A metáfora da cartografia vem ao encontro de uma epistemologia reflexiva: na elaboração de um mapa, o cartógrafo procura coletar o maior número de dados possível da área a ser estudada e procura desenhar sua representação o mais veraz possível ao real, ao que se é − o cartógrafo não faz uso de recortes sinuosos em uma forma geométrica já existente (LATOUR, 2012a), mas se o fizer, vai produzir reduzir sua cartografia a meras categorias.

Consequentemente, tecer com distintas linhas demanda destreza das diferentes “agulhas” utilizadas para tecer porque toda forma de ação intervém na tessitura dessa

investigação − os encontros que permitiram essa confecção, perpapassam por uma rede de leituras, estudos, pessoas, processos, discussões, percepções, tecnologias e narrativas.

Assim sendo, é inviável reduzir a complexidade de uma controvérsia em um único mapa, meu papel é desdobrá-la e depois recompô-la através de uma cadeia de representações subsequentes – é a partir desse ponto que iniciei minha tessitura.