• Nenhum resultado encontrado

Aljubarrota: estado da arte

O estudo e a análise da Batalha de Aljubarrota envolvem fontes variadas, sejam elas narrativas, arquivísticas ou outras, materializadas em diferentes suportes. No que respeita aos primeiros elementos alusivos ao acontecimento de 14 de agosto de 1385, eles foram redigidos poucos dias após a ação; recordamos a missiva que D. Juan I enviou às principais cidades de Castela (a justificar a sua derrota), assim como as cartas de doação outorgadas por D. João I, em cumprimento das suas promessas. A recolha de testemunhos, por seu lado, deu corpo a um pequeno número de crónicas, parte destas gizadas ainda em vida de alguns dos intervenientes ou logo após a sua morte (entre as quais a Corónica do Condestabre). Posteriormente, alguns desses relatos foram copiados e interpolados, sofrendo, inevitavelmente, algumas desvirtuações.

O tema suscitou o interesse coletivo, desde o erudito até ao mais popular, e não se esgotou ao longo das décadas, ou mesmo das centúrias. Pelo contrário, motivou várias reedições das fontes documentais, ao mesmo tempo que foi acompanhado por reinterpretações e diferentes abordagens temáticas (biográficas, literárias, sociais, políticas, históricas, militares, entre outras).

Não podemos ignorar o fervor ideológico com que o tema foi abordado, quer o acontecimento em si, quer as principais figuras a ele associadas (recorrentemente manipuladas para servir o interesse político, religioso e até social), o que redundou com frequência em representações fantasistas. Apesar das boas intenções de alguns dos seus autores, muitos desses fervorosos relatos patrióticos e/ou religiosos, com exaltações ficcionadas, em nada contribuíram para uma salutar investigação deste episódio crucial da história portuguesa.

Por outro lado, temos de reconhecer o número significativo de autores que, em resultado de investigações sérias e laboriosas do tema – expressas em livros, em artigos ou em outros trabalhos – tem possibilitado avanços no estudo historiográfico de Aljubarrota.

De seguida iremos dedicar algumas páginas às principais fontes e aos mais relevantes trabalhos historiográficos alusivos ao dossier Aljubarrota. Começaremos pelas obras basilares, aquelas que talvez sejam os principais testemunhos para o estudo do tema – as crónicas e os respetivos autores; seguir-se-ão outros

124 testemunhos, alguns deles coevos, gravados em outros suportes. Reservaremos ainda um espaço para as evidências arqueológicas e um último apontamento para os principais estudos, especialmente dinamizados pelas descobertas arqueológicas que foram tendo lugar no próprio campo de batalha.

• 2.1 – Crónicas e outras fontes

As crónicas são um instrumento imprescindível para o estudo de Aljubarrota. O texto mais próximo da data do acontecimento é da autoria do futuro chanceler castelhano, Pero López de Ayala. O cronista esteve em Aljubarrota, ao serviço de D. Juan I, tendo inclusivamente integrado o corpo de parlamentários que visitou o acampamento português um pouco antes do início do combate. Encontramos o seu testemunho na obra Crónicas de los Reyes de Castilla73 onde relata os acontecimentos do reinado de D. Juan, dedicando bastante atenção aos anos de 1383-1385 e ao conflito luso-castelhano.

O envolvimento francês neste conflito, ao lado de Castela, seria retratado numa obra intitulada Chroniques, da autoria de Jean Froissart. O escritor francês descreve o episódio em duas passagens distintas, a partir de dois testemunhos recolhidos através de outras tantas entrevistas. O primeiro relato tomou forma a partir da conversa com o cavaleiro gascão Espan du Lion, em Orthez (sul de França), no ano de 1388; o outro, substancialmente diferente, é mais tardio (1390) e resultou de um encontro em Midelburgo (Países Baixos) com o cavaleiro português João Fernandes Pacheco (c. 1340 – c. 1420), figura de destaque da batalha de Trancoso e também ele combatente em Aljubarrota. A abrangência geográfica das Chroniques e o espaço que esta obra dedica aos conflitos europeus no contexto da Guerra dos Cem Anos garantiu uma alargada difusão internacional dos textos de Froissart (e, por arrastamento, do episódio de Aljubarrota).

73 Esta obra inclui as crónicas dos reinados de Pedro I, Enrique de Trastâmara (Enrique II de Castela) e

Juan I. López de Ayala ainda deu início à redação da crónica do reinado de Enrique III, mas a obra ficou incompleta. Para este trabalho, seguimos a edição de José Luis MARTÍN (ed.): Pero LÓPEZ DE AYALA,

125

Figura 6 - Batalha de Aljubarrota in Chroniques de Froissart - BM-MS. 0865 f. 239 (1412-1414)

Posteriores a Froissart, as Chronique du religieux de Saint-Denys, crónicas régias de autor desconhecido redigidas ainda durante o reinado de Carlos VI (1380-1422), provavelmente por mais do que um escriba daquela ordem religiosa, mencionam sucintamente o combate de Aljubarrota, contextualizando o apoio militar que o monarca francês prestou ao seu congénere castelhano74.

De Inglaterra, a presença nos confrontos ibéricos ficou registada em crónica, em especial a participação inglesa na terceira guerra fernandina (1381-1382) e na campanha de 1385, que culminaria em Aljubarrota. As crónicas redigidas para o reinado de Ricardo II (r. 1377-1399) não ignoram a aliança anglo-portuguesa, ao abrigo da qual foi autorizada aos embaixadores portugueses a contratação de forças mercenárias inglesas. Destacamos, a título de exemplo, a Crónica de Westminster75 (1381-1394).

Natural de França, mas tendo-se dedicado aos assuntos de Inglaterra, Jean de Wavrin (1398-1474) foi autor das Anciennes et Nouvelles Chroniques d'Angleterre76,

74 Na versão consultada: Chronique du Religieux de Saint-Denys, contenant le régne de Charles VI, de

1380 a 1422, BELLAGUET, Louis François (trad.), edição bilingue, Tomo I, De L´Imprimerie de Crapelet,

Paris, 1839, p 439 e 441.

75 A crónica de Westminster pode ser consultada na versão inglesa em: The Westminster Chronicle,

1381–1394, HECTOR, L. C. & HARVEY, Barbara F. (ed. & trad.), Clarendon Press, Oxford, 1982.

76 O manuscrito que compõe os volumes da Chroniques d'Angleterre, da autoria de Jean de Wavrin (MS

14 E IV – atualmente parte do acervo do Museu Britânico) foi redigido em língua francesa entre 1471 e 1483, nos Países Baixos. A terceira parte da obra abrange o reinado de Ricardo II, até ao ano de 1387, período durante o qual decorre o conflito luso-castelhano, com o envolvimento da Inglaterra e da França. Deste volume destacamos um conjunto de iluminuras que ilustram alguns episódios da terceira guerra fernandina e da Crise de 1383-1385. Entre estas imagens (que retratam, entre outras, a chegada

126 manuscrito no qual o autor retrata o envolvimento inglês nos conflitos luso- castelhanos, em 1381 e 1385. A narrativa contextualiza este conflito na sua vertente social e política, e não apenas militar. A obra retrata, inclusivamente, os acordos entre Eduardo III (r. 1327-1377) e D. Fernando; os convénios de Ricardo II com o Mestre de Avis; o desembarque de combatentes ingleses em Portugal nos anos de 1381, 1382 e 1385; e o casamento de D. João I com Filipa de Lencastre (fevereiro de 1387), filha do duque João de Gante (1340-1399). Este último acontecimento integra-se no contexto da famosa aliança luso-inglesa, materializada no Tratado de Windsor (maio de 1386).

O episódio de Aljubarrota teve, obviamente, um alcance ainda mais abrangente em Portugal, uma vez que foi decisivo para a resolução da crise sucessória de 1383- 1385 e contribuiu decisivamente para a afirmação da dinastia de Avis. Claro que a reconstituição da batalha foi feita de forma contraditória e por vezes deturpada; os relatos tenderam a favorecer as principais personagens do acontecimento, dotando-as de uma aura mítica e quase sobre-humana (neste particular, o melhor exemplo é, sem dúvida, o de D. Nuno Álvares Pereira).

De autoria portuguesa chegaram até nós a Corónica do Condestabre (de autor anónimo), que evoca justamente os feitos militares de Nun´Álvares, e as três crónicas dedicadas por Fernão Lopes aos reis D. Pedro, D. Fernando e D. João I. Podemos considerar estes textos como os mais próximos e os mais completos relativos aos acontecimentos diretamente associados ao confronto armado ferido em S. Jorge.

Posteriormente, o entusiasmo despertado pelos testemunhos e pelas narrativas sobre as façanhas militares do 14 de agosto, as manifestações patrióticas (num período em que o conceito de identidade nacional ainda era nebuloso), as galerias de heróis que se foram formando, tudo isso contribuiu para novas exaltações literárias. Por exemplo, o mítico condestável teve a sua vida e morte retratadas nas crónicas da Ordem religiosa dos Carmelitas77, uma verdadeira e compreensível

das forças inglesas à corte d´O Formoso, em 1381, e o funeral deste monarca, em 1383) destacamos a célebre gravura que corresponde à batalha de Aljubarrota (f. 204). Apesar da sua relevância iconográfica, a redação da obra afasta-se dos acontecimentos portugueses de Trezentos em perto de uma centúria, tendo o autor recorrido abundantemente às crónicas de Froissart. Por esse motivo e pelo seu caráter de síntese de obras anteriores, pode ser considerado como “de importância secundária” (BARROCA, 2008, p. 8). A cópia integral do manuscrito pode ser consultada online em:

http://www.bl.uk/manuscripts/Viewer.aspx?ref=royal_ms_14_e_iv_fs001r

77 A edição de 1745 da Chronica dos Carmelitas, da autoria de frei José Pereira de Sant’Anna, pode ser

127 homenagem ao patrono do convento do Carmo em Lisboa. Como o leitor dessa obra deve esperar, os numerosos capítulos dedicados a Nun’Álvares salientam a sua conduta moral, austera e devota, mais do que o seu perfil de guerreiro ou de senhor feudal.

A partir dos finais do século XV, a dinamização da tipografia foi responsável pela impressão de fontes relevantes, embora a operação nem sempre decorresse de uma forma rigorosa. O critério na escolha das obras tendia, não raras vezes, para a propaganda política e religiosa, num critério que convidava à adulteração dos textos originais. A publicação de crónicas, particularmente as mencionadas, motivaria a produção de novos trabalhos em torno de Aljubarrota, muitos deles em tom patriótico exacerbado. Tudo isso contribuiu, de uma forma ou de outra, para manter a memória do combate de 14 de agosto na linha do horizonte histórico, ainda que com contaminações políticas, ideológicas e religiosas indisfarçáveis.

2.1.1 – As principais fontes escritas e os seus autores

Entre as fontes narrativas que se dedicaram à batalha de Aljubarrota, destacaremos quatro: a crónica de Pero López de Ayala; os relatos de Jean Froissart; a história de Nuno Álvares Pereira (de autor desconhecido e materializada na Corónica

do Condestabre); e a trilogia de Fernão Lopes.

Pero López de Ayala78: nasceu em 1332, em Quejana (na Terra de Ayala, Álava, País Basco). Era filho de Fernán Pérez de Ayala (senhor de Ayala) e de Elvira de Ceballos. Faleceu em Calahorra (La Rioja, região de fronteira entre o País Basco, Navarra, Aragão e Castela-Leão), em 1407.

Este cavaleiro e letrado (traduziu Tito Lívio) foi uma personagem multifacetada: guerreiro, diplomata, conselheiro de diversos monarcas, chanceler-mor de Castela, tendo-se destacado também como cronista de quatro reis castelhanos: Pedro I (1350- 1369), Enrique II (1366/69-1379), Juan I (1379-1390) e Enrique III (1390-1406).

78 Nesta síntese sobre o cronista castelhano que escreve sobre a batalha de Aljubarrota, seguimos

essencialmente o estudo de José-Luis MARTÍN (1991) e o artigo de Covadonga VALDALISO CASANOVA (2011). Merece ainda referência a dissertação de doutoramento desta autora, precisamente sobre Pero López de Ayala (2009).

128 Pero López recebeu formação religiosa (chegou a ser cónego de Palencia e de Toledo), mas, em 1350, por razões familiares, abandonou a clerezia e foi para a corte de D. Pedro I, onde permaneceu durante a maior parte do reinado d´O Cruel. Em 1366, em plena guerra civil entre os dois meios-irmãos, passou para o serviço de Enrique II de Trastâmara, merecendo por isso a estima e a confiança deste monarca; no reinado seguinte fez parte do Conselho de D. Juan I e teve ainda um papel importante nos primeiros anos do reinado de Enrique III. Por tudo isto, conheceu profundamente os hábitos, os assuntos e os segredos da corte castelhana da segunda metade do séc. XIV, de tal forma que as suas Crónicas e o Rimado de Palacio (obra didático-moral de fundo fortemente religioso, escrita em verso cerca de 1378-1403) constituem as principais fontes narrativas para o estudo dessa temática.

Ao longo da sua vida, López de Ayala desempenhou diversos cargos e funções políticas relevantes: durante a “Guerra dos Dois Pedros” (o de Castela e o de Aragão, c. 1356-1375) foi capitão da armada que atacou Barcelona; em 1360, foi nomeado

alguacil mayor (meirinho-mor) de Toledo e, em 1367, alferes da “Ordem da Banda”

(fundada por Afonso XI em 1332), um estatuto honorífico que detinha quando foi feito prisioneiro na batalha de Nájera (em 1367). Recebeu ainda os cargos de alcaide-mor de Vitoria e de meirinho de Álava (ambos em 1373), de meirinho-mor de Guipúzcoa (em 1379), de membro do Conselho de Regência de Enrique III (em 1391) e, por fim, o de chanceler-mor de Castela (em 1398).

Em resultado do destaque político e social de que gozava, coube a Pero López de Ayala realizar diversas missões diplomáticas. Por exemplo, foi embaixador castelhano na corte aragonesa, em 1376, com o objetivo de mediar o desafio do visconde de Roda a Juan Ramírez de Arellano. Participou também em diversas negociações com a França, designadamente em 1378, em 1379 e em 1380, com vista a uma aliança franco-castelhana contra a Inglaterra e Portugal. Em 1382, terá atuado como conselheiro de Carlos VI de França na batalha de Roosbeek (onde se concretizou a grande desforra francesa sobre as cidades flamengas em revolta, que tinham imposto à Coroa da flor-de-lis uma grande humilhação no combate de Courtrai, em 1302). Ayala esteve também presente nas negociações anglo-castelhanas de Baiona, em 1388, e seria ainda um dos supervisores da trégua na guerra anglo-francesa

129 assinada meses depois, entre o rei de Castela (Juan I) e João de Gante, duque de Lencastre (o pai de D. Filipa).

Há, pois, uma relação profunda entre a vida de Pero Lopéz de Ayala e a sua obra, visto que ele acompanhou de perto e até aconselhou os monarcas cujos reinados relata. Assim, é preciso ter particular atenção à inevitável subjetividade da sua narrativa, em especial quando descreve acontecimentos em que ele próprio foi interveniente, mas essa experiência presencial, ao mesmo tempo, também enriquece as suas crónicas! No caso da batalha de Aljubarrota, embora devamos estar conscientes de que o seu relato não pode deixar de ser sujeito a crítica histórica, o facto de López de Ayala ter sido testemunha ocular do acontecimento (ao contrário de Fernão Lopes ou de Jean Froisssart), confere-lhe um particular interesse. Segundo o seu próprio relato (neste ponto retomado por Fernão Lopes) Pero López foi um dos três emissários enviados a Nuno Álvares Pereira, pouco antes do início do combate. Pouco depois da batalha seria feito prisioneiro79, tendo ficado preso no castelo de Leiria (CDJ, II, cap. LXII, pp. 151-152) e também no castelo de Óbidos. Depois de um ano de cativeiro, foi resgatado por 30 000 dobras de ouro: 20 000 pagas quando foi libertado e o restante mais tarde, ficando o seu filho (Férnan) como refém, até ao momento em que o próprio rei D. Juan I se encarregou do pagamento da dívida do seu distinto valido, juntamente com o rei de França, que terá colaborado com uma quantia de 10 000 francos de ouro.

Ao todo, López de Ayala terá ficado em Portugal entre 15 e 30 meses, mas deve ter gozado de uma certa liberdade, ou pelo menos de razoáveis condições de vida e de trabalho, pois foi aqui que escreveu um “Libro de la Caza” (em que reúne os seus conhecimentos práticos na arte de falcoaria), assim como uma parte do já citado “Rimado de Palacio”; esta última obra tem uma vertente satírica, através da qual o autor, recorrendo à figura fictícia de um membro da pequena nobreza, critica a corte castelhana contemporânea (VALDALISO CASANOVA, 2011, p. 197).

No entanto, a fama de López de Ayala ficou sobretudo a dever-se às suas “Crónicas dos Reis de Espanha”, as quais têm sido objeto de diversas polémicas e

79 Segundo Fernão Lopes Ayala seria identificado em Santarém entre o conjunto de castelhanos

aprisionados na cidade: “que os soltasem e se fossem pera suas terras; salvo se foy Pero Lopez dAyalla, huum boom cavalleiro e muyto homrado fidalgo de Castella” (CDJ, II, cap. LI, p. 126).

130 interpretações discordantes. A redação das Crónicas terá começado ainda no reinado de D. Juan I, provavelmente depois de Aljubarrota, com a intenção de fixar a verdade oficial sobre um período tão agitado da história de Castela (MARTÍN, 1991, p. LXV) – note-se que a História era então vista como um registo de memória (VALDALISO CASANOVA, 2011, pp. 198-199). Porém, a datação das crónicas é algo complexa, uma vez que existem duas versões (a “abreviada” e a “vulgar”), uma circunstância agravada pelo facto de todos os códices conhecidos mesclarem as duas versões, dando assim origem a diferentes interpretações (MARTÍN, 1991, p. LXIV-LXV). O especialista e editor espanhol José-Luis Martín admite que a versão inicial terá sido revista nos anos finais do século XIV, ou em começos do século XV, pelo próprio Ayala, sendo depois retocada por copistas80, a quem se deverá também a interpolação de dados posteriores à data da morte do cronista. Possivelmente, o seu filho Fernán Pérez de Ayala continuou, corrigiu ou reescreveu as Crónicas de autoria paterna (MARTÍN, 1991, pp. LXV- LXVI).

Além de registo histórico, as crónicas tinham então uma função didática, exemplar, sendo muito utilizadas na educação de príncipes e de nobres. Assim, pretendia-se que dos grandes feitos relatados se retirasse uma ilação moral, e por isso se escolhiam as façanhas guerreiras e os episódios cavaleirescos (VALDALISO CASANOVA, 2011, pp. 199-200). Isto é comum a outros cronistas, como por exemplo a Jean Froissart, mas o que é específico em López de Ayala é este usar o código cavaleiresco para julgar os próprios reis – um facto particularmente evidente no relato do reinado de D. Pedro I, cujo comportamento é retratado muitas vezes como impróprio de um bom cavaleiro. O objetivo político último do cronista é justificar o assassinato de Pedro I em Montiel (1369) e, dessa forma, legitimar os direitos da dinastia dos Trastâmaras à coroa de Castela. Pero López, que vivera na corte de D. Pedro I e que até tinha lutado a seu lado, teve (como muitos outros nobres) de justificar a sua mudança de ‘partido’ durante a guerra civil. Como nobre, ele exprime o ponto de vista da aristocracia que triunfa no final da fratricida guerra civil castelhana (MARTÍN, 1991, p. LXVII).

Com tudo isto, bem podemos concluir que Pero López de Ayala configura uma fonte autorizada preciosa para o estudo da batalha de Aljubarrota. Até porque, como

80 A dimensão da obra permite pensar que Ayala liderava algo do género de uma oficina historiográfica,

131 recorda Covadonga VALDALISO CASANOVA (2011, p. 203), nesta época, o cargo de chanceler-mor estava relacionado com o ofício de cronista régio: “do mesmo modo que o selo da chancelaria garantia a autenticidade dos documentos, a assinatura do cronista-chanceler avalizava a veracidade dos seus escritos”.

Jean Froissart81: O cronista francês Jean Froissart nasceu em Valenciennes, no condado de Hainaut (norte de França, região de Lille-Roubaix), em data próxima de 1337. Não se sabe quando faleceu, mas estima-se que o seu decesso tenha ocorrido algures entre 1404 e 1410.

Criado na região de Valenciennes, Froissart teve uma educação letrada de tipo clerical, sabendo-se que em 1361 partiu para Inglaterra, tendo sido colocado na corte de Eduardo III e de sua esposa, a rainha Filipa de Hainaut. Conterrânea de Froissart, D. Filipa tornou-se a sua principal protetora, ao longo de cerca de oito anos. Deve ter sido a esta rainha que Froissart dedicou a sua primeira obra histórica, que se supõe ter sido escrita ainda em verso: uma evocação das vitórias obtidas pelos Ingleses em França durante a primeira fase da Guerra dos Cem Anos (até à batalha de Poitiers, travada em 1356).

Ao mesmo tempo que se intensificava o envolvimento de Froissart na vida cortesã inglesa (tanto em Londres como em Westminster), fazia-se sentir sobre o futuro cronista a influência de Robert de Namur (1323-1391), um fidalgo dos Países Baixos que participara nas Cruzadas na Prússia e na Terra Santa e que era muito próximo de Eduardo III; Namur casara mesmo, em 1354, com Isabel de Hainaut (irmã mais nova de Filipa), tornando-se assim cunhado do monarca inglês, que o ordenou cavaleiro da Ordem da Jarreteira em 1369. É, aliás, possível que tenha pertencido a

81 A síntese que aqui se apresenta baseia-se essencialmente nas seguintes obras: FROISSART, Jean,

Chroniques, Livres I et II, Éditions et textes présentés et commentés par AINSWORTH, Peter F. et DILLER,

Georges T., Lettres Gothiques, Paris, 2001; FROISSART, Jean, Chroniques de J. Froissart, MIROT, Léon (ed.), Troisième Livre, publié par la Société de l’Historie de France, série antérieure à 1789, Tome Douzième, 1356-1388, Paris, 1931; ARNAUT, Salvador Dias, “Froissart e João Fernandes Pacheco”, in

Revista Portuguesa de História, tomo III, Coimbra, 1947b, pp. 129-159; CRESPO, Irene de Jesus Teixeira,

Documentos relacionados