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Alteração anormal das circunstâncias

No documento O Contrato de Swap de Taxa de Juro | Julgar (páginas 80-88)

Parte II – Análise da jurisprudência coligida

5. Alteração anormal das circunstâncias

Algumas indicações bibliográficas específicas sobre o tema: M.CLARA CALHEIROS, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», Cadernos de Direito Privado, Braga, n.º 42 (abril-junho 2013), p. 3-13 (em especial, pp. 11-3); ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, «Direito bancário e alteração de circunstâncias», in I Congresso de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2015, p. 27-81; TIAGO MANUEL SOUSA FREITAS E COSTA, «Resolução do contrato de swap de taxa de juro: anotação jurisprudencial», O Direito, Coimbra, a. 146, n.º 2 (2014), p. 530- 542; DIOGO PEREIRA DUARTE, «A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps; anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/05/2014», Revista de Direito das Sociedades, Coimbra, a.7, n.1 (2015), p. 189-235; PAULO MOTA PINTO, «Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, a. 144, n.º 3988 (set.-out. 2014), p. 14-56 (em especial pp. 27 e ss.); João CALVÃO DA SILVA, «Contratos bancários e alteração das circunstâncias», Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v. 90, n.º 2 (2014), p.539-566;CALVÃO DA SILVA, «STJ, Acórdão de 10 de Outubro de 201327 (swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias)», Revista de legislação e de jurisprudência, Coimbra, a. 143, n.º 3986 (maio-junho2014), p. 348-373.

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Sobre o tema já muito se escreveu. Exemplificativamente, acerca de um aspeto do contrato de mediação e com indicações sobre questões análogas noutros contratos, v. o meu O contrato de mediação, Almedina, 2014, pp. 382-5.

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Bem indicado no sumário da capa da RLJ em causa, mas, por lapso manifesto, indicado na p. 348 como «Acórdão de 12 de Setembro».

DADOS DA JURISPRUDÊNCIA

O tema foi tratado, em alguns casos a par de outros, nos acórdãos do quadro seguinte.

Tribunal, data, processo Decisão

4. TRG de 31/01/2013 1387/11.5TBBCL-B.G1

Resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias. Decisão favorável ao cliente.

6. STJ de 10/10/2013 1387/11.5TBBCL.G1.S1

Resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias. Mantém decisão do TR. Decisão favorável ao cliente.

9. TRL de 08/05/2014 531/11.7TVLSB.L1-8

Resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias. Decisão favorável ao cliente.

13. TRL de 15/01/2015 876/12.9TVLSB.L1-6

Julgada não verificada alteração anormal das circunstâncias que justificasse resolução ou modificação do contrato. Decisão favorável ao banco.

14. STJ de 29/01/2015 531/11.7TVLSB.L1.S1

Declarada a nulidade dos contratos por ofensa à ordem pública. Mantém decisão do TR com diferente fundamentação. Decisão favorável ao cliente.

19. TRL de 28/04/2015 540/11.6TVLSB.L2

Decretada a resolução do contrato por alteração das circunstâncias. Decisão favorável ao cliente.

24. TRL de 02/07/2015 2118-10.2TVLSB.L1.-2

Ação improcedente. Decisão favorável ao banco.

31. STJ de 26/01/2016 876/12.9TVLSB.L1.S1

Ação improcedente. Mantido o acórdão do TR. Decisão favorável ao banco.

37. TRL de 10/05/2016 1246/14.0T8PDL.L1-7

Ação improcedente. Decisão favorável ao banco.

Seis processos, nove acórdãos. A jurisprudência apresenta-se dividida em partes iguais nesta matéria.

Nos processos 531/11.7TVLSB, 540/11.6TVLSB e 1387/11.5TBBCL, a decisão foi sempre favorável ao cliente, tendo-se decretado a resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (pequena ressalva para dizer que no processo 531/11.7TVLSB assim foi apenas na Relação, tendo o Supremo mantido a decisão favorável ao cliente, mas com fundamento diferente da alteração das circunstâncias). A resolução dos contratos de swap foi decretada por os tribunais terem considerado que a descida

das taxas de juro causada pela crise de 2008-2009 constituía uma grave e anormal alteração das circunstâncias em que as partes tinham fundado as suas decisões de celebrar os contratos de swap de taxas de juro28.

Nos processos 2118-10.2TVLSB, 876/12.9TVLSB e 1246/14.0T8PDL, as ações propostas pelos clientes dos bancos foram julgadas improcedentes, não tendo sido decretadas as pedidas resoluções dos contratos.

DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento que segue é pessoal, seguindo no essencial a posição jurisprudencial dominante nos últimos anos.

I. A análise subsequente segue o seguinte percurso: o contrato de swap de taxa de juro como contrato aleatório; aplicabilidade do art. 437 do CC aos contratos aleatórios – circunstâncias que, a alterarem-se grave e anormalmente, permitem essa aplicação; «riscos próprios do contrato» de swap de taxa de juro.

II. O contrato de swap de taxa de juro é pacificamente reconduzido à categoria doutrinal dos contratos aleatórios. Apesar de estes não constituírem uma categoria legislada, vários contratos classificados como tal estão previstos e/ou regulados por lei. Lembro o jogo e aposta, a venda de bens futuros com caráter aleatório, a venda de bens de existência ou titularidade incerta, a renda vitalícia e os contratos de seguro. Têm em comum serem contratos onerosos nos quais, no momento da sua celebração, a existência e/ou a extensão da atribuição de uma ou de ambas as partes está, por estipulação contratual, dependente de um facto incerto quanto à sua verificação (incertus an) ou quanto ao momento dessa verificação

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Parte dos referidos acórdãos foram objeto das seguintes anotações: M. CLARA CALHEIROS, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., pp. 11-13; TIAGO MANUEL SOUSA FREITAS E COSTA, «Resolução do contrato de swap de taxa de juro: anotação jurisprudencial», cit.; DIOGO PEREIRA DUARTE, «A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps; anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/05/2014», cit.; PAULO MOTA PINTO, «Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar», RLJ, a. 144, n.º 3988, cit., pp. 49 e ss.; CALVÃO DA SILVA, «STJ, Acórdão de 10 de Outubro de 2013 (swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias)», cit..

(incertus quando), o que gera incerteza sobre o resultado económico do contrato, para ambas as partes29.

É fundamental, na minha perspetiva, o acordo das partes em que uma ou mais das atribuições contratuais fique dependente de um evento incerto. A necessária incerteza relativamente ao resultado económico do contrato e o eventual desequilíbrio final entre as atribuições são consequências daquela estrutura.

III. Desequilíbrios entre prestações e incertezas quanto ao resultado económico do negócio podem suceder em quase todos os contratos em que exista um hiato temporal entre o acordo e a execução das prestações. Em qualquer contrato, excetuados talvez os mais simples e instantâneos contratos de troca, cada uma das partes corre o risco de que a prestação da parte contrária não venha a ser satisfeita do modo esperado (mora, cumprimento defeituoso, incumprimento, impossibilidade), ou que, por alteração das circunstâncias económicas ou financeiras, se torne menos vantajosa que o previsto aquando da contratação, ou que a sua própria prestação se torne mais onerosa.

Os primeiros são riscos compensados pela regulação contratual e que desaparecem com atuação dessa regulação. Por vezes são duplamente acautelados com a acoplação de garantias.

Os segundos são riscos sem cura, que desequilibram indelevelmente o valor das prestações contratuais mas dentro de uma esfera de normalidade, dentro da esfera de eventos externos ao contrato, que sabemos à partida que podem suceder, mas que no caso concreto esperamos que não sucedam. Riscos que assumimos, mas são malquistos; que não nos impedem de contratar, mas que gostaríamos de não correr. Daí que, por vezes, os tentemos minimizar por via de cláusulas contratuais, nomeadamente de indexação de valores. A este segundo conjunto de riscos chama- se «álea normal dos contratos» ou «risco económico em sentido estrito».

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Neste parágrafo e nos seguintes recorro livremente às pp. 287-96 do meu O contrato de mediação, Almedina, 2014, nas quais se encontra mais extensa fundamentação.

IV. Estes riscos normais são juridicamente irrelevantes enquanto não atingirem um grau de anormalidade tal que, por via do instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias (art. 437 do CC), os torne juridicamente relevantes. Entre o risco económico em sentido estrito ou álea normal dos contratos e os riscos que permitem o funcionamento deste instituto existe uma diferença de grau, não de qualidade.

V. Nos contratos aleatórios, a álea tem uma compleição diferente dos riscos de que falámos até agora. Nos contratos aleatórios, a álea é desejada e incorporada no contrato por estipulação das partes (ainda que tácita) e vai influenciar a existência ou a determinação da prestação, ou de várias prestações. São as partes que querem que a prestação de uma, ou de ambas, fique dependente de um evento futuro e incerto (quanto à sua verificação ou ao momento desta), são as partes que querem correr o risco da incerteza que essa dependência vai produzir no resultado económico do contrato, querem correr o risco de ganhar e de perder. Não é que desejem perder, ou sequer que desejem o evento de que resultará a prestação aleatória, mas desejam e aceitam indubitavelmente correr o risco de que isso possa acontecer, na esperança de que o evento aleatório lhes seja favorável.

Podemos concluir que enquanto a álea normal (risco económico) é exterior ao contrato, eventual e afeta o valor da prestação; a álea própria dos contratos aleatórios (risco jurídico) é intrínseca, necessária e afeta a existência ou a extensão da prestação.

VI. Além desta álea intrínseca ou endógena, risco jurídico (e, claro está, da álea normal ou risco económico presente em todos os contratos), os contratos aleatórios, com exceção dos de jogo e aposta, podem lidar também com um risco exógeno, preexistente, que se quer cobrir, gerir, minimizar ou sobre o qual se quer especular.

VII. Tem-se suscitado a questão de saber se é aplicável aos contratos aleatórios o instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437 do CC.

Na minha perspetiva, a resposta é positiva quando as alterações são da esfera do risco económico, da álea normal, mas que ao tomarem proporções graves e anormais, justificam a disciplina do instituto. O ISDA Master Agreement 2002 prevê que determinadas alterações supervenientes e anormais das circunstâncias que foram pano de fundo da contratação possam conduzir à resolução do contrato. Com efeito, na cláusula 5.ª, alínea (b) – Termination Events – prevê-se a possibilidade de pôr termo ao contrato perante a ocorrência superveniente de graves e inesperadas alterações do quadro fiscal ou da introdução de restrições legais à entrada e saída de capitais no Estado onde se situe uma das partes, entre outras.

VIII. Quando as alterações se situam na esfera do risco jurídico, do risco endógeno, querido e criado pelo contrato aleatório (ainda que por vezes reportado a um outro tipo de risco preexistente que se quis limitar ou cobrir), a resposta impõe- se negativa.

É com este enquadramento, pensando nos «riscos próprios do contrato» de swap, nos riscos que as partes quiseram e criaram ao celebrar o contrato, que lemos:

- «A principal consequência da classificação do contrato de swap na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do art. 437.º do Código Civil sobre resolução com base na alteração das circunstâncias, em face de uma inesperada e grave evolução, para uma ou outra das partes, das taxas ou das cotações das moedas adotadas como referentes do contrato de swap celebrado.»30.

- «Sendo este o coração do contrato sinalagmático e aleatório que é o swap, deve ter-se por não sujeito ao regime do art. 437.º do Código Civil, sob pena de contradição nos termos e desnaturação do swap: a flutuação dos juros

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por referência à evolução do Euribor é o objeto e a causa deste swap concretamente celebrado, nos limites acordados, pelo que não pode deixar de considerar-se coberta pelos riscos próprios deste contrato a prestação aleatória da parte onerada com o pagamento do saldo líquido resultante da possível compensação das obrigações recíprocas (…).

Numa palavra: a volatilidade dos juros é o risco próprio do swap, a não permitir a sua resolução pois as partes expuseram-se voluntariamente à alteração da Euribor e a descida verificada não decorreu de outros eventos, causas ou circunstâncias (alteração legislativa, guerra, implosão do euro, etc), diferentes e fora da oscilação do mercado como a álea do contrato de troca concretamente firmado (repartição e assunção contratual do risco).»31.

- «Mesmo quando se afirma que também os contratos aleatórios não estão subtraídos à aplicação do regime da alteração anormal das circunstâncias, previsto no artigo 437.º, desde que a alteração em causa vá para além de quaisquer flutuações previsíveis no momento da celebração do contrato, ou do risco típico do contrato, ressalva-se o caso de o contrato aleatório em causa ter como finalidade, e objeto, justamente a alteração da exposição ao risco em questão.

Neste caso, quando o contrato aleatório, pela sua finalidade, visa expor as partes ao risco em causa, parece claro que apenas alterações de outras circunstâncias, diversas daquelas cujo risco as partes quiseram afetar mediante a celebração do contrato aleatório (circunstâncias já fora da álea contratual), poderão ser relevantes para efeitos do art. 437.º, n.º 1. Já a alteração que consiste justamente na variação dos riscos que as partes quiseram, pela própria finalidade do contrato, assumir quando contrataram, integra os “riscos próprios

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JOÃO CALVÃO DA SILVA, «Contratos bancários e alteração das circunstâncias», Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v. 90, n.º 2 (2014), pp. 539-566 (553-4).

do contrato” que estão previstos, como elemento negativo da previsão, naquela norma do Código Civil.»32.

- «Na verdade, o risco de variação das taxas de juro, em consequência de uma crise financeira global ou de outros eventos, está claramente coberto pelos “riscos próprios do contrato” de swap de taxas de juro – é a ele mesmo que a celebração do contrato se dirigiu, sendo esta assunção incompatível com a pretensão de, ex post, “alijar” as consequências desses riscos (depois de, eventualmente, se ter beneficiado em períodos anteriores de oscilações mais favoráveis das taxas).

Note-se, ainda, que esta conclusão, se é válida em geral para o swap de taxas de juro, será ainda mais clara naqueles casos em que o swap previu expressamente, por acordo das partes, limites inferiores (floors) ou superiores para a taxa a pagar (ou para alteração desta), e em que está em causa uma alteração que levou justamente à ultrapassagem desses limites.

Com efeito, se o contrato de swap taxa de juro em questão previu determinados intervalos ou barreiras como limites para a alteração das (taxas de juro e das) prestações devidas, e se a alegada alteração das circunstâncias, em resultado da crise financeira de 2008, se traduziu na ultrapassagem desses limites, convencionados pelas partes (e não noutras consequências, como a limitação da circulação de capitais, o encerramento do mercado intercambiário ou de mercados de valores mobiliários, etc.), não pode dizer-se que se tenha produzido qualquer “alteração anormal” de circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. Isto, desde logo, porque tal alteração foi especificamente prevista pelas próprias partes, ao estipularem quais as taxas que, pare efeitos do swap, seriam devidas quando fosse ultrapassada determinada barreira.»33.

32 P

AULO MOTA PINTO, «Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar», RLJ, ano 144, cit., p. 46.

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PAULO MOTA PINTO, «Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar», RLJ ano 144, cit., p. 54.

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