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6.2 – Alterações hematológicas

Variadas alterações hematológicas podem ser encontradas em animais com SDTG, relacionadas, sobretudo, com a hipotensão, a hipoxia e os seus efeitos secundários. O aumento conjunto do hematócrito e das proteínas totais é frequente e indicativo de hemoconcentração(41,45,47,61).

O hemograma poderá revelar, além da hemoconcentração, leucograma de stress inicial (leucocitose neutrofilica e linfopenia) e, com o agravar do quadro geral, leucopenia(41,45).

A trombocitopenia, também poderá ocorrer, devido ao consumo e/ou perda de plaquetas. A presença de três ou mais parâmetros de coagulação alterados, entre trombocitopenia, tempo de protrombina ou tempo de tromboplastina parcial ativada, hipofibrinogenemia, elevação da concentração dos produtos de degradação da fibrina e depleção da antitrombina, é consistente com o diagnóstico de CID(60). Num estudo desenvolvido por Millis et al. (1993), o aumento do tempo de tromboplastina parcial ativada, a elevação da concentração dos produtos de degradação da fibrina e a depleção da antitrombina III foram correlacionados com a necrose gástrica(41). Esta pode também estar associada ao aumento do lactato sérico(45).

O perfil bioquímico poderá revelar: aumento da alanina aminotransferase e bilirrubina total (devido a dano hepatocelular secundário a hipoxia e estase biliar); aumento da ureia e creatinina, revelando azotemia pré-renal (devido a desidratação) ou renal (devido a lesão renal aguda) e perda no controlo glicémico (devido ao choque). Além destas alterações, poderão estar presentes desequilíbrios eletrolíticos e ácido-base: hipocalemia e acidose metabólica (por hipoperfusão, metabolismo anaeróbico e acumulação de ácido lático) ou alcalose metabólica (por sequestro gástrico do ácido clorídrico, embora seja raro)(41,47).

Outras alterações de parâmetros bioquímicos específicos usados como indicadores de prognóstico serão abordadas posteriormente, com maior detalhe, como por exemplo o lactato, as troponinas cardíacas e a mioglobina.

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7 – Tratamento

No presente relatório, optou-se por apresentar as opções de tratamento em três fases distintas: estabilização pré-cirúrgica, maneio cirúrgico e estabilização pós-cirúrgica. Os principais procedimentos terapêuticos no maneio da SDTG são os seguintes(42):

1) Restaurar a perfusão tecidular; 2) Proceder à descompressão gástrica; 3) Anestesia para a laparotomia exploratória;

4) Correção da posição normal do estômago e descompressão adicional; 5) Ressecção/invaginação do tecido não viável;

6) Gastropexia;

7) Cuidados pós-operatórios e monitorização.

7.1 – Estabilização pré cirúrgica

7.1.1 – Fluidoterapia

A abordagem médica inicial do SDTG é direcionada à estabilização cardiovascular e hemodinâmica, ao restauro da perfusão tecidular e das pressões sanguíneas do paciente, antes da cirurgia(41,42,45,47,61). A estabilização deve ser rápida e ter como base dois principais objetivos: (1) fluidoterapia para restaurar o volume intravascular, combatendo a hipotensão/hipoperfusão e (2) descompressão gástrica para reduzir a pressão abdominal e o comprometimento do retorno venoso, causado pelo estômago dilatado(42).

A fluidoterapia inicial é administrada após a realização de pelo menos um acesso venoso, uni ou bilateral, pelas veias cefálicas ou pela veia cefálica e jugular ipsilateral(41,42,47), com cateteres de alto débito (14 ou 18 gauge)(61). Dependendo do autor, a utilização da veia safena lateral poderá ser uma opção, uma vez que os fluidos instilados chegam à circulação através do seio paravertebral(41). Contudo, deverá privilegiar-se uma veia cranial à obstrução, pelo comprometimento parcial do retorno venoso dos membros posteriores(45). O restabelecimento dos fluidos permitirá a expansão e manutenção do volume intravascular e providenciará a hidratação adequada a nível celular(47,66). Para tal, frequentemente é administrado, de forma rápida, uma solução cristaloide (solução hiper ou isotónica de NaCl ou lactato de Ringer), juntamente ou não, com uma solução coloide sintética(47) (hidroxietilamido, dextrano, poligelatinas(66,67)), para manter o volume intravascular, pelo aumento da pressão oncótica(47). O volume máximo a administrar, para um cão em choque, de um cristaloide isotónico (NaCl a 0,9% ou lactato de Ringer) é de 60 a 90 ml/kg(41,42). Este volume deverá ser administrado em bolus de 25% do volume total, o mais rápido possível. Após a administração do primeiro bolus, a pressão sanguínea/pulsos periféricos, a cor da mucosa oral, o tempo de repleção capilar e o output urinário deverão ser avaliadas. Se o animal continuar hipotenso, um bolus adicional com o mesmo volume terão de ser repetido e os parâmetros citados terão de

57 ser reavaliados, até à normalização dos mesmos(41). Caso o volume total adequado para situações de choque tenha sido administrado e o paciente continuar hipotenso, sem responder aos cristaloides isotónicos, far-se-á a administração de um coloide sintético, em bolus sucessivos de 5 ml/kg (num volume máximo de 20 ml/kg), até ser obtida resposta favorável. É importante fazer a monitorização do animal a cada bolus aplicado. A utilização deste composto ajuda a manter o volume de cristaloides injetado por tempos mais longos, no espaço vascular. Contudo, estes polímeros, causam o aumento dos tempos de tromboplastina parcial ativada e de formação do coágulo. Embora não tenha sido associado a hemorragia clinica relevante, não deve ser administrado em cães com deficiências no fator de von Willebrand, pois ao ligar-se a este, perturbará os mecanismos de coagulação(41).

Para além deste protocolo mencionado, existem outros alternativos para o restabelecimento dos fluidos e da volemia sanguínea: (1) combinação entre cristaloides isotónicos em menor dose (20-40 ml/kg), em conjunto com cristaloides hipertónicos (NaCl a 7%) num bolus de 2 a 4 ml/kg(42); (2) combinação entre soro salino hipertónico (NaCl 7%) com adição de 6% de dextrano-70, na dose de 5 ml/kg administrado entre cinco a 15 minutos, demonstra uma recuperação mais rápida e de maior duração do que com apenas NaCl 0,9%(41,47), apesar de os dextranos, à semelhança do hidroxietilamido, terem sido associados a alterações hemostáticas e da agregação plaquetária(68); (3) um estudo recente comparou o uso de um concentrado de hemoglobina bovina polimerizada acelular (Hb-200, uma solução coloide do grupo dos transportadores de oxigénio baseados em hemoglobina) com o uso de hidroxietilamido, na estabilização fluídica de paciente com SDTG. Concluiu-se que é possível atingir com maior eficácia e rapidez, as pressões sanguíneas desejáveis, com menores volumes do primeiro(68).

Recentemente, a eficácia e segurança dos coloides foi alvo de atenção considerável. A revisão de diversos estudos, comparando o uso de coloides e cristaloides em pacientes críticos humanos, que requeriam recuperação fluídica urgente, mostraram que o uso de coloides não demonstra nenhuma vantagem em reduzir o risco de morte, quando comparado com cristaloides. De facto, esta revisão afirma mesmo que os derivados de hidroxietilamido, poderão aumentar a mortalidade(66,67).

Os protocolos de restabelecimento fluídico descritos na literatura para esta síndrome, todavia, descrevem, na sua maioria, o uso de coloides como um possível auxiliar na manutenção do volume intravascular. A restrição do uso de coloides em pacientes veterinários poderá não ser justificada no momento(67). Assim, um argumento a favor do uso deste componente em pequenos animais é a falta de disponibilidade de alternativas específicas para a espécie, economicamente viáveis e naturais, quando os cristaloides não são suficientes(69).

Concluindo, atualmente, não existe consenso quanto à recomendação do uso de derivados de hidroxietilamido em medicina veterinária, após as recentes modificações em medicina humana(67,69).

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7.1.2 – Terapia inotropa e vasopressora

Se a fluidoterapia, a analgesia e as fármacos antiarrítmicos não permitirem o aumento e normalização das pressões sanguíneas, está indicado o uso de inotropos positivos e vasopressores(41). A dobutamina (5-15 µg/kg/min) e/ou a dopamina (5-10 µg/kg/min) por via endovenosa, em infusão contínua, podem ser usadas para efeito inotropo positivo(41).

A dopamina, contudo, tem um comportamento dose-dependente, em que o efeito inotropo e cronotropo positivo é percetível, sobretudo, em infusão contínua com uma taxa entre 5 a 10 µg/kg/min, ao passo que numa taxa de 10-15 µg/kg/min, o efeito predominante é a vasoconstrição. Em doses mais baixas (2 a 5 µg/kg/min), o efeito dopaminérgico predomina, privilegiando a vasodilatação mesentérica e renal(70).

A epinefrina (0,01 a 0,1 mg/kg por via endovenosa ou intramuscular) poderá ser usada em casos de hipotensão severa e paragem cardíaca, pois possui um potente efeito dose- dependente vasopressor, cronotropo positivo e inotropo positivo(70).