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ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS INCIDENTES NOS TERRENOS DE MARINHA APÓS A

Conforme exposto, os terrenos de marinha e seus acrescidos vivenciaram uma transição em que sobressaiu seu valor de troca frente ao de uso. Se, quando da sua instituição, a sua função social era inerente à sua própria destinação – defesa da costa, livre trânsito de pessoas e mercadorias, etc. – a partir da permissão de sua utilização privada, não aparecem nos mecanismos legais disposições quanto à função social da propriedade, mas somente no tocante à propriedade da União e contraprestações correspondentes.

Com a Constituição Federal de 1988, toma corpo um conjunto de princípios fundados nos direitos humanos – mesmo que com muitos percalços no caminho. A terra, ao menos em termos de princípios e diretrizes, vê-se sob nova época. E os terrenos de marinha, mais uma vez na história, não escapam do desenrolar dos fatos.

Ainda em 1988, é sancionada a lei que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC, com vistas a “orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de

sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural” (Art. 2º, Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988). Tal lei estabelece em seu Art. 3º que:

Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:

I - recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;

II - sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente;

III - monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.

Com fins de proteção ambiental da Zona Costeira, estabelecem-se limitações à propriedade situadas nesta faixa no § 2º do Art. 5º da supracitada lei:

§ 2º Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à utilização de imóveis, poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva.

Ressalte-se também o intuito de preservar as praias como bens de uso comum do povo, assegurando seu livre acesso por parte de toda a população:

Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

Uma década depois, a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998 reafirmou o livre acesso às praias e ao mar:

Art. 4 º - [...]

§ 1o Na elaboração e execução dos projetos de que trata este artigo, serão sempre respeitados a preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais e lacustres e a outras áreas de uso comum do povo.

Tal lei dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União. Dirige-se, principalmente, à gestão financeira de tais bens, adentrando superficialmente em questões de uso e ordenamento do solo.

Nesse sentido, vinculou o gozo dos imóveis da União ao interesse público e zelo pela integridade física de tais imóveis e elencou como obrigação do Poder Público zelar pela manutenção de áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e das de uso comum do povo:

Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.

[...]

§ 4o Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim.

Em seu artigo 42, estabeleceu que empreendimentos econômicos em alguma medida causadores de impactos ambientais, estão sujeitos às contrapartidas voltadas à sustentabilidade:

Art. 42. Serão reservadas, na forma do regulamento, áreas necessárias à gestão ambiental, à implantação de projetos demonstrativos de uso sustentável de recursos naturais e dos ecossistemas costeiros, de compensação por impactos ambientais,

relacionados com instalações portuárias, marinas, complexos navais e outros complexos náuticos, desenvolvimento do turismo, de atividades pesqueiras, da aqüicultura, da exploração de petróleo e gás natural, de recursos hídricos e minerais, aproveitamento de energia hidráulica e outros empreendimentos considerados de interesse nacional.

A referida lei, portanto, contemplou alguns aspectos ambientais – mesmo que de maneira esparsa – todavia, não abordou a questão fundiária em si, mesmo sendo criada em um momento de previsão constitucional da função social da propriedade e de certo acúmulo no direito comparado de normas de proteção e ordenamento das orlas, e seu usufruto por toda a população.

Percebe-se que, ao invés de buscar uma maior intervenção estatal para assegurar o atendimento ao interesse público quanto à destinação de seus imóveis, o intuito capital da lei revela-se o incremento da arrecadação estatal, sob influência das teorias do Estado Mínimo:

Art. 37. É instituído o Programa de Administração Patrimonial Imobiliária da União - PROAP, destinado ao incentivo à regularização, administração, aforamento, alienação e fiscalização de bens imóveis de domínio da União, ao incremento das receitas patrimoniais, bem como à modernização e informatização dos métodos e processos inerentes à Secretaria do Patrimônio da União. Art. 38. No desenvolvimento do PROAP, a SPU priorizará ações no sentido de desobrigar-se de tarefas operacionais, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante convênio com outros órgãos públicos federais, estaduais e municipais e contrato com a iniciativa privada, ressalvadas as atividades típicas de Estado e resguardados os ditames do interesse público e as conveniências da segurança nacional.

4.6 AVANÇOS VOLTADOS AO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL EM