• Nenhum resultado encontrado

Ambientalismos e cooperação com a Natureza

“Só a Natureza é Divina, e Ela não é Divina... Só a natureza é divina, e ela não é divina... Se falo dela como de um ente

É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens

Que dá personalidade às coisas, E impõe nome às coisas.

Mas as coisas não têm nome nem personalidade: Existem, e o céu é grande a terra larga,

E o nosso coração do tamanho de um punho fechado... Bendito seja eu por tudo quanto sei.

Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol”.

Alberto Caeiro em "O Guardador de Rebanhos - Poema XXVII" Heterónimo de Fernando Pessoa

“Pessoal, assim não dá, estamos a destruir tudo, a consumir tudo à nossa volta”, dizia Y. convictamente durante umas sessões do curso de Permacultura, acrescentando que era possível e estava nas nossas mãos “cuidar de todos os seres vivos e não vivos para que eles possam continuar a existir no futuro”. Após apresentar o conceito de permacultura e alguns dos seus princípios termina antes do intervalo sublinhando a ideia “Age localmente pensa globalmente!!!”. No projeto Agroecológico do Soajo, os problemas ambientais e a procura de um modo de vida mais autêntico e conectado com a Natureza e os seus ciclos agiu como força motriz para as pequenas e grandes mudanças que estes jovens permacultores promoveram nas suas vidas e que tentam promover nas suas comunidades e redes de contacto.

Em Tamera, por sua vez, apesar de as narrativas serem bastante mais profundas, e as causas e motivações para a destruição ambiental serem procuradas nos conflitos internos e psicológicos e traumas históricos do ser humano (que se traduzem do nível micro para o macro), a Natureza também surge como dimensão central na transição para uma sociedade mais justa, resiliente e sustentável. “A Natureza foi interrompida nos seus

70 processos de balanço ecológico, principalmente por causa da violência e medo que interrompem a cooperação entre as suas criaturas” (Duhm, 2007: 43).

“O stress da Terra não se deve simplesmente aos danos diretos infligidos nos seus sistemas circulatórios: os de água, matéria, informação e energia. Num grau ainda mais elevado ele consiste no sofrimento que os humanos causam uns aos outros e as suas co- criaturas. Existe uma conexão íntima entre as catástrofes humanas e as catástrofes naturais” (Duhm, 2007: 45).

Esta ênfase no cuidado e proteção da natureza é fácil de perceber quando se está fisicamente em Tamera ou no projeto Agroecológico do Soajo. Em Tamera, quando insistem que nos chuveiros devemos poupar água e só podemos utilizar champôs e sabões biológicos e biodegradáveis para permitir o trabalho de tratamento de águas natural (à base de plantas), ou quando ouvimos Bernd Muller (residente em Tamera, especialista em água e diretor do Instituto para a Ecologia Global) descreve as respostas/modelos que desenharam para responder às crises ecológicas, percebemos que em termos de visão e de práticas individuais e comunitárias quotidianas há um sério enfoque na proteção ambiental. O mesmo se percebe no Soajo, quando a J. nos diz que as fraldas são de degradação extremamente lenta, que um bebé necessita de uma média de 6000 fraldas, e que por isso os seus filhos só usaram fraldas reutilizáveis (de algodão), ou ainda quando Y. refere que, se pensássemos bem na quantidade de água que deitamos ao lixo diariamente (através da sanita, lavatórios), todos optaríamos por usar casas de banho de compostagem.

Após uma discussão mais aprofundada sobre utopias e ecotopias, senti necessidade de aprofundar a minha análise da dimensão ambiental, à luz das perspetivas de antropologia ambiental e ecológica, mas também das perspetivas que inspiram e guiam estes dois projetos nas suas experimentações e construções culturais. Adianto também que estas duas comunidades não colocam a dimensão ambiental á frente do seu bem-estar e saúde, muito pelo contrário, através do que designam por cooperação com a natureza, tentam conciliar o cuidado e proteção ambiental com o seu bem-estar e qualidade de vida. Consideram ainda, que o seu projeto de vida se constitui como um projeto para o futuro, uma forma de proteger os ecossistemas, mas também o futuro das próximas gerações humanas: por isso é centrado na manutenção da vitalidade da natureza, mas igualmente centrado na manutenção da humanidade (que consideram ser duas faces da mesma moeda). Apesar de a decisão de constituir comunidade e de viver alternativamente, implicar a aquisição de um estilo de vida mais verde, há também uma procura intencional

71 por um projeto de vida que se considera mais autêntico e satisfatório, e que, portanto, permite alcançar maiores níveis de bem-estar subjetivo. Retomarei esta mesma discussão no capítulo V, dedicado à mudança intencional de estilos de vida.

1 - Ambiente: uma causa global vivida localmente

“O ambiente está a tornar-se a questão política da nossa era em que têm vindo a emergir novas formas de moralidade, sociabilidade e governança” (Leach e Fairhead, 2012: 275). Neste sentido, “mais do que nunca, as interações recíprocas entre sociedade e ambiente requerem pesquisa e reflexão, pelo que os antropólogos podem traçar novos caminhos produtivos numa nova norma” (ibid).

Como já referi, a dimensão ambiental é fortemente enfatizada nas comunidades intencionais e movimentos de permacultura. À semelhança do que acontece em outros movimentos ambientalistas, a dimensão ambiental não é tratada isoladamente mas surge relacionada e articulada a dimensões políticas e económicas, ligadas á produtividade e ao consumo. Nesse sentido, não é de estranhar que o discurso sobre o ambiente não se restrinja apenas a questões técnicas, mas se expanda a questões morais que moldam as narrativas e as práticas acerca do que é ser ambientalmente sustentável (Leach e Fairhead, 2012).

Atualmente, as preocupações ambientais são proeminentes em debates sobre o desenvolvimento global e futuro, tanto em círculos políticos formais internacionais como entre as populações. Esta ênfase deve-se à globalização do discurso ambiental, acelerado pelo fluxo de informação, conferências internacionais, media e tecnologias de informação (Leach and Fairhead, 2002), mas também pela crescente manifestação de problemas relacionados com a exploração ambiental e os contínuos alertas de parte da comunidade científica. Devido a alguns destes alertas científicos, as agendas internacionais estão a ser definidas para incluírem problemas como a desertificação, a desflorestação, a perda de biodiversidade, efeito de estufa pela emissão de gases poluentes e mudanças climatéricas (ibid). Este interesse pelas questões ambientais institucionalizou-se e intencionalizou-se a partir do fim dos anos 60, início dos anos 70 pelo que desde aí se multiplicaram os relatórios, cimeiras, conferências, campanhas, etc. que visavam chamar a atenção dos políticos, do tecido empresarial e das pessoas de uma forma geral, para a importância de valorizar e preservar o meio ambiente. Estas preocupações motivaram também a definição do conceito “desenvolvimento sustentável” pela Comissão Brutland, como uma forma de comprometer os países e empresas para a importância de incluírem a dimensão

72 ambiental nos seus planos de negócios e ética empresarial. Neste contexto, o desenvolvimento sustentável dizia respeito à manutenção da qualidade de vida e bem- estar das gerações contemporâneas de uma forma que não comprometesse o mesmo para as gerações futuras. Apesar da sua boa intenção, este conceito acabou por apenas privilegiar as grandes empresas, cujo lucro lhes permitia obter as certificações através da doação de dinheiro a causas (mesmo mantendo os seus padrões de insustentabilidade). Por outro lado, foi sendo apropriada pelo dito marketing verde favorecendo a emergência de nichos de mercado eco-chic, apenas acessíveis a quem tivesse maior poder de compra e, consequentemente, reproduzindo as relações de poder (Vale Pires, 2012). Adicionalmente, o conceito de sustentabilidade acaba por interferir com a produtividade corporativa, quer porque implica um grande investimento em tecnologia com menor impacto ambiental, quer porque, em termos de consumo, muitas vezes tem subjacentes princípios como a redução e a reutilização (e não apenas reciclagem) que não são interessantes em termos de rentabilidade. Um exemplo paradigmático da incompatibilidade entre produção e a sustentabilidade é Portugal, visto que a crise levou à diminuição da industrialização, que diminuiu a emissão de gases para a atmosfera o que lhe permitiu cumprir as metas estabelecidas pelo Protocolo de Quioto (ibid).

O debate ambiental adotou uma perspetiva global porque, para além de ser uma ameaça global, os problemas ambientais têm origens e impactos locais, e aqui verifica- se, novamente, a reprodução das relações de poder, porque são as populações mais vulneráveis que acabam por sofrer as consequências da degradação ambiental (Leach e Fairhead, 2002). Por esse motivo, alguns problemas identificados (p.e. degradação ambiental nos Himalaias, desflorestação nas florestas da África ocidental) têm justificado intervenções governamentais. Estas intervenções são quase sempre justificadas por perspetivas científicas que de forma rígida, objetiva e linear, apontam uma dada causa para determinado facto ambiental, ou justificam acriticamente determinado facto como degradação ou colapso ambiental (p.e. a erosão dos Himalaias). Esta análise estritamente científica negligencia o conhecimento empírico, acumulado ao longo das várias gerações pelas populações locais. Frazão-Moreira (2015) refere que o “conhecimento ecológico tradicional” diz respeito à interpretação e compreensão das formas locais de gestão e tratamento dos recursos naturais (animais, plantas, solos, clima, água...). Este conhecimento não é rígido nem cristalizado, pelo que, face a mudanças, as pessoas e comunidades têm a capacidade de se adaptar de forma criativa e estabelecer diferentes sentimentos pelo mundo.De acordo com Leach e Fairhead (2002), muitas vezes os locais

73 podem interpretar uma mudança ambiental não como degradação ou crise causada pelas suas práticas, e podem até identificar vantagens na alteração que os cientistas identificam como problemática (neste caso, a utilização dos terrenos nos vales fertilizados dos Himalaias). Por esse motivo, é importante questionar o conhecimento científico que conceptualiza, de forma rígida, os problemas ambientais como preocupações globais, partilhadas, objetivas e neutras. De acordo com os autores (ibid), as visões sobre a mudança ambiental que dominam os debates políticos são perspetivas culturais particulares. Tanto as perspetivas de quem usa a terra, como a das ciências e dos movimentos ambientais populares são culturais: estão enraizados na experiência de processos ecológicos, incorporam ideias, crenças e valores particulares em relação ao ambiente e usam os seus próprios conceitos, vocabulários e teorias de causa-efeito. Neste sentido, noções científicas como desertificação e desflorestação, e a perceção de que estas ocorrem em determinados locais devido a determinadas causas, não tem evidência per se e podem dar aso a falsas interpretações ou conclusões pois é necessário descrever todo o problema e abarcar todas as perspetivas. Por outro lado, por vezes as políticas delineadas com base em conhecimentos científicos, são usadas como forma de controlo da terra de “outros” em nome da proteção do património ecológico, ou tendem a adotar tecnologias generalizadas a contextos locais diversificados, onde não se adaptam às características ou necessidades locais nem trazem real benefício. Muitas vezes argumenta-se que as sociedades não-industriais possuem “uma sabedoria ecológica primitiva” o que poderia oferecer indicadores em direção a formas de vida mais sustentáveis no futuro, ou que conhecimentos indígenas específicos a respeito da terra, plantas, animais, etc. oferecem recursos vitais para esforços para desenvolver sistemas de produção de comida sustentável, conservar a biodiversidade (Leach e Fairhead, 2002). Esta perspetiva é muitas vezes correta, porque afinal tratam-se de comunidades que interagem com um território em específico e seus ecossistemas há várias gerações, acumulando conhecimento e aprendendo por tentativa e erro.

“A recolha do conhecimento ecológico tradicional das populações locais permitirá compor uma base de conhecimento que facilitará o diálogo dos conservacionistas e das instituições formais com as referidas populações locais, nos diferentes contextos, que permitirá planear planos de educação ambiental mais adequados à realidade local, e ajudará a construir projetos de conservação em harmonia e cooperação direta com as populações locais” (Sousa e Frazão-Moreira, 2010:198). Contudo se exacerbadas, estas perspetivas podem também ser problemáticas ao reproduzirem relações de poder que promovem determinadas formas de organização (p.e.

74 reservas naturais para povos indígenas ou centros para preservar e gravar o seu conhecimento) que consideram o conhecimento tradicional associado a certas culturas como estático, ignorando a diversidade intracultural e transcultural e o seu dinamismo (ibid). Tendo em conta o descrito, considero que o conhecimento científico foi e continua a ser uma importante dimensão das sociedades modernas por contribuir para pensar, planear e solucionar problemas societais diversos. No entanto, considero também que as várias ciências devem dialogar de forma a construir um referencial de análise que integre as várias dimensões dos fenómenos em estudo. De forma a evitar interpretações e intervenções universais que possam ser desadaptadas a determinado território ou grupos de pessoas, a ciência deve também ampliar os seus esforços para triangular as evidências científicas com evidências de base comunitária, integrando as idiossincrasias territoriais e as perspetivas singulares das pessoas que lá habitam. A este nível, a antropologia pode dar importantes contributos para este diálogo.

Adicionalmente, Lins Ribeiro (2005) argumenta que se deve substituir uma antropologia hegemónica monológica por uma antropologia heteroglóssica, com o objetivo de pluralizar as várias visões numa conjuntura em que prevalece a hegemonia dos discursos anglo-saxónicos sobre a diferença. Por esse motivo, é necessário reforçar o a investigação centrada na relação entre ciência, política e movimentos ambientais nas culturas populares, bem como abraçar uma perspetiva pluralista que faça ouvir as vozes das diversas perspetivas e conhecimentos locais. O “outro” deve ser reconhecido como interlocutor, pelo que dar-lhe voz diz respeito não apenas a falar dele, mas também a falar com ele, valorizando-o enquanto conhecedor (Fabien, 2006). Neste sentido, o desafio das agendas globais é incorporar a forma como a cultura é usada, compreendida e definida, mas também as aproximações à governância ambiental e processos de desenvolvimento (Leach e Fairhead, 2002). Esta perspetiva, mais equilibrada e comparativa, propõe que se considere a diversidade cultural, pelo que a Antropologia pode aqui assumir um papel relevante. “Um antropólogo, levantando o tapete da variação cultural humana, é como um visitante numa galeria de arte – “um observador de pontos de vista” (Ingold, 2002: 15).

Finalmente, e de acordo com Mathisen (2001), a grande crítica dos movimentos verdes é que as boas práticas ambientais (redução do consumo, maior contacto com a natureza e redução dos danos infligidos sobre ela) se têm expressado maioritariamente por pessoas e grupos que tentam viver de forma diferente, e não através de políticas governamentais e agendas de partidos políticos. Partindo do ponto de vista verde, é fácil e deprimente aceitar que a dimensão ambiental tem sido recorrentemente discriminada

75 por políticos, e os votos não parecem agir em nome do bem comum das futuras gerações. Nesse sentido, para analisar possíveis processos de transição para um futuro mais verde e sustentável, ou o que é que implica essa transição, torna-se pertinente olhar para aquelas pessoas e movimentos que já se encontram nesse processo. As comunidades intencionais e projetos de permacultura já começaram a percorrer este caminho, e por esse motivo são ótimos “laboratórios” para analisar esses processos de mudança e transição.

Nesta dissertação, apresento as perspetivas culturais de Tamera e do projeto Agroecológico do Soajo sobre a natureza e seus ecossistemas e a relação humano- natureza. Ambos os projetos apresentam crenças semelhantes, no entanto, e como argumentarei ainda neste capítulo, é nas práticas e prioridades que se diferenciam.

2 - A importância da Antropologia – ambiente e cultura

Alguns estudos antropológicos demonstram a existência de uma diversidade cultural que não é abarcada pelas aspirações globalizadas. Por um lado, muitas vezes as agendas globais revelam as prioridades de quem está no poder, outras vezes baseiam-se unicamente na visão científica menosprezando o conhecimento empírico dos locais. Neste sentido a antropologia assume um papel bastante importante ao destacar a significância das relações sociais e cultura na mediação das relações humano – ambiente, isto é, de que forma a cultura tem vindo a ser incorporada no debate ambiental. Assim, a antropologia explora casos locais no qual os ambientalismos são produzidos e sentidos, e casos em que formas tradicionais de conhecimento e organização foram bem-sucedidos na contribuição para a sustentabilidade ambiental em muitas localidades. A Antropologia contemporânea também examina o carácter multifacetado do ambientalismo no ocidente e a sua constituição tanto em culturas populares específicas como nas políticas institucionais. Este contributo é bastante interessante sob o ponto de vista do meu projeto, por apresentar a perspetiva de movimentos de alter-globalização que “tomam nas mãos” a responsabilidade pela construção de estilos de vida e modelos de sociedade mais justos e sustentáveis em termos ambientais, que podem ser comparados e constratados com a agenda ambiental político-institucional (hegemónica). No entanto, é importante sublinhar que tanto em Tamera como no projeto Agroecológico do Soajo se pretendem construir modelos de vida, e modelos de relação homem-natureza que possam assumir-se como boas-prática ambientais e de sustentabilidade e por isso possam inspirar outros cidadãos, decisores políticos e outros atores governamentais e supragovernamentais.

76 De acordo com Ingold (2002) a antropologia enfatiza um relativismo percetual, isto é, as pessoas de diferentes backgrounds culturais percebem a realidade de formas diferentes pois processam os mesmos dados da experiência em termos de enquadramento de crenças, distanciando-se assim das epistemologias fundadas no conceito cognitivista de "representação".

Na visão iluminista do Ocidente, o ambiente é visto como sendo portador de um valor instrumental e utilitário para o ser humano, como matéria-prima, sujeito a controlo pela sociedade e tecnologia. Neste sentido, há um corte/divisão entre cultura ou sociedade e ambiente. Contudo, esta visão acerca do meio ambiente não é única e universal. Muita pesquisa antropológica demonstra que há formas culturalmente diversas e criativas através das quais as pessoas interagem com os seus meios ambientes (Leach e Fairhead, 2002). YB considera que

“(…) a árvore tem valor intrínseco, é valiosa para nós, não somente pela madeira ou pelos frutos. Mas porque está viva e realiza um trabalho importantíssimo para a continuidade da vida no Planeta. Assim, também têm valor a água, os animais, o solo e toda a complexidade de relações entre organismos vivos e minerais existentes na Terra”. E é por esse motivo, e baseado nessa crença que no seu terreno aplica um conjunto de medidas que lhe permitem simultaneamente obter meios para a sua subsistência e cuidar dos ecossistemas preexistentes.

FT (portuguesa, 51 anos, residente em Tamera há 10 anos onde integra a Aldeia da Luz e Regional Food Network) refere que

“(…) muitas más políticas têm vindo a ser implementadas em Portugal, por exemplo choca-me que anualmente aconteçam dezenas de incêndios e mesmo assim se mantenha a estratégia de reflorestação pelo eucalipto, claro para alimentar o lobby da celulose (…) Aqui reflorestamos também, mas com árvores de fruto que estejam adaptadas a este solo e condições climatéricas, e com árvores que são daqui, que são do Alentejo, de Portugal, como é o caso dos carvalhos, claro do Sobreiro (…) em Tamera procuramos incentivar e desenvolver um outro tipo de consciência ambiental, um em que as pessoas se responsabilizem por manter o meio ambiente. Esse é um trabalho que levamos mesmo muito a sério e que começa por entendermos, finalmente vermos, que somos também seres da natureza (…)”.

Em Tamera FT procura estabelecer e ativar redes e contactos com as populações locais, para obterem produtos alimentares e outros, produzidos de forma sustentável para a subsistência da comunidade, mas também integrando e promovendo projetos que procuram resgatar sementes tradicionais adaptadas ás características do solo e da dieta

77 tradicional daquela região (p.e. o projeto Sementes Livres e Colher para semear). A este respeito acrescenta

“(…) o lobby das sementes é perigoso, faz com que muitas sementes de elevado valor nutricional tanto para o homem como para a terra desapareçam, só para semear e vender algumas, que dão os legumes mais bonitos, que são produzidas mais rapidamente e que dependem do uso de pesticidas e produtos agroquímicos (…) nós não queremos isso, a questão das sementes é básica e revolucionária, dá poder ás gentes e autonomia no tratamento das suas terras e da sua alimentação… aqui procuramos semear e propagar as sementes tradicionais, primeiro preparamos hortas de sementes, e depois de estas sementes perceberem o nosso solo passá-las para as outras hortas para produzir a nossa comida.”

As conceções das pessoas sobre a sua ecologia estão embebidas num conjunto maior de ideias e crenças – formas de pensar e compreender o mundo (Leach e Fairhead, 2002). Em Tamera e no Projeto Agroecológico do Soajo a construção de um projeto ambiental só faz sentido se simultaneamente se trabalharem as relações entre os homens, e se humanizarem a política e a economia, e simultaneamente exige mudanças nas organizações sociais (comunidade, região) e mudanças radicais nos estilos de vida num

Documentos relacionados