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Mapa 5 – Os 15 maiores orçamentos de defesa em 2018 (US$ bilhões)

2.5 Ambiente aeroespacial: dimensão teórica e empírica

O objeto dos estudos geográficos tem sido um ponto de discussão continuada entre os geógrafos. As correntes da geografia física e da geografia humana expressam de forma muito clara essa questão. Também é evidente esse debate quando se fala das abordagens entre as correntes determinista e possibilista. Moreira (2012) sugere que está em Immanuel Kant a

origem dessa ambivalência, quando o filósofo alemão propôs o conceito crítico da natureza e o do homem, o que levaria à própria percepção do objeto.

Outro autor que dissecou esse problema foi Moraes (2005), por meio da pergunta fundamental “o que é geografia?”. A existência de uma resposta objetiva para essa questão indicaria a possibilidade de identificação do objeto dessa ciência. De fato, o autor aponta diversas perspectivas históricas que vão desde a ideia da descrição física da superfície terrestre, passam pelo conceito de ciência-síntese e percorrem caminhos variados como elementos integrantes da paisagem, fenômenos, áreas, lugares, individualidade e diferenciação, assim como das relações sociedade - natureza (MORAES, 2005). Observadas essas definições, o objeto da geografia seria algo ubíquo e extenso.

A questão central deste Capítulo lidou com essa problemática. Na verdade, o objetivo foi chegar à caracterização do objeto da pesquisa em termos geográficos. A mudança de perspectiva no olhar geográfico, da visão bidimensional para o volume, procurou, pelo menos em parte, esclarecer a ambiguidade apontada, fornecendo elementos essenciais de elucidação118. Eric Dardel (2011) já havia apontado para a importância do espaço aéreo (e por extensão, do espaço exterior, que juntos formam o ambiente aeroespacial), e entendemos ser importante repetir a citação, quando discutiu sobre situação e localização. Para ele, o espaço geográfico tem espessura, profundidade, por onde transitam substâncias, considerando que “a atmosfera também é espaço geográfico” ou que “O espaço aéreo é também uma matéria que nos dá a sensação imediata de sua presença” (DARDEL, 2011, p. 25 e 26)119. Carl Sagan (1985, p. 24) apontou que “99% da atmosfera da Terra são de origem biológica [, ou seja,] o céu é feito de vida”120.

118 Mesmo a introdução da aerofotogrametria na Geografia, permitindo uma visualização estereoscópica, não foi suficiente para superar essa visão de superfície, atrelada à largura, comprimento e altura de objetos, porém sem ainda considerar o volume.

119 Lebon (1976, p. 32) destaca a importância da atmosfera, o invólucro terrestre, nas relações da geografia física e humana, afirmando que a atmosfera dá um sentido de integração à Terra e que “Todos os aspectos das características da terra têm a propriedade da extensão sobre a superfície, ou, alternadamente, são geográficos”. Já destacamos anteriormente que, em “Metamorfoses do Espaço Habitado”, Milton Santos (1997, p. 44) alertou para aquilo que denominou “situação-limite” do planeta Terra, que teria entrado “em processo destrutivo irreversível, além do qual a espécie humana” estaria ameaçada. De fato, ao observarmos diagnósticos sobre as alterações climáticas no planeta, mormente representadas em fenômenos como o aquecimento global, o derretimento de calotas polares, a chuva ácida, o efeito estufa, a elevação do nível dos mares e a desertificação, surgem preocupações na dimensão daquelas alertadas pelo geógrafo brasileiro. Assim, podemos concluir o quão importante é o estudo da atmosfera, do espaço aéreo, no contexto da geopolítica.

120 Apenas para se ter uma ideia dessa afirmação, as nuvens, na verdade, não são formadas apenas por vapor d’água. Elas são ecossistemas, onde se pode observar “grandes quantidades de componentes biológicos como bactérias e moléculas associadas à vida microbiológica” (HOOPER, 2014). Segundo Parry (2013), “organismos podem viver a mais de 50Km acima da superfície terrestre, em uma zona atmosférica conhecida como estratopausa”.

Para alcançar esse objetivo, a pesquisa se debruçou em formular um esquema representativo do objeto caracterizado. O esquema busca compreender o ambiente aeroespacial a partir de uma visão de integração, de conjugação, ou seja, a dimensão espacial de uma realidade. O ponto de partida desse esboço foi sugerido por Barros (2017, p. 77), ao propor uma esquematização de um sistema espacial, inspirado em Milton Santos, a quem atribui um “novo aporte à apreensão do espaço como combinação de objetos e ações”121.

Porém, a teoria formulada por Milton Santos não é suficiente para explicar o modo como se concebeu geograficamente o objeto. Além da questão dos fenômenos naturais, que já foi apontada como um fator limitador, também a ênfase maior no objeto social, segundo propõe aquele autor, precisa ser explicitada. O ambiente aeroespacial ainda é, em grande parte, um espaço inexplorado onde predominam elementos e fenômenos naturais. Dessa forma, a visão de uma geografia física, que Milton Santos coloca em segundo plano, ressalta de grande importância no ambiente aeroespacial. Ela será definidora, por exemplo, dos espaços aéreos de soberania sobrejacentes aos territórios dos Estados; da questão ambiental que hoje já é tratada na emissão de gases poluentes das turbinas dos aviões122; do limitado número de órbitas geoestacionárias; do acesso aos pontos de calibração; ou da exploração de recursos naturais em corpos celestes. Tal preocupação também foi apontada por Roberto L. Corrêa, quando discutiu redes geográficas, citando que:

A espacialidade, que qualifica uma rede social em termos geográficos, não distingue, no entanto, a rede geográfica de outras redes que se apresentam espacializadas. Assim, uma rede fluvial, constituída de nós ou confluências, e fluxos ou cursos de água, apresenta-se espacializada, originando uma bacia hidrográfica. Contudo, como pura rede fluvial, regulada por leis naturais constitui rede da natureza, espacializada, mas não social, sem a presença humana (CORRÊA, 2012, p. 202).

O exemplo do autor permite uma explicação. Um rio, enquanto elemento natural de um determinado espaço geográfico, possui uma função geográfica definida. Esta pode ser a de compor uma bacia, recebendo afluentes, a de prover umidade para o ecossistema em um ciclo

121 Não se pode deixar de recordar a contribuição de Hirst (2008) e Schmitt e Gollnick (2016) quando apontam para um sistema de transporte aéreo.

122 Segundo Nancy Young, “As companhias aéreas são responsáveis pela emissão de 2% dos gases que afetam o efeito estufa e uma das grandes preocupações do setor comercial da aviação é o desenvolvimento de combustíveis com menor potencial poluente” (AVIATION WEEK, 2020). Em 2009, segundo Linnea Ahlgren (2020), houve um acordo no âmbito da indústria de aviação sobre um “plano para reduzir em 50% a emissão de CO2 pelos aviões até 2050, relativamente aos níveis de emissão de 2005”. Apenas para se colocar em perspectiva, um voo entre Londres e São Francisco emite 1 tonelada de CO2, o que equivale a um veículo a diesel funcionando ininterruptamente em um trajeto de aproximadamente 6.000Km (ASH, 2020b). O artigo de Lo et al. (2014) analisa os impactos do nós de empresas aéreas (também conhecidos como hub de aviação, aeroportos nos quais se concentram grandes quantidades de voos de uma mesma empresa) nas emissões de CO2. No caso do espaço exterior uma grande preocupação é o lixo espacial derivado dos objetos artificiais produzidos pelo homem. Além da preocupação com a poluição proveniente de gases CO2, há também uma crescente busca pela redução nos níveis de ruído das turbinas que ocasionam poluição sonora nas áreas urbanas próximas à aeroportos.

hidrológico, ou mesmo a de permitir que determinada área seja irrigada e que, com isso, seja fértil. Essas funções não são isoladas do contexto de um espaço geográfico. Podem, inclusive, influir na modificação de paisagens123 (uma enchente devido a altos índices pluviométricos) ou mesmo configurar regiões geográficas (por exemplo, a Mesopotâmia).

Às funções físicas de um elemento natural, no caso o rio, agregam-se as funções sociais124. Exatamente ao afirmar que “hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados ao solo” (SANTOS, 2014, p. 62), Milton Santos percebe todo objeto natural como um objeto social, pois o que não foi transformado pela ação do homem, não foi porque este ainda não o quis. Na verdade, quando investigamos o objeto da pesquisa percebemos a limitação dessa percepção. Como um espaço apenas inicialmente a ser explorado, em especial o segmento do espaço exterior, o ambiente aeroespacial é sim um conjunto de objetos e relações, mas a relevância de um ou de outro não está na mesma medida que pressupõe um humanismo autônomo, nem tampouco uma fisiografia exclusiva. A virtude desse ambiente está, justamente, no relacional, cujo significado geopolítico é capaz de abranger o todo numa estrutura de pensamento coerente.

Como forma de expressar essa dualidade complementar, os elementos físicos e as relações que eles propiciam, o Capítulo se encerra com um esforço de síntese que acreditamos estar representado no esquema da Figura 18, cujo propósito também foi incorporar as perspectivas teórica e empírica do ambiente aeroespacial.

123 Christofoletti (1980, p. 102) destaca que o estudo de uma rede hidrográfica “pode levar à compreensão e à elucidação de numerosas questões geomorfológicas, pois os cursos de água constituem processo morfogenético dos mais ativos na estruturação da paisagem”.

124 Aqui, mais uma vez, podemos recorrer a Ratzel (1892) e às Leis do Crescimento Espacial dos Estados, em especial naquilo que discute nas leis de número 2, 3 e 5.

Figura 18 – Dimensão Empírica e Teórica do Ambiente Aeroespacial

Fonte: o Autor, 2019. Legenda:

Setas Contínuas de Duplo Sentido: representam o movimento de ida/vinda dos fluxos.

Setas Pontilhadas Unidirecionais: representam a forma como se dispõe o conjunto de objetos naturais e artificiais.

Setas Tracejadas Unidirecionais: representam a função de aplicação dos objetos naturais e artificiais. Setas de Pontos e Traços: representam a interferência dos fenômenos naturais nos objetos naturais e artificiais.

Em um sentido geográfico, o esquema acima expressa a dimensão espacial da realidade atinente ao ambiente aeroespacial. Trata-se de pensar o espaço geográfico (e em particular o objeto de estudo) não apenas como substrato, no sentido meramente geométrico, mas também em uma perspectiva relacional. Os elementos incluídos nessa figura constituem- se em uma estrutura que inter-relaciona formas (os fixos geográficos constituídos pelos objetos naturais e artificiais), funções (exercidas por esses fixos, tanto funções físicas como relacionais) e processos (que se evidenciam pelo percurso dos fluxos entre os fixos). Portanto, a forma dispõe, a função se aplica e o processo proporciona o fluxo. Além desses elementos, os fenômenos naturais interferem nos objetos, consequentemente, interagem com a estrutura. Uma das diversas possíveis leituras práticas do construto poderia ser exemplificada da seguinte maneira: o ambiente aeroespacial (estrutura) possui aeroportos e elementos topográficos associados (forma), cujas possibilidades comerciais (função) se evidenciam por meio do

transporte aéreo de passageiros entre aeroportos (processo), sofrendo influências naturais como os efeitos meteorológicos (fenômenos).

Tentar sintetizar o conjunto integrado do ambiente aeroespacial em esquemas não é um trabalho trivial. Na verdade, representar uma nova dimensão geográfica não é tarefa simples. Entendemos que os versos da obra de Camões lidaram com essa dificuldade ao exprimir as explorações portuguesas do século XV e XVI. Contudo, se pudermos eleger versos que sintetizam a tarefa que se desenvolveu nessa primeira etapa da Tese, voltamos nossa atenção àqueles apresentados na epígrafe deste Capítulo. Compreendemos que eles deixam claros dois aspectos importantes dos Lusíadas: a exploração de novas terras e o viés militar da empreitada. Para destacar o primeiro ponto, referenciamos nossa argumentação com as palavras de Mark (2003, p. 143) quando literalmente citou que “os humanos provavelmente irão morar na Lua, e nela estabelecerão uma presença permanente que abre perspectivas científicas ainda difíceis de prever”. No século de Camões, afirmações semelhantes a essas, porém relacionadas a outro contexto geográfico, foram ridicularizadas, contudo a história demonstrou o quão estavam corretas.

No segundo aspecto, pareceu-nos adequado recorrer a Lacoste (2012, p. 134), quando o mesmo esclarece que “A geografia tem por objeto as práticas sociais (políticas, militares, econômicas, ideológicas...) em relação ao espaço terrestre”. Se, com certa ousadia, substituirmos na frase do autor francês o vocábulo espaço terrestre por ambiente aeroespacial, abre-se o objetivo do próximo Capítulo. Nele, o foco geopolítico de contextualização do objeto da pesquisa surgirá como um complemento ao esforço analítico de embasamento geográfico que ora se encerra.

Antes de se prosseguir, porém, julgou-se oportuno recorrer a uma citação de Milton Santos, que em nosso ponto de vista é ideal para a transição da caracterização para a geopolitização do objeto de estudo. Segundo o autor (1997, p. 44), “O exame do que significa, em nossos dias, o espaço habitado, deixa entrever, claramente, que atingimos uma situação- limite, além da qual o processo destrutivo da espécie humana pode tornar-se irreversível”. Nesse sentido, o que se pretende revelar é até que ponto o ambiente aeroespacial, espaço de objetos e relações mediadas pelo homem, transforma-se em uma alternativa para os estudos geográficos, consequentemente, um espaço geopolítico por natureza.

3 GEOPOLITIZAÇÃO DO AMBIENTE AEROESPACIAL

Que beleza. Eu vi nuvens e suas sombras claras na querida distante Terra… A água parecia manchas escuras e levemente brilhantes… Quando olhei o horizonte, vi o abrupto contraste na transição entre a colorida superfície terrestre e o céu absolutamente escuro. Desfrutei o rico espectro de cores da Terra. Ela é cercada de uma auréola azul clara que gradualmente se escurece, tornando-se turquesa, azul escuro, violeta e finalmente um preto como carvão. Yuri Gagarin125

Em 12 de abril de 1961 o cosmonauta soviético Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano a chegar ao espaço exterior. Ao realizar apenas uma órbita ao redor da Terra, na espaçonave Vostok 1, que atingiu o apogeu de 327km, Gagarin adquiriu, de forma inédita, uma nova perspectiva sobre a geografia terrestre, como bem ilustram suas palavras de júbilo citadas na epígrafe. Em um voo de menos de duas horas de duração, quase encerrado em tragédia devido a problemas na reentrada na atmosfera terrestre, realizou um feito sem precedentes na história humana, catalisador de um fenômeno que vinha se configurando na Idade Contemporânea: a disputa geopolítica pelo domínio da terceira dimensão.

Na verdade, essa competição pelo acesso ao ambiente aeroespacial, acelerada pelo feito do cosmonauta soviético, foi apenas mais um episódio em uma ambição antiga da humanidade. No Ocidente, a mitologia grega já tratava dessa ambição, como ilustra a lenda do voo de Ícaro (Figura 19). Desafiando as recomendações de seu pai, e fatalmente sofrendo as consequências, Ícaro subiu cada vez mais alto em direção ao Sol, o que ocasionou o derretimento da cera que colava as penas de suas asas (DALY, 2004)126.

125 Yuri Alekseyevich Gagarin (1934–1968), nasceu em Klushino, uma pequena vila nas redondezas de Smolensk, cidade a Oeste da capital Moscou. Filho de camponeses, ingressou na Força Aérea Soviética, de onde prosseguiu para o treinamento de cosmonauta. Faleceu em um acidente aeronáutico quando seu avião colidiu com o solo (NAGEL, 2005). A citação de Gagarin encontra-se em exibição no New Mexico Museum of Space History (Museu

de História Espacial do Novo México), e disponível em

http://www.nmspacemuseum.org/halloffame/detail.php?id=8, acesso em 03/05/2019. Berta Becker (2007) faz referência a outra marcante frase de Gagarin que teria reconhecido, do espaço exterior, a Terra como sendo azul. 126 Na mitologia hebraica do livro de Gênesis, e que encontra equivalente numa história sumeriana, a Torre de Babel, simboliza as ambições do homem de conquistar o lugar de Deus. Temos ainda Pégasus, o “Cavalo Alado”,

Grifo, entidade com asas de águia e corpo de leão e a Hárpia, um ser meio humano meio ave. E na mitologia

Figura 19 – O Voo de Ícaro, por Jacob Peter Gowy

Fonte: WIKIMEDIA, 2019.

Apesar da rica mitologia que inundava os sonhos da humanidade, o objetivo de "alcançar os céus" somente se transformaria em realidade, levando os homens a conquistar efetivamente a terceira dimensão, entre o final do século XVIII e o início do século XX. Muito tempo depois da valorização política das terras e mares, o ambiente geográfico atmosférico seria o ponto de partida de uma nova dimensão geopolítica.

Com efeito, os aeróstatos tripulados foram a primeira concretização desses anseios humanos, ao proporcionarem uma nova compreensão geográfica dos campos de batalha, com implicações nitidamente geoestratégicas enquanto novo vetor nas técnicas de guerra. Desde a Antiguidade, obter a visão privilegiada de um cume, ou a partir de qualquer elevação natural do terreno, consistia em vantagem militar no que se referia à perspectiva geográfica127. Porém, com a ascensão dos balões era agora permitido aos comandantes, em qualquer superfície ou posição no terreno, obter uma perspectiva de observação muito mais ampla, uma forma de visão “além da montanha”. A altitude alcançada pelo aeróstato não mais restringiria as táticas e estratégias militares à linha de visada, que mesmo em um cimo ainda era obstruída pelo relevo. Da mesma forma, os tiros de artilharia de campanha, que antes eram imprecisos, agora adquiririam maior precisão, pois podiam ser calibrados pelo observador a bordo do balão.

O emprego militar de aeróstatos desde a Guerra Revolucionária Francesa de 1792 (MITCHELL, 2009), passaria a ser uma realidade nas batalhas e vários foram os episódios em

127 Em uma das mais célebres batalhas da História Militar, Napoleão Bonaparte, em 2 de dezembro de 1805, na Batalha de Austerlitz, aproveitou as elevações da topografia local, o Platô Pratzen, ocultando parte de seu contingente, que no transcurso da batalha realizaria um movimento tático que colapsaria o exército russo-austríaco (PRADOS, 1996).

que isso ocorreu128. Os aeróstatos, fossem balões ou dirigíveis129, são os pioneiros da perspectiva de visão pelo alto, uma atividade que viria a se expandir com o uso dos aeroplanos desde a Guerra Ítalo-Turca na Líbia, em 1911 (HIPPLER, 2013), até finalmente atingir o espaço exterior, quando o voo do cosmonauta soviético permitiu que um ser humano obtivesse, a partir de nova camada atmosférica, uma perspectiva geográfica diferenciada.

Mais recentemente, as funções de mapeamento pioneiramente exercidas pelos balões também foram substituídas pelas aeronaves tripuladas e não-tripuladas e pelos satélites, por meio de diversos tipos de sensores remotos (não mais se restringindo à percepção da luz pelo olho humano) e resoluções de imagens130.

Mas o emprego dos aeróstatos (e dos meios aéreos e espaciais), não estaria associado apenas à guerra. Balões, assim como dirigíveis, aeroplanos e satélites passariam a ser utilizados também como: a) vetores de um novo relacionamento geográfico do homem com o espaço físico, através da oportunidade de rápido deslocamento entre pontos distantes na superfície (mudanças no padrão espaço-tempo e acesso à áreas remotas, por exemplo); b) instrumentos políticos de determinação de territórios, via soberania, relações de poder e, até mesmo, afirmação de territorialidades; c) ferramentas de desenvolvimento econômico e industrial (como é o caso do turismo e do comércio); d) precursores da progressão científico- tecnológica (tais como na pesquisa meteorológica, topográfica ou ambiental);e) no exercício de

128 Além da citação de Mitchell à Guerra de 1792, outros autores ampliam esse rol de exemplos. Jules Duhem (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 643) cita que “Montgolfier sugeriu o uso de balões para atacar os ingleses entrincheirados no porto de Toulon, em 1793”, ainda no contexto das Guerras Revolucionárias francesas. Boyne (2003, p. 380) e Hearne (1910, p. 59) citam que em 1794, quando da “invasão do exército francês na Bélgica, em Fleurus, o balão Entreprenant ascendeu a cerca de 400 metros de altura para observação do movimento das forças holandesas e austríacas”. Dupuy (1984, p. 240), cita que, nessa mesma guerra, “o balão teria sido usado primeiro em Maubege”. Buckley (1999, p. 24), relata a utilização desse equipamento por “Napoleão em sua expedição ao Egito, por meio da criação da Compagnie d’Aerostiers (Companhia de Aeróstatos), em 1794”, que apesar de seguirem para o Egito, foram abandonados em face do fracasso da expedição francesa; Creveld (2011, p. 7-8), cita o emprego de balões “pelas forças da União, na Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865, em uma unidade denominada Union Army Ballon Corps (Corpo de Balões do Exército da União), que realizou ascensões nas batalhas de Fair Oaks, Sharpsburg e Fredericksburg”, além da referência do emprego também na Guerra Franco- Prussiana de 1870; e Doratioto (2002, p. 95), que destaca o uso dessa inovação pelo “Duque de Caxias, na Guerra da Tríplice Aliança, entre 1864 e 1870”.

129 Dirigíveis funcionavam com o mesmo princípio dos balões (gases mais leves que o ar), e foram empregados em transporte aéreo de passageiros, haja vista possuírem nos primórdios da aviação maior capacidade de carga útil do que os incipientes aeroplanos.

130 Sensoriamento remoto é a capacidade de se obter dados de uma superfície através de sensores posicionados a uma determinada distância da superfície observada. A resolução de imagem é “uma medida que distingue os sensores [e traduz-se] no grau de finos detalhes que uma imagem ou fotografia pode ser vista de forma separada ou distinta” (ANGELO JR., 2006, p. 502). Do Landsat-1, o primeiro satélite de observação da Terra, lançado em 1972, cuja resolução era de 80 metros, aos satélites mais recentes que possuem resoluções inferiores a 0,6 metros