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Ameaças

No documento M EDICINA R EGENERATIVA (páginas 33-38)

As áreas de MR e TG são relativamente novas, e por isso ainda com pouca regulamen- tação no país. Aliás, é importante notar que, mesmo nos Estados Unidos, a regulamen- tação de medicina regenerativa ainda está em construção, e o FDA é contestado com alguma frequência sobre as circunstâncias nas quais o órgão tem direito ou não de inter- vir na aprovação de procedimentos com células-tronco.

A pesquisa clínica no país deve ser aprovada pelo sistema CEP-CONEP (Comitê Insti- tucional de Ética em Pesquisa-Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Apesar de atualmente a CONEP estar sobrecarregada, e por isso demorar em suas análises, existe um plano de descentralizá-las, dando maior autonomia aos CEPs locais.

Além disso, a Anvisa regulamenta (a) Bancos de Células Progenitoras Hematopoiéti- cas (medula óssea e sangue de cordão umbilical) (Resolução da Diretoria Colegiada – RDC56/2010); (b) Banco de Células e Tecidos Germinativos (RDC 23/2011); e (c) Centros de Tecnologia Celular (RDC 9/2011). Mesmo assim, existe ainda uma lacuna regulatória na área de MR, ou seja, a regulação é pouco abrangente. Em 2013, a ANVISA criou a Câmara Técnica em Terapias Celulares, que vai colocar em breve uma RDC so- bre o assunto em consulta pública. É fundamental que esta forneça um arcabouço regu- latório bem definido, para que se possa investir com segurança na área de MR.

Especificamente sobre as células-tronco pluripotentes, a Lei no 11.105/2005 (Lei de

Biossegurança) determina:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrio-

nárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com

células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua

prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Apesar de na época de sua aprovação a Lei ter possibilitado a pesquisa com células-tron- co embrionárias humanas no país, a redação do item II (sublinhado pela autora) faz com que somente embriões congelados até o dia 24 de março de 2005 possam ser utilizados. Todos os embriões congelados desde então não estão contemplados pela Lei (com exce- ção dos chamados “embriões inviáveis”, mas que são pouco adequados para os fins de terapia celular), e assim não podem ser usados para MR. Além disso, como as técnicas de criopreservação de embriões evoluíram dramaticamente após 2005, grande parte dos embriões disponíveis para pesquisa no Brasil é de má qualidade após o descongelamento. Com o surgimento das hiPSCs em 2007, essa limitação em relação à disponibilidade de embriões humanos para obtenção de CTs pluripotentes se tornou a princípio menos re- levante. Porém, como ainda não se sabe quais tipos de CTs pluripotentes serão as mais adequadas para MR, deve-se analisar a possibilidade de se rever a limitação do número e qualidade de embriões humanos disponíveis para pesquisa no país.

Uma segunda limitação legal para o pleno desenvolvimento da área diz respeito à pro- dução de CTs pluripotentes por transferência nuclear (NT-hESCs), como já discutido no item 2.1(c). Ao proibir “a clonagem humana”, o art. 6º da Lei de Biossegurança não deixa claro se se refere a qualquer tipo de clonagem humana – reprodutiva e terapêutica –, criando assim uma incerteza legal. É importante notar que ainda não está claro se as NT-hESCs são superiores a outros tipos de CTs pluripotentes a ponto de se justificar o investimento na técnica, que é complexa e necessita da doação de óvulos humanos. Sugere-se uma consulta à CNTBio para se esclarecer as duas questões: os embriões disponíveis para pesquisa, e a legalidade de se realizar clonagem terapêutica (transferên- cia nuclear) no país.

5.2. Propriedade intelectual

Segundo a Constituição de 1988 (art. 199):

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de ór- gãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamen- to, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

E ainda, segundo a Lei de Biossegurança, de 25 de março de 2005:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco em-

brionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

(...)

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua

prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de

1997.

Isso representa uma incerteza sobre a possibilidade de se comercializar produtos da medicina regenerativa – o que por sua vez é uma grande barreira para o desenvolvimento da área no país.

Em dezembro de 2014, por solicitação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Indus- trial (ABDI), o Dr. Raul Lycurgo (‎Consultor Jurídico no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC) apresentou um parecer jurídico sobre a ques- tão, separando a “substância humana” inicial (ou o “antecedente”, os órgãos, tecidos e substâncias humanas retiradas do indivíduo) do produto final (o “consequente”, as células ou produtos gerados a partir do processamento do material inicial). Segundo o Dr. Lycurgo, enquanto é claro que o parágrafo 4o do art. 199 veda a comercialização

do antecedente, ele não impede a comercialização do consequente. Esse parecer foi apoiado pelo ministro Ayres Britto, que o complementou, dizendo que, na verdade, não só o parágrafo 4º do art. 199 não proíbe, mas autoriza a comercialização! Parágrafos são acessórios ao caput do artigo principal – neste caso, o art. 199, o qual afirma: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Segundo o ministro, não faria o menor sentido a atuação da iniciativa privada na assistência à saúde se não pudesse haver co- mercialização.

Assim, foi sugerido que a ABDI questione a Anvisa sobre o seu entendimento da ques- tão, para que essa insegurança jurídica se esclareça, e assim o ambiente nacional se torne propício para investimentos da iniciativa privada na área de medicina regenerativa. Outra barreira para o desenvolvimento da área no Brasil diz respeito à propriedade intelectu- al, pois não se podem patentear células no país. Ficamos assim limitados ao patenteamento de processos de manipulação e injeção das células. Essa barreira, porém, é menor, pois a princípio é possível recorrer a mecanismos como os utilizados por bancos de sangue. O mesmo se aplica para a terapia gênica, uma vez que um gene humano não pode ser pa- tenteado ou comercializado, mesmo sendo só uma parte de um vetor de terapia gênica. De qualquer maneira, as duas questões, de comercialização e propriedade intelectual, devem ser solucionadas de forma clara, para que o cenário de incertezas jurídicas não impeça o desenvolvimento da área no Brasil.

5.3. Dificuldades de importação

Apesar de a área estratégica de medicina regenerativa e terapia celular depender quase que totalmente da importação de equipamentos e insumos, o processo de importação ainda é extremamente ineficiente. Um questionário feito por pesquisadores da UFRJ em 2010 revelou que 99% dos cientistas brasileiros dependem de produtos importados para suas pesquisas (Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/41403849/Pesquisa-Impor- tacao-07112010>). Os pesquisadores esperam de um a 24 meses pela chegada dos produtos importados, que, além disso, ficam presos na alfândega, fazendo com que 76% dos entrevistados já tenham tido material perdido durante o processo. Provavelmente por causa de problemas com importação, 90% dos pesquisadores brasileiros dizem já ter mudado os rumos de seus trabalhos ou até mesmo desistido de realizar algum expe- rimento. O programa Importa Fácil do CNPq deveria ter resolvido essa situação, porém, para 91% dos entrevistados, o programa não melhorou esse cenário.

Além da Receita Federal, a Anvisa também vistoria as remessas enviadas do exterior para pesquisadores. Para a liberação da mercadoria, a agência exige uma documentação exten- sa, assinada pelo pesquisador e pelo responsável legal da instituição, reconhecimento de firmas, e o pagamento de uma Guia de Recolhimento da União (GRU), cujo valor depende da natureza e do número de itens da remessa. A documentação tem que ser enviada por correio ao aeroporto de chegada dos produtos – e uma vez lá, a agência demora tempo indeterminado para analisá-la. Todos esses procedimentos atrasam significativamente a liberação dos produtos, que acabam ficando retidos em média mais de uma semana, nem sempre em condições ideais para a manutenção de sua integridade (pode-se ler um relato de caso em <http://asmeninasonline.com/lygiaveiga/eu-nao-aguento-mais/>).

Segundo seu site, “Criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é uma autarquia sob regime especial, que tem como área de atuação não um setor específico da economia, mas todos os setores relacionados a produtos e serviços que possam afetar a saúde da população brasileira” (destaque da autora). Porém, os produtos para pesquisa não são para uso em seres humanos, e as- sim a comunidade científica entende que a Anvisa não deve ter ingerência no processo de importação de insumos para pesquisa no país. Uma consulta jurídica formal deve ser feita para se esclarecer este ponto, e assim contribuir para a simplificação do processo de importação de insumos para pesquisa.

Se o país quer seriamente investir nas áreas de medicina regenerativa e terapia gênica, a maior prioridade deve ser dada à resolução da questão de importação de insumos e equipamentos. No cenário atual, não teremos agilidade nem custos competitivos para poder desenvolver a área no Brasil.

5.4. Formação de recursos humanos

Atualmente os recursos humanos nas áreas de MR e TG são principalmente das áreas biomédicas. Foi proposta por participantes da Rede Nacional de Terapia Celular a cria- ção de um curso de pós-graduação em MR, que incluísse também aspectos de produ- ção em condições GMP e desenho de ensaios clínicos, geralmente não cobertos pelos cursos de pós-graduação.

Uma iniciativa recente neste sentido foi a criação em 2013 do curso de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular, no Hemocentro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, com o objetivo de “formar pessoal de alto nível para atuar nestas áreas tanto no campo acadêmico como do setor produtivo e governamental” (Disponível em: <http://ead.hemocentro.fmrp.usp.br/ moodle/course/category.php?id=10>).

5.5. Bioterismo padrão Farma

A falta de produção de animais para experimentação em padrão de qualidade exigido pela indústria médica/farmacêutica, assim como a falta de biotérios de experimentação nos mesmos padrões, é uma das maiores barreiras para a ciência biomédica experimental no país. Uma forma eficiente e relativamente rápida de resolver essa questão seria o país fa- zer um acordo com uma multinacional de produção de animais que se instalasse no país – por exemplo, o Jakson Laboratory ou o Charles River Laboratoty International. Tam- bém é preciso a criação de uma facility de experimentação em animais de médio porte dotada dos melhores recursos de infraestrutura (MRI, PET-SPECT-CT, salas cirúrgicas, salas de hemodinâmica, etc.) e de pessoal qualificado. Atualmente, por não termos essa infraestrutura no país, passamos de ensaios em pequenos roedores diretamente para ensaios clínicos em seres humanos – e isto é inaceitável do ponto de vista regulatório. O Centro de Criação de Animais de Laboratório da Fiocruz produz animais para experimentação,

incluindo primatas não humanos. Porém, atualmente os animais não são de qualidade adequada para pesquisa pré-clinica. Mesmo assim, é um centro com estrutura e co- nhecimento que poderia ser melhorado para atender à necessidade de bioterismo de qualidade no país.

No documento M EDICINA R EGENERATIVA (páginas 33-38)

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