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Depois que a personagem Phoebe, por alguns instantes, concebe o amor como loucura, chega o momento em que ela o apresenta sob uma nova concepção. Essa segunda percepção é mostrada no excerto a seguir, a partir do qual pode-se observar que o amor deixa de ser loucura e passa a ser trabalho.

Após Phoebe ter mencionado a sua apreensão em ser descoberta por um dos dois namorados, seu amigo Joey faz a seguinte indagação.

Enunciado original:

Joey: What ah, what happened to playing the field?

Phoebe: Well, it just, it doesn’t feel like playing anymore. It feels like work. I’m like working in the field.

Tradução para o DVD:

Joey: Não vai mais jogar no meio do campo?

Phoebe: Não parece mais um jogo. Parece que estou trabalhando. Tradução para o site:

Joey: O que aconteceu com o lance de jogar no meio de campo?

Phoebe: É que não parece que estou jogando... parece trabalho. É como se eu estivesse trabalhando no campo.

Essa mudança no discurso metafórico da personagem corrobora as teorias cognitivistas de metáfora cujos aportes teóricos baseiam-se na premissa que nosso sistema conceitual é metafórico por natureza. Ademais, as metáforas estruturam a maneira como percebemos, pensamos e agimos (LAKOFF, JOHNSON, 2002).

No intuito de descrever ao amigo, de forma compreensível, suas emoções diante de sua experiência, a personagem utiliza uma metáfora nova. A metaforicidade da frase I’m like working in the field é dada pelo

contexto, o qual se refere ao quadro emocional da personagem e não à sua área de atuação – uma experiência concreta.

Na primeira situação vivenciada por Phoebe, o amor é visto por ela como algo divertido e descompromissado. Para ilustrar essa forma de perceber a realidade, ela fez uso de expressões metafóricas que transmitissem essa idéia abstrata, como, por exemplo, playing the field / sowing wild oats. Entretanto, em um momento posterior, ao utilizar-se da metáfora, AMOR É TRABALHO, emergem outras implicações acerca de sua experiência.

Com base em nosso contexto cultural e experiências pessoais, temos ciência de que trabalho envolve disciplina, cooperação, sacrifícios e, sobretudo, compromisso – valor ausente no momento em que a personagem descrevia sua relação como playing the field. Estes são possíveis mapeamentos a serem realizados quando a personagem utiliza a nova metáfora e que contribuem para transmitir uma idéia abstrata.

Além de elucidar a maneira como Phoebe concebe o amor naquele determinado momento, a utilização de metáfora nova também contribui para acentuar o caráter humorístico da série. Como o seu uso ainda não está convencionalizado, a incongruência entre o literal e o metafórico é mais saliente e, conseqüentemente, pode gerar surpresa no espectador. É claro que, também, é preciso considerar outros aspectos envolvidos na criação do humor audiovisual como o contexto, a imagem, as características da personagem e, até mesmo, a predisposição do espectador ao riso, visto que o humor apela à conivência e à cumplicidade do público (EVRARD, 1996).

É pertinente observar que a compreensão da metáfora nova utilizada pela personagem ocorre não apenas com base no mapeamento das características do domínio de trabalho, mas também pela sua oposição com a metáfora convencional (playing the field) utilizada anteriormente. Ao servir- se da expressão playing the field, no texto fonte, a personagem acentuou a questão do descompromisso que, em um momento posterior, leva o telespectador a mapear compromisso do domínio de trabalho.

A opção da personagem de criar uma metáfora nova a partir de uma convencional empregada anteriormente na mesma sessão de diálogo conduz o espectador para a mudança na experiência emocional da personagem.

Consideremos, agora, os procedimentos de tradução adotados para as expressões lingüísticas metafóricas presentes no excerto onde emerge a metáfora AMOR É TRABALHO.

Enunciado original

Legenda DVD Legenda para o

site

Procedimento de tradução

What ah, what happened to playing the field?

Não vai mais jogar no meio do campo? O que aconteceu com o lance de jogar no meio de campo? DVD– substituição Site – substituição Well, it just, it doesn’t feel like playing anymore.

Não parece mais um jogo.

É que não parece que estou jogando...

DVD – stricto sensu

Site - stricto sensu It feels like work. Parece que estou

trabalhando.

Parece trabalho. DVD – stricto sensu

Site - stricto sensu I’m like working in

the field. É como se eu estivesse trabalhando no campo. DVD – omissão da metáfora.

Site - stricto sensu

Observa-se a predominância da estratégia stricto sensu. A substituição apenas é utilizada na expressão metafórica playing the field para manter a coerência com o enunciado anterior onde ela aparece pela primeira vez e, também, é substituída. Há, ainda, um terceiro procedimento, omissão da metáfora, utilizado pelo legendador A. A expressão metafórica I’m like working in the field não possui uma expressão correspondente direta

no texto alvo25. Cabe salientar que essa solução apagou apenas a expressão metafórica, mas não a metáfora conceitual subjacente, que foi mantida no conjunto do diálogo.

No caso destas expressões metafóricas, embora os dois legendadores tenham utilizado praticamente as mesmas estratégias de tradução (exceto omissão da metáfora), a questão do número de caracteres vale ser observada. O legendador para o site utiliza uma quantidade superior ao legendador do DVD. Há um caso (1ª linha da tabela anterior) em que o número de caracteres ultrapassa inclusive os do enunciado original. Isso pode ser problemático para a audiência na medida em que exigirá mais tempo de leitura e, por conseguinte, poderá afetar o acompanhamento das demais linguagens estéticas da obra cinematográfica. As legendas precisam ser breves e de leitura simples para não demandarem mais atenção visual e cognitiva do que a estritamente necessária (CARVALHO, 2005).

Voltando ao contexto do episódio, tudo indica que haverá uma mudança de atitude da personagem Phoebe, pois ela está incomodada com sua experiência. Esta modificação será analisada no decorrer da próxima seção sob o olhar de uma nova metáfora: AMOR É MATEMÁTICA.