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Amplitude da tutela jurisdicional coletiva

CAPÍTULO II ASPECTOS GERAIS DA TUTELA COLETIVA NO BRASIL

2.2 Amplitude da tutela jurisdicional coletiva

A existir um microssistema de tutela coletiva, tem-se uma tutela jurisdicional diferenciada com a finalidade de adequar as normas procedimentais existentes aos direitos por elas tutelados.

Sucede que a tutela jurisdicional coletiva no Brasil não é restrita aos direitos coletivos, o sistema brasileiro optou politicamente por estabelecer ope legis quais direitos deveriam ser tutelados procedimentalmente pelo rito da “tutela jurisdicional coletiva”.

A Lei brasileira n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor brasileiro) estabelece no artigo 81, parágrafo único, que a tutela coletiva será exercida na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conceituando-os:

Lei brasileira n. 8.078/1990 – Artigo 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 126

Percebe-se que houve opção legislativa brasileira no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos de estender a esta categoria de direitos individuais a possibilidade de

BRASIL - Lei n. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Diário Oficial da União de 12/9/1999. [Consult. em 11

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os tutelar pelo procedimento jurisdicional coletivo, assim, os direitos individuais homogêneos seriam direitos individuais coletivamente tratados.

Em continuidade, existe a previsão no artigo 127, caput, da Constituição brasileira 127

no sentido de que compete ao Ministério Público brasileiro a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, no que concerne aos direitos individuais homogêneos, esta previsão constitucional se apresenta como limitadora à legitimidade ativa do Ministério Público brasileiro para a hipótese, quem somente poderá deflagrar a ação quando tais direitos forem indisponíveis ou apresentarem interesse social, manifestando-se a este respeito o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal brasileiro:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III. I. - A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá- la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III. III. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança e pleitear a restituição de imposto - no caso o IPTU - pago indevidamente, nem essa ação seria cabível, dado que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) uma relação de

BRASIL - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: [s.n.], 1988. [Consult. em 9

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consumo (Lei 7.374/85, art. 1º, II, art. 21, redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25, IV; C.F., art. 129, III), nem seria possível identificar o direito do contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis." (C.F., art. 127, caput). IV. - R.E. não conhecido. 128

Cediço que o preceito normativo relacionado à expressão “interesse social” é extremamente aberto, dando margens para ampla interpretação, todavia, o Supremo Tribunal Federal brasileiro apresenta balizas interpretativas para a identificação do surgimento do interesse social na defesa da causa, surgindo este quando a lesão além de atingir a esfera jurídica dos titulares do direito, compromete valores jurídicos superiores cuja preservação é importante à comunidade, conforme dita precedente do Supremo Tribunal Federal brasileiro a respeito do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), previsto no artigo 20 do Decreto-lei brasileiro n. 73/1966:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA. [...] 4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender interesses sociais. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos

BRASIL - Recurso Extraordinário n. 195.056/PR. Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Carlos Velloso.

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homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127). 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º) […]. 129

No entanto, se por um lado se interpreta o artigo 127, caput, da Constituição brasileira de maneira a restringir a legitimidade do Ministério Público para propor demanda 130

sob o rito da tutela jurisdicional coletiva de direitos individuais homogêneos às hipóteses em

BRASIL - Recurso Extraordinário n. 631.111. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori

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Zavascki. Diário da Justiça Eletrõnico de 30/10/2014. Brasília: [s.n.], 2014.

BRASIL - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: [s.n.], 1988. [Consult. em 9

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que tais direitos forem indisponíveis ou possuírem relevância social, de outra forma se amplia a legitimidade do Ministério Público para que, mesmo nas hipóteses de direitos subjetivos individuais propriamente ditos (não considerados de maneira homogênea), permita-se ao Ministério Público atuar em prol de uma única pessoa através das ações de tutela jurisdicional coletiva, a exemplo do previsto no artigo 74, I, da Lei brasileira n. 10.741/2003 (Estatuto 131

do Idoso brasileiro); artigo 201, V da Lei brasileira n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do 132

Adolescente brasileiro) ou, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a permitir que o Ministério Público proponha ação civil pública para pedir medicamentos em prol de único indivíduo, diante da indisponibilidade do direito à saúde:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIA ADEQUADA. FORNECIMENTO DE M E D I C A M E N T O S . P E S S O A D E T E R M I N A D A . HIPOSSUFICIENTE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 133

Todavia, acompanha-se o posicionamento de Neves , quem critica a amplitude dada 134

à tutela jurisdicional coletiva pela jurisprudência, dizendo que para que as ações coletivas sejam estendidas a direitos individuais, é necessário haver prévia previsão legal, logo, salvo nas hipóteses em que se está em defesa do idoso, criança ou adolescente, não seria adequado propor ações com o rito da tutela coletiva, mas ações que seguissem o rito destinado à tutela individual propriamente dita.

BRASIL - Lei n. 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Diário Oficial da União de 3/10/2003. Brasília: [s.n.],

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2003. [Consult. em 11 Jun. 2015]. Disponível em WWW: <URL: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ L10.741.htm>

BRASIL - Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União de 16/7/1990. [Consult. em 11 Jun.

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2015]. Disponível em WWW: <URL: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>

BRASIL - Recurso Especial n. 993.343. Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Humberto Martins. Diário

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da Justiça Eletrônico de 8/11/2012. Brasília: [s.n.] 2013.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção - Manual de Processo Coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

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