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A tira, composta por quatro quadrinhos, apresenta um diálogo entre Calvin e seu pai. Há um locutor implícito que dá voz aos personagens (Calvin e seu pai) que discutem sobre a vontade do menino de brincar com o pai em determinado momento. Essa organização enunciativa pode ser representada de acordo com o esquema:

No 1º quadrinho, o menino diz ao pai: ―Quero andar na cacunda!‖ Este, por sua vez, responde ao filho: ―Estou ocupado, Calvin.‖

A fala de Calvin remete a um enunciador, cujo ponto de vista, pode ser representado pelo encadeamento:

L

A

Calvin

querer andar na cacunda DC andar

O pai que, de acordo com sua fala e com a imagem, está ocupado preparando-se para um trabalho de pintura, recusa a brincadeira utilizando um motivo para isso, o que formalizamos com o encadeamento:

estar ocupado DC não levar Calvin na cacunda

Como podemos notar, comparando os dois encadeamentos, o pai, por meio de seu discurso, substitui o que constitui o primeiro segmento, ou seja, o suporte do encadeamento proposto pelo filho e passa, então, de maneira ―amigável‖, negar o aporte, visto como objetivo de Calvin. Essa substituição faz com que o locutor-pai não negue o ―querer andar‖ proposto pelo filho, mas construa outro bloco semântico, com base no anterior.

No 2º quadrinho, Calvin dirige ao pai o seguinte discurso:

―Sabe pai, não está muito longe de eu virar um adulto. Um dia você vai acordar e se perguntar onde foram parar esses anos.‖

O discurso imaginado pelo menino continua no 3º quadrinho:

―Vai olhar para trás e dizer. ―Como o tempo passou rápido! Calvin está tão grande que fica difícil lembrar quando ele era pequeno e eu podia carregá- lo nos ombros.‖ ... mas esses dias terão se perdido para sempre.‖

Nesses dois quadrinhos, Calvin constrói um discurso hipotético, o qual ele assimila ao pai. Dessa forma, opõe o discurso que o pai produz no momento (aquele que recusa a brincadeira com o filho – estar ocupado DC

não levar Calvin na cacunda) a outro discurso – aquele que possivelmente seria pronunciado no futuro (não ser mais criança DC não andar na

cacunda). Assim, o menino cria uma imagem sua e do pai no futuro e, ao

mesmo tempo, do arrependimento e da culpa que o pai sentirá, caso não brinque com ele no momento. Cria também uma imagem favorável a seu respeito no momento da enunciação, já que busca fazer o pai mudar de opinião com base em uma argumentação plausível.

A exclamação (Como o tempo passou rápido!) juntamente com a expressão ―rápido‖ criam a ideia de que a passagem do tempo teria acontecido de forma surpreendente, mais depressa do que o que se consideraria normal.

São dois os planos enunciativos interrelacionados e confrontados que são criados por meio do discurso do locutor: o momento da enunciação (ME) presente, no qual a fala inicial de Calvin e a de seu pai se pautam, e um momento futuro em relação a este e que se realiza hipoteticamente em um discurso no tempo presente.

L

A

Os enunciadores evocados são dois, um pautado no momento da enunciação e outro num momento futuro:

Presente (Momento da enunciação) Futuro hipotético

ser criança DC poder andar na cacunda

não ser mais criança DC não poder andar na cacunda

O sentido construído por ―não ser criança DC não poder andar na

cacunda”, remetido para o futuro, faz com que Calvin atribua ao pai, pela

polifonia, a perspectiva que ele próprio deseja impor no momento: ser criança

L - Calvin A – pai Momento da enunciação presente1

L – pai (na voz de Calvin) A – Calvin Momento da enunciação presente 2 (futuro em relação à enunciação 1)

DC poder andar na cacunda. Esse é o ponto de vista que ele impõe, é o

argumento usado por Calvin, e ambos, colocados em confronto, é que fazem o pai mudar de ideia, como mostra o último quadrinho.

O bloco semântico pode ser visualizado abaixo:

(1) A PT NEG B (2) NEG A PT B

ser criança PT não poder andar na cacunda não ser criança PT poder andar na cacunda

(3) NEG A DC NEG B (4) A DC B

não ser criança DC não poder andar na cacunda ser criança DC poder andar na cacunda

Os encadeamentos evocados pelo discurso de Calvin mantêm entre si uma relação de reciprocidade. Ambos aplicam aspectos do mesmo bloco semântico que relaciona poder andar na cacunda e ser criança, mas o segundo (não ser criança DC não poder andar na cacunda) mostra que, ao se negar o suporte, a norma é negar também o aporte mantendo-se o conector, o que leva Calvin a induzir o pai a mudar de ideia. Esse sentido pode ser parafraseado por algo como: se Calvin crescer, o pai não poderá levá-lo mais na cacunda, mas hoje ele é pequeno, então pode ser levado. A atitude do pai no presente, momento da enunciação, é alterada por essa possibilidade de não poder mais brincar da mesma forma com o filho com a passagem do tempo e de se arrepender disso.

O sentido construído no discurso, intimamente vinculado à relação de alteridade, decorre do confronto entre pontos de vista convocados, e que são pautados em tempos diferentes: negação da possibilidade de brincar no futuro

e a oportunidade de brincar no presente. Ressaltamos que, neste caso, tal como na análise anterior, as outras possibilidades de argumentação presentes, virtualmente no bloco semântico que relaciona ser criança e poder brincar, não poderiam ser expressas. Tais argumentações iriam de encontro ao interesse de Calvin, apresentado no discurso.

Esse entendimento pode ser sintetizado como segue:

não ser criança em t1 DC não poder andar na cacunda em t1

MAS

ser criança em t0 DC poder andar na cacunda em t0

Pontuamos a importância da questão temporal neste discurso com as marcas t0, que remete ao presente, momento da enunciação, e t1, que indica um momento posterior ao primeiro, ou seja, futuro.