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3. METODOLOGIA DE PESQUISA

4.2 ANÁLISE ACÚSTICA

Procedeu-se à análise acústica dos casos de aplicação da regra variável no intuito de identificar e caracterizar, acusticamente, as formas variantes atestadas no CORPUS POBH – norma culta, isto é, as ocorrências de aférese e síncope vocálica. Este tipo de investigação fornece dados objetivos, frente à subjetividade de um diagnóstico audio-perceptivo realizado por parte do pesquisador: a análise acústica separa os distintos componentes da fala, possibilitando que sejam estimados quantitativamente (MATOS, 2008).

Para investigar os parâmetros acústicos da produção de vogais, no tocante à presença ou cancelamento de tais segmentos, esta análise utilizou o programa Praat, através do qual foram obtidas as especificações oscilográficas e espectrográficas (picos espectrais F1, F2, F3 e variação de intensidade69) relativas aos itens da amostra. De acordo com Ibabe (2008), as vogais são identificadas por seus formantes e, a partir dos dois primeiros, já se torna possível discriminá-las70. Considera-se F1 o formante de maior energia, seguido de F2 e logo, F3.

Partindo dos pressupostos teóricos acima relacionados, é possível uma diferenciação acústica das variantes investigadas no POBH – norma culta, ou seja, a aplicação ou não da regra de apagamento vocálico. Assim, a totalidade dos dados (102 casos de apagamento) foi analisada e representada acusticamente e, à guisa de exemplo, são apresentados, a seguir, os

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Por meio do contorno de intensidade são ressaltados os picos silábicos, ocasião em que se verifica a presença, ou não, do segmento vocálico.

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“[...] la articulación de cada vocal requiere unas determinadas posiciones de los órganos articuladores, que crean cavidades de diferentes formas y volúmenes; en ellas, se originan distintas frecuencias de resonancia que filtran la onda acústica periódica - que hasta este punto era siempre igual-, de modo que se configura una estructura armónica diferente para cada vocal. Esta estructura armónica consiste en que unos determinados armónicos del tono fundamental quedan realzados y otros, difuminados. [...] Cada conjunto de armónicos que quedan realzados por el fenómeno de resonancia descrito recibe el nombre de formante. Los formantes son, pues, los responsables del timbre de cada vocal.” (IBABE, 2008).

espectrogramas relativos a dez ocorrências71 de cancelamento vocálico, verificadas no corpus.

As figuras 12 a 18, a seguir, são relativas à ocorrência da síncope vocálica. Em todas estas representações espectrográficas se constata, nitidamente, a ausência da vogal da regra variável, verificada através da ausência dos respectivos formantes.

Figura 12 – Espectrograma: “d[e]sempregado” (AMS).

Na figura 12 tem-se o apagamento de uma vogal média alçada ([] 

[]), culminando na formação de um ataque complexo africado [] para a próxima sílaba. Cabe ressaltar que os três segmentos em questão – onset, vogal cancelada e onset da sílaba seguinte – apresentam ponto de articulação em comum, i.e., são segmentos coronais.

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Selecionadas aleatoriamente, porém, cuidando para que houvesse uma distribuição equilibrada entre os casos de aférese e síncope, cabendo a esta sete ocorrências e àquela, três. Preocupou-se, também, que as representações espectrográficas exemplificassem o processo fonológico da maneira mais nítida possível.

Figura 13 – Espectrograma: “re[a]lidade” (AMS).

Na figura 13 está representado o cancelamento do // em posição absoluta na sílaba inicial, resultando em um leve alongamento da vogal precedente //, que possui valor de F1 (traço de abertura) semelhante ao da vogal dorsal (cf. Fig. 9).

Figura 14 – Espectrograma: “preoc[u]pação” (CPMF).

Na figura 14, o apagamento da labial // favorece a formação de coda silábica na sílaba anterior, visto que não é possível uma ressilabificação que privilegie a formação do onset seguinte, devido a restrições fonotáticas72. Observou-se que, neste caso também, a vogal suprimida e o onset da sílaba seguinte compartilham o traço de labialidade, ou seja, são homorgânicos.

Nas figuras 15 e 16, abaixo, está representado o cancelamento da vogal alta (em um dos casos, média anterior alçada), que favorece a formação de ataque complexo na sílaba seguinte, a saber ‘sn’ e ‘st’73, respectivamente. Estes encontros consonantais, no entanto, constituem formações silábicas não aceitáveis ou marcadas na língua. Observam-se, então, duas ocorrências de apagamento vocálico que desfavorecem a organização prosódica fonotática. E,

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Existem restrições sobre a sequência e os elementos que podem ocupar posições nas sílabas. O estudo das sequências de sons possíveis em uma língua, a gramática dos sons, denomina-se fonotática (cf. CÂMARA JUNIOR, 1969; CAGLIARI, 2007).

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Na sequência ‘sn’, criada pelo apagamento da vogal //, o // não se torna vozeado porque permanece a consciência fonológica da presença do //, fazendo com que ‘s’ e ‘n’ não sejam segmentos fonologicamente adjacentes, embora formem um ataque complexo, foneticamente. O mesmo pode ser dito para a sequência ‘st’ na palavra s[i]tuação, onde o // soa diferente, por exemplo, do // da palavra ‘estação’, onde // e // são fonética e fonologicamente adjacentes.

nestes casos também, os segmentos referentes a onset, vogal da regra variável e onset da sílaba seguinte coincidem quanto ao ponto de articulação, coronal.

Figura 16 – Espectrograma: “s[i]tuação” (RSC).

Na figura 17, a seguir, a vogal média posterior é alçada e, em seguida, sofre o apagamento, favorecendo a constituição do ataque complexo ‘ps’ na sílaba seguinte. Neste caso, ambos os segmentos, onset e vogal apagada, são labiais, fomentando a aplicação da regra variável.

Figura 17 – Espectrograma: “p[o]ssível” (JPA).

A figura 18, abaixo, apresenta um caso recorrente de ressilabificação, ocasionada pelo apagamento da vogal coronal seguida, na sílaba que a sucede, por uma consoante líquida – formadora por excelência de ataque complexo. No exemplo mencionado, tem-se a vogal coronal // em presença de uma consoante liquida lateral no contexto seguinte. A partir da supressão vocálica ocorre a ressilabificação, ocasião em que o segmento lateral passa a integrar o ataque da sílaba precedente.

Figura 18 – Espectrograma: “responsab[i]lidade” (PVMC).

As três últimas figuras – 19, 20 e 21 – referem-se à aférese vocálica. Também nestas representações acústicas se verifica a ausência da vogal pretônica, cujos formantes não figuram nos espectrogramas analisados.

As figuras 19 e 20 mostram o cancelamento da vogal coronal em posição inicial de palavra: no primeiro caso, uma vogal nasal e, no segundo, vogal oral; ambas as ocorrências sucederam a um contexto de pausa, ou seja, não estavam inseridas em contexto continuo de fala.

Figura 19 – Espectrograma: “... [in]teressa” (MMM).

Finalmente, a figura 21 apresenta o caso mais comum de aférese vocálica, onde a vogal dorsal, em posição absoluta na sílaba inicial, é apagada. Ao contrário das duas ocorrências anteriores, o cancelamento da vogal se dá em contexto contínuo de fala, sem ser procedido por pausa.

Figura 21 – Espectrograma: “com [a]quilo” (CPMF).

Os exemplos discutidos acima mostram que é possível caracterizar, acusticamente, as variantes da regra de apagamento analisadas no trabalho. Assim, após serem elucidados os resultados da análise do apagamento vocálico pretônico no POBH – norma, finaliza-se este capítulo. A seguir, serão apresentadas as considerações finais sobre os resultados e as análises feitas.

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