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O termo análise, conforme empregamos na língua portuguesa, deriva do grego

análysis, que indica, por um lado, a arte de dissolver e, por outro lado, a arte de resolver. Com

isso, a análise representa a decomposição das partes em um todo, até conhecer bem os seus elementos componentes. Do ponto de vista da linguagem, a análise indica a separação e distinção das proposições, em suas partes constitutivas. No campo da filosofia, a análise se constitui o método usado para se chegar dos efeitos às causas e das conseqüências aos princípios, pondo em ordem a apuração da verdade (FONTINHA, s/d, p.139). Em latim, porém, o termo análysis, além das conotações anteriores, agrega a idéia de descrição interpretativa de uma realidade, com fins pedagógicos.

Diante disso, Lalande, com base em Condillac, tomando o termo análise nos sentidos que o ligam à idéia de decomposição, afirma que a análise corresponde ao método analítico, que por sua vez, consiste em observar, numa ordem sucessiva as qualidades de um objeto com o fim de perceber no espírito a ordem simultânea na qual essa realidade existe (LALANDE,

1985, p.73). Trata-se de uma análise do pensamento, em parâmetros lógicos, procurando compreender as relações que existem entre os pensamentos e as coisas. Com isso, conclui que analisar é pensar, e pensar é traduzir a percepção dos sinais dos fatos distintos, presentes na realidade.

A seguir, Lalande, com base em Duhamel, procura destacar os sentidos que ligam o termo análise à idéia de resolução, destacando que o termo análise se opõe à idéia de síntese, na medida em que transmite a idéia de progressão, enquanto a síntese transmite a idéia de regressão (LALANDE, 1985, p.74). Isso significa que a síntese nos leva a mergulhar na realidade para apreendê-la, enquanto a análise nos leva a expressar o que se compreendeu dessa realidade. Nesse caso a análise compreende um método fundamentado na investigação e na demonstração, voltado para a resolução de problemas, como acontece na lógica, na matemática e nas ciências experimentais.

Assim Lalande, com base em Kant, relaciona o termo análise ao termo analítica, no sentido lógico de decomposição dos conceitos, ao tempo em que propõe a análise do conhecimento, dentro do que Kant denomina analítica transcendental e estética transcendental7 (LALANDE, 1985, p.74). Com isso, afirma que o próprio Kant procura,

através da análise, as condições para explicar, não somente o real do conhecimento e das formas lógicas, mas também o real do estético, da arte e do belo.

Nesse sentido, a análise musical compreende uma importante ferramenta capaz de elaborar perguntas investigativas e fornecer subsídios que auxiliem na interpretação e

performance musical. Assim, esta prática tem se revelado a tônica investigatória de boa parte

dos trabalhos performáticos (LIMA; APRO; CARVALHO, 2006, p.16), demonstrando como

7 O termo, analítica transcendental, conforme Kant se refere à análise dos procedimentos, por meio dos quais, o entendimento unifica os conceitos, enquanto a estética transcendental se refere à percepção das diferentes possibilidades daquilo que nos é dado pela intuição e sensibilidade. Desse modo, a analítica transcendental se desenvolve a partir de nossa racionalidade, enquanto a estética transcendental se desenvolve a partir de nossa intuição e sensibilidade (nota do autor).

o conhecimento acerca dos aspectos estilísticos e estruturais de uma determinada obra, por parte do intérprete, pode auxiliar nas escolhas interpretativas a serem tomadas.

Entretanto, apesar da análise possibilitar o entendimento da peça musical, ela não revelará os segredos desta peça se não soubermos o que perguntá-la. É aqui onde aparecem os inúmeros métodos de análise, que embora sejam aparentemente muito diferentes, basicamente perguntam sobre as mesmas coisas: divisões entre seções e subseções, importância dos relacionamentos entre os componentes musicais, influência de contextos, dentre outras questões (COOK, 1994, p.2). É difícil imaginar um método de análise que não pergunte sobre essas questões e vale salientar que esses métodos, individualmente, não são capazes de oferecer todas as respostas às questões que nos são levantadas perante a obra. Com isso, estes devem ser utilizados conjuntamente e nunca pensados de forma separada, nem tão pouco, um em detrimento do outro, pois o verdadeiro propósito destes métodos é revelar e iluminar a peça musical, dando ao intérprete um maior senso de propriedade e entendimento sobre como a música funciona, influindo assim diretamente em sua performance.

Dessa maneira, a relação dialética entre análise e performance, onde uma informa e complementa a outra, é denominada por Nicholas Cook como performance estruturalmente informada8 (COOK, 1999, p. 249), na qual a análise é utilizada como uma ferramenta para as decisões a serem tomadas. Para Cook, a análise musical contribui como processo, não como produto final. Nesse mesmo sentido, Lima, Apro e Carvalho chamam a atenção para o perigo de uma metodologia de ação pautada exclusivamente no estudo da estrutura sintática de um texto musical, afastado do seu contexto histórico e cognitivo, limitando assim a pesquisa na área da performance.

8 “... structurally informed performance”.

Para nós, a pesquisa performática que clama a uniformização, a análise estrutural da obra como solução para a interpretação, a autenticidade, a racionalidade dos procedimentos performáticos, é parte de um todo analítico, mas não o objetivo único de estudo (LIMA; APRO; CARVALHO, 2006, p.19).

Com isso, entendemos a análise musical como mais uma ferramenta interpretativa, integrante de um conjunto de conhecimentos acerca da obra, do compositor e de seus respectivos estilos, métodos, técnicas, processos e contextos históricos, que quando associados e utilizados de forma articulada, contribuem para uma performance e interpretação coerente com o texto musical e respeitando os direitos dos intérpretes e do compositor.

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