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Análise contrastiva da utilização do Conjuntivo em Português e em Latim

1.3. Alguns contextos de utilização do Conjuntivo

1.3.2. Distribuição do Conjuntivo em Latim

1.3.2.1. Análise contrastiva da utilização do Conjuntivo em Português e em Latim

Tal como temos vindo a considerar ao longo do capítulo, lamentar é considerado um verbo factivo. Como tal, esta situação geraria um contexto que permitiria asserir a verdade da oração subordinada, pelo que deveria seleccionar o modo Indicativo, quando na realidade, em Português, selecciona Conjuntivo.

(83) Lamento que estejas raivoso.

Vamos agora analisar os contextos em que ocorrem estas construções em Latim:

(84) Defleo te furiosum esse.

(lit. Lamento tu estar(es) raivoso) {Lamento que estejas raivoso.)

Como se pode observar, a construção latina não selecciona Conjuntivo, mas sim um outro tipo de construção: uma oração completiva infinitiva cujo sujeito está morfologicamente marcado com acusativo e o verbo no infinitivo. Em Latim, verbos factivos como lamentar, e declarativos como acreditar, dizer, afirmar, anunciar, negar, julgar, saber, etc., seleccionam orações infinitivas. Isto parece dever-se ao reconhecimento por parte da semântica latina da existência de uma possibilidade de o enunciador, ao utilizá-los na subordinante, poder asserir a verdade da subordinada.

Algo semelhante se passa com as orações concessivas em Português:

Capítulo 1 - Modo

Mais uma vez, em Português, estamos na presença de uma construção que gera um contexto em que se permite asserir a verdade da subordinada, se a eventualidade tiver lugar no Presente (Embora agora chova. - é um facto que está a chover), e como tal, deveria seleccionar Indicativo, mas selecciona Conjuntivo. No entanto, não podemos deixar de ter presente que, se considerarmos que a frase se refere não ao momento presente, mas a um momento posterior (Embora amanhã chova - é possível), estamos claramente perante uma pressuposição e não uma asserção da verdade da oração complemento, pelo que já será natural a selecção do Conjuntivo.

Relativamente ao primeiro caso que expusemos para o Português, ou seja, quando há asserção da verdade da proposição, em Latim a oração concessiva está construída com uma conjunção que selecciona efectivamente Indicativo e não Conjuntivo, porque se trata de um facto real:

(86) Quamquam nondum eorum consilia cognovemt, Caesar... (lit. Embora não conhecera os projectos deles, César...) (Embora não tivesse conhecido os projectos deles, César...) Contudo, as regras semânticas e sintácticas latinas admitem que nas orações concessivas os factos enunciados nas orações subordinadas possam ser reais ou simplesmente possíveis, e põem à disposição do utilizador duas construções: uma para o enunciador que assuma a verdade da proposição (com Indicativo, (86) - César não conhecia realmente os seus projectos.) e outra para o enunciador que assuma a possibilidade da proposição ser verdadeira, ou não, com Conjuntivo:

(87) Cum libros habeam, tuis utor.

(Embora tenha livros, sirvo-me dos teus. - ter os livros deixa de ser um facto, tanto em Latim como em Português, para passar a ser uma possibilidade, na medida em que posso ou não ter os livros certos.)

De facto, não é o caso das concessivas o único em que um locutor que produz um enunciado em Latim tem à sua disposição diferentes construções, podendo recorrer ao uso do Indicativo sempre que assere a verdade da proposição e ao Conjuntivo sempre que não pode asserir a verdade da mesma. Considere-se ainda o

que se passa com as orações causais:

(88) Catilina expulsus est, quod iuventutem corrumpebat. (Catilina foi expulso porque corrompia a juventude.)

(89) Catilina expulsus est, quod iuventutem corrumperet.

(Lit. Catilina foi expulso porque corrompesse a juventude.)

(Catilina foi expulso, porque - segundo se diz - corrompia a juventude.)

As orações causais seleccionam normalmente Indicativo, pois a causa que indicam é real. No entanto, a utilização do Conjuntivo em (89), cria um contexto que não indica compromisso do enunciador com a verdade da proposição, porque não é a sua opinião que está a transmitir, mas a de outros. Neste caso, a semântica do Latim prevê a possibilidade de selecção do Conjuntivo, para a criação de uma certa distância do enunciador em relação ao carácter factual ou não factual da oração1 '.

Pelo atrás exposto, podemos considerar pertinentes para uma definição do valor do modo Conjuntivo em Latim os seguintes traços:

[- REAL]

[- ASSERTIVO] [- VERDADEIRO]

uma vez que há sempre duas possibilidades de construção de um enunciado, dependendo da asserção, ou não, da verdade da proposição. Podemos, pois, inferir que o Conjuntivo em Latim será seleccionado por operadores não-verídicos, isto é, itens lexicais que introduzem na proposição uma ideia de não verdade, ocorrendo em construções em que não é assumido o conhecimento da verdade da proposição, por oposição ao uso do Indicativo, que ocorrerá em proposições cuja verdade é assumida pelo enunciador. Como tal, as construções (83) e (85) em Português são consideradas problemáticas, uma vez que seleccionam Conjuntivo mesmo sendo o seu conteúdo

Capitulo 1 - Modo

proposicional assumido como verdadeiro. Em Latim, diversamente, seleccionam Indicativo sempre que o facto for real e só seleccionam Conjuntivo se o facto for possível, ou seja, quando não se pode garantir a verdade daquilo que se enuncia. Assim, pode concluir-se que não encontramos no Latim os casos problemáticos do Português, uma vez que se encontra perfeitamente delimitado o uso do Indicativo para a verdade da proposição e o uso do Conjuntivo para a possibilidade, incerteza, eventualidade, não veridicalidade da mesma. Em Latim, tal como quando nos instituímos como enunciadores, temos de ter em conta a assunção da verdade/não verdade da proposição para seleccionar o Modo a empregar; também quando somos interlocutores, inferimos o significado de uma proposição (nomeadamente se o seu conteúdo é verídico ou não) pelo Modo nela empregue.

É possível, após as considerações acima apresentadas, concluir que as propostas que baseiam a selecção do Conjuntivo no valor de verdade da proposição se aplicam a uma descrição da distribuição do Modo Conjuntivo em Latim, uma vez que os problemas que se põem para o Português são solucionados, em Latim, por determinados mecanismos que regulam o uso deste Modo, permitindo ao enunciador, sempre que o enunciado seja [+ verdadeiro], seleccionar modo Indicativo, dentro de construções que, em Português, normalmente seleccionam modo Conjuntivo.

É também possível aventar que com o uso e consequente evolução do Latim para as Línguas Românicas, estes mecanismos reguladores que existiam no Latim, se tenham diluído ou transformado, chegando até mesmo a desaparecer em Português, como constatamos pelos problemas anteriormente expostos. Assim, vem a propósito a afirmação de Santos (1999:235) "é ainda provável que, na passagem para as línguas românicas, se tenha perdido em parte a consciência de um conteúdo semântico próprio «conjuntivo» (...). A substituição gradual do «indicativo» pelo «conjuntivo» nas subordinadas latinas, para além de constituir uma originalidade no contexto das línguas indo-europeias, enfraquece portanto a força modal deste último, ao ponto de o tornar num mero substituto estilístico. "