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8.2 ANÁLISE CRÍTICA DOS CARACTERES MORFOLÓGICOS USADOS NA IDENTIFICAÇÃO DE CONCHOSTR ÁCEOS FÓSSEIS

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8.2 ANÁLISE CRÍTICA DOS CARACTERES MORFOLÓGICOS USADOS NA IDENTIFICAÇÃO DE CONCHOSTR ÁCEOS FÓSSEIS

Conchostráceos viventes são identificados com base na morfologia interna de seus órgãos, porém nos fósseis estas partes não são preservadas. Os conchostráceos fósseis são comumente preservados na forma de moldes, que preservam apenas as características externas das valvas como, por exemplo, formato externo das valvas, presença de carenas, número e densidade relativa das linhas de crescimento e, quando a preservação permite, a ornamentação nas bandas de crescimento. Apenas com estes caracteres os pesquisadores tentam identificá- los e classificá-los.

Kobayashi (1954), porém, ao tentar encontrar alguma característica das carapaças que pudesse servir para distinguir-se entre as famílias de conchostráceos viventes Cyzicidae e Leptestheriidae, ou mesmo um gênero de outro, concluiu que é “praticamente impossível se distinguir famílias e gêneros com base apenas em características externas”.

Rohn (1981) sugeriu os seguintes conjuntos de feições para a distinção das diversas categorias taxonômicas: 1) superfamília e/ou família: elementos radiais (costas ou carenas) e seu ponto de origem em relação ao umbo; recurvamento das linhas de crescimento na região posterior; 2) subfamília e/ou gênero; posição, forma e tamanho relativo do umbo; 3) gênero (e subgênero): caráter da margem dorsal; contorno geral; número de elementos radiais; 4) espécie (ou gênero, subgênero, ou subespécie): relações morfométricas; ornamentação nas bandas de crescimento, na margem dorsal e nos elementos radiais; natureza das linhas de crescimento (e número absoluto de linhas nos indivíduos considerados adultos).

Na verdade, é necessário estabelecer uma hierarquia de caracteres que permita a classificação dos conchostráceos fósseis, porém, também se faz imprescindível analisar cada um destes caracteres criteriosamente, antes de utilizá- los para esta finalidade.

Inicialmente, ao desenvolver a presente pesquisa, tentou-se realizar uma análise filogenética da Superfamília Leaioidea (que, por apresentar de uma até cinco carenas sobre as valvas, é um dos grupos com maior número de caracteres taxonômicos nas valvas), utilizando-se das características disponíveis nas carapaças preservadas. Segundo Heaney (1995), a metodologia cladística pode ser usada no estudo de grupos de invertebrados fósseis, mesmo naqueles considerados “character-depauperate”, cujos restos preservados correspondem apenas às partes duras, como as valvas dos conchostráceos. Contudo, os cladogramas resultantes mostraram baixa resolução, apresentando politomias. Interpreta-se

que os caracteres não foram suficientes em número, além de serem variáveis numa única assembléia fossilífera devido a vários fatores, não permitindo uma análise cladística com boa resolução. A seguir, cada caráter e sua problemática são comentados:

8.2.1 - Ângulo entre as carenas:

Leguizamón (1974) propôs que as espécies de Leaia deveriam ser diferenciadas de acordo com o ângulo entre a margem dorsal e a carena anterior (a) e o ângulo formado entre a margem dorsal e a carena posterior (ß) (Figura 37). Porém, estes ângulos podem variar devido a fatores tafonômicos (por exemplo, deformação das carapaças) e a variação angular intraespecífica às vezes apresenta-se maior do que as diferenças angulares entre duas espécies. A distância entre o ponto de emergência das carenas no umbo, a forma das carenas (retas ou curvadas) e sua persistência desde o umbo até a margem ventral também podem variar devido à compactação dos sedimentos e à posição original das carapaças na matriz antes da diagênese.

Figura 37 – Proposta de classificação de leaiídeos com base nos ângulos das carenas (Leguizamón, 1974)

Foi realizado no laboratório de cerâmicas da Unesp – Rio Claro um teste de compressão, onde moldes de conchas com simulação de carenas foram decalcados em uma matriz argilosa e submetidos a pressões de diferentes intensidades. Foi possível observar que, à medida que a compressão sobre o sedimento aumentava, o valor angular entre as carenas diminuia, devendo ocorrer o mesmo fato em condições naturais (Figura 38).

Figura 38 – Teste de compressão

8.2.2 - Número e densidade relativa das linhas de crescimento:

Conforme observado por vários autores (Kobayashi, 1954; Tasch, 1969, Frank, 1988), o número e a densidade relativa das linhas de crescimento podem variar em uma população e mesmo em apenas um indivíduo, devido a fatores de estresse ambiental.

Em um experimento desenvolvido nesta pesquisa foi observado que conchostráceos da espécie Cyclestheria hislopi Baird, ao sofrerem um estresse causado pelo ressecamento súbito do aquário no qual estavam sendo cultivados, passaram rapidamente por vários processos de ecdise. As novas bandas de crescimento, por terem sido geradas em um espaço de tempo muito curto, apresentaram uma largura muito pequena, aumentando enormemente a densidade das linhas de crescimento na região ventral das valvas.

8.2.3 - Formato externo das valvas:

Kobayashi (1954) observou a espécie Euestheria kyongsangensis Kobayashi & Kido e verificou que existem pelo menos quatro formas baseadas no formato externo das valvas, cuja variação seria possivelmente causada pelo dimorfismo sexual. Na verdade, exemplares de Cyclestheria hislopi Baird cultivados em aquário, analisados antes e depois da maturidade sexual, demonstraram uma forte variação no formato externo das valvas. A

partir da produção de ovos houve sensível arqueamento da margem dorsal, permitindo assim que os náuplios ganhassem espaço sob a carapaça do progenitor (Figura 39). Concluiu-se que o formato externo das valvas pode variar não apenas devido ao dimorfismo sexual, mas também por fatores ontogenéticos, devendo assim ser utilizado com cautela e apenas em casos de amostragens suficientemente representativas.

Figura 39 – Comparação entre o formato da margem dorsal da carapaça de um indivíduo da adulto da espécie Cyclestheria hislopi Baird (à esquerda) e um indivíduo jovem (à direita), antes da maturidade sexual.

8.2.4 - Ornamentação nas bandas de crescimento

De acordo com experiências realizadas com a espécie vivente Cyclestheria hislopi Baird, mais de um padrão de ornamentação pode ser observado num mesmo indivíduo de acordo com seu estágio de desenvolvimento ontogenético (Figura 40). A ornamentação passa de muito finamente poligonal para pontuada. No caso dos conchostráceos fósseis, Defretin (1958) comentou que, enquanto algumas espécies podem ser identificadas com base na ornamentação nas bandas de crescimento, outras não podem, o que faz com que este caráter taxonômico não possa ser utilizado com segurança em todos os casos. Recomenda-se cuidado ao utilizar-se deste caráter para distinções infragenéricas, principalmente quando se dispõe de um número pequeno de exemplares, ou apenas de exemplares não muito bem preservados. Tasch (1969) ressaltou que nenhuma classificação de conchostráceos viventes se baseia na ornamentação das valvas. Entretanto, este fato é facilmente compreensível, uma vez que as partes internas dos organismos, muito raramente

preservadas nos fósseis, fornecem muito mais parâmetros para a classificação do que a carapaça. Além disso, os conchostráceos viventes apresentam, em geral, ornamentação muito simples.

0,5 mm 0,5 mm 0,1 mm

Figura 40 – Variação do padrão de ornamentação em C. hislopi Baird. À esquerda, ornamentação de um indivíduo recém- nascido; ao centro, ornamentação de um adulto; à direita, as setas indicam a presença de estrias na região umbonal da valva de um indivíduo adulto.