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Análise Crítica do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. A Estrutura Ecológica na Legislação Portuguesa

2.2. Análise Crítica do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro

Na análise do Decreto-Lei 380/99, de 22 de setembro, no que se refere à Estrutura Ecológica, é importante começar por dizer que no preâmbulo deste Decreto-Lei não é

feita qualquer referência a esta figura. Para Cangueiro (2006), sendo esta uma nova figura, estruturante no processo de planeamento em Portugal, sendo de delimitação obrigatória no âmbito dos vários planos que a legislação prevê, e dado que esta pode constituir-se como uma das três categorias de qualificação de solo urbano (n.º4 do artigo 73.º), deveria ser referida no preâmbulo.

Segundo Cangueiro (2006), a designação de Estrutura Ecológica, apresentada no Decreto-Lei, remete para a “organização de valores em sistemas ou redes, mais ou menos contínuos, e de forma integrada, estabelecendo uma espécie de ordem estruturante num corpo mais vasto” (p. 19), ou seja, a estrutura agrega partes que no seu todo determinam algo mais do que a soma de todas as partes. Contudo, na nossa opinião, o conceito de Estrutura Ecológica tal como enunciado na legislação (Decreto- Lei 380/99, de 22 de setembro) é, desde logo, passível de várias críticas. Trata-se de uma definição, ao mesmo tempo vaga e complexa, pois não expressa de forma clara quais as “áreas, valores e sistemas fundamentais” que devem efetivamente integrar esta Estrutura, dando azo, assim, a diversas interpretações quanto à sua delimitação espacial, funcionalidades e gestão. Esta situação coloca, desde logo, em causa um dos princípio básico da Estrutura Ecológica – o princípio da continuidade. Dado que, diferentes delimitações, ao nível municipal, designadamente nos PDM de elaboração obrigatória, leva a que não exista uma continuidade desta Estrutura de um município para o outro, perdendo-se assim o continuum naturale, tão almejado com esta nova figura legal (Gomes, 2006). Para evitar esta situação, a legislação da Estrutura Ecológica deveria ser acompanhada de um anexo onde estivessem discriminadas quais as áreas que devem ser incluídas, ou seja, quais são as designadas “áreas, valores e sistemas fundamentais para a proteção e valorização ambiental dos espaços rurais e urbanos”, quais os critérios de delimitação, e ainda os usos compatíveis com cada área, como acontece com a nova legislação da REN, designadamente o Anexo I e II do Decreto-Lei 166/2008 de 22 de agosto.

A referência explícita feita às “áreas de reserva ecológica” pode induzir a uma abordagem redutora desta figura tornando-a redundante com a da Reserva Ecológica Nacional (REN), em que a Estrutura Ecológica é composta em exclusivo pela REN, ou noutra situação em que todas as áreas da REN devem ser incluídas nesta Estrutura.

Ora, para além das áreas com elevado valor ecológico abrangidas pela REN, a Estrutura Ecológica deve contemplar, ainda, (i) as outras áreas da Rede Fundamental de Conservação da Natureza (Decreto-Lei 142/2008, de 24 de julho), (ii) as áreas não abrangidas por nenhuma figura de proteção legal, mas que complementam as anteriores do ponto de vista ecológico, e (iii) as áreas de valor cultural e de conexão, pertinentes para a sua coerência espacial e funcional. Cada uma destas áreas assume um papel distinto no âmbito da Estrutura Ecológica, devendo portanto o seu regime jurídico adequar-se ao respetivo grau de relevância ecológica e à diferente necessidade de proteção.

Todavia, subentende-se que o legislador não pretendia criar uma figura legal redundante com a REN, apesar de ser possível encontrar algumas semelhanças teóricas. Ambos os instrumentos legais baseiam-se numa abordagem estrutural e ecossistémica (semelhante ao de paisagem global), e têm patente a ideia de valorização das áreas delimitadas, contudo a REN apresenta um regime muito restritivo – non aedificandi - e o facto de ser tutelado pela Administração Central dificulta a gestão destas áreas. Além disto, a inclusão de áreas na REN limita-se às que estão discriminadas no Decreto-Lei, enquanto a Estrutura Ecológica permite a inclusão de qualquer área desde que seja considerada fundamental para a proteção e valorização ambiental. Assim, a Estrutura Ecológica pode assumir um papel muito importante na salvaguarda da dinâmica microclimática, uma vez não existe nenhuma legislação que salvaguarde diretamente o correto funcionamento desta dinâmica, como existe a RAN para a proteção dos solos. As preocupações com o clima esgotam- se facilmente na qualidade do ar (artigo 8.º da LBA). A desregulação desta função pode acarretar graves problemas ao nível do conforto bioclimático, em particular para as áreas mais urbanizadas, como o aumento da ilha de calor urbano.

Segundo Cangueiro (2006), ainda no que se refere ao conceito de Estrutura Ecológica apresentado no Decreto- Lei 380/99, de 22 de setembro (n.º 1 do artigo 14.º), é importante referir os conceitos de “proteção” e de “valorização”. Segundo este autor, a “proteção” associa-se preferencialmente às preocupações com a defesa da qualidade ambiental e da conservação da natureza, enquanto a “valorização” se

associa às intenções de potenciação, promoção, reabilitação, recuperação e restauro das componentes ambientais.

Ao nível municipal, a Estrutura Ecológica pode desempenhar um papel muito importante, particularmente nas áreas urbanas, com a introdução de uma nova categoria de solo urbano – “solos afetos à estrutura ecológica”, dado que permite a salvaguarda dos sistemas naturais fundamentais dentro do perímetro urbano, uma vez que aí não existe a obrigação de delimitação da Reserva Agrícola Nacional (RAN), e em alguns casos também a REN não é, ou não era, delimitada. Esta alteração constituiu uma importante mudança de paradigma, contribuindo para diluir a clássica dicotomia entre solo urbano e solo rural inerente ao planeamento modernista e paradoxalmente, ainda, consumada no atual regime jurídico da RAN (Decreto-Lei 73/2009, de 31 de março).

A Estrutura Ecológica permitiu, em certa medida, ultrapassar as limitações que a nível municipal se sentiam no planeamento ambiental, uma vez que muitas vezes este se resumia à delimitação da REN, e ao mesmo tempo, esta nova figura legal permite alguma maleabilidade no tratamento destas áreas (Cangueiro, 2006). Aspeto fundamental, particularmente, para as áreas urbanas onde existe uma grande dinâmica do território. Assim, nas áreas urbanas a Estrutura Ecológica deverá, tal como expresso na lei, salvaguardar os sistemas naturais fundamentais, impedindo deste modo que estes sejam destruídos pela urbanização, e não se resumir apenas às áreas verdes urbanas, dado que muitas destas não cumprem qualquer função ecológica.