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2 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO POSTO EM DEBATE DIANTE DAS NOVAS

2.4 Análise crítica do princípio da proteção

As sucessivas crises econômicas, a globalização da economia, as modernas tecnologias, a robotização, a informática, a necessidade de redução de custos para aumentar a competitividade, são fatores que modificam os meios de produção e, como consequência, o próprio Direito do Trabalho e suas estruturas fundantes. Assim, o desequilíbrio proporcionado em favor do trabalhador, característico desse

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DELGADO, Maurício Godinho apud ESPADA, Cinthia Maria da Fonseca. O princípio protetor do

compartimento do conhecimento jurídico, torna-se o maior alvo de questionamentos diante da crise enfrentada pelo Direito do Trabalho.

Argumentam os neoliberais, como explica Vólia Bomfim Cassar46, que a alta proteção trabalhista e o bem-estar social, como praticados pelo Brasil, ocasionaram sociedades ocidentais não (ou menos) competitivas em relação às economias industrializantes sem garantias, e, por isso, os direitos trabalhistas deveriam ser drasticamente reduzidos, diminuindo os gastos, o que possibilitaria uma melhor competitividade no mercado.

Os próprios autores clássicos, como Ruprecht47, passaram a fazer ressalvas ao princípio protetor, ao afirmar que “de validade indiscutível nos primórdios do Direito do Trabalho, hoje pode-se ver que não tem mais esse valor primogênito”, uma vez que a proliferação das normas laborais imperativas engessou o Direito Trabalhista, interferindo, demasiadamente, na autonomia privada ao criar direitos rígidos e inadequados ao desenvolvimento, à modernização e à reestruturação dos setores de produção e de trabalho.

Discute-se, nesse contexto, o alto custo do trabalhador formal no Brasil. A título ilustrativo, um trabalhador formalizado, que possui carteira assinada, onera o patrão excessivamente, com impostos incidentes sobre os salários como COFINS, SESC, SENAC, SESI, PIS, INSS, FGTS etc., os chamados encargos sociais, cujo recolhimento propicia a efetivação das mais variadas políticas públicas.

Nesse contexto, passa-se a defender a diminuição dos custos da mão-de-obra, com a consequente redução dos benefícios dos trabalhadores, a revisão da legislação trabalhista e dos princípios protetores do trabalhador, a adoção de novas medidas de contratação e novas tendências. A alternativa que emerge de todas essas discussões é a flexibilização, ou seja, a adaptação das normas jurídicas trabalhistas, para atender às alterações na economia, refletidas nas relações entre trabalho e capital48.

Um dos maiores defensores da ideia de inoperância do princípio da proteção, nos moldes em que fora criado pela doutrina trabalhista, na origem desse ramo do

46CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e

flexibilização das normas trabalhistas. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 15-17.

47RUPRECHT, Alfredo J. apud ALMEIDA, Larissa Costa. O princípio protetor como limite à

flexibilização mediante negociação coletiva trabalhista. Revista da ESMAT 13. Ano 3. N. 3. p. 71-94. Set. 2010.

conhecimento jurídico, é o doutrinador Arion Sayão Romita49, que em sua obra intitulada “O Princípio da Proteção em Xeque”, questiona a efetiva utilidade da tutela trabalhista, no contexto da organização econômica e social moderna.

Segundo o doutrinador, as mudanças ocorridas no mundo da economia, da tecnologia e da política deveriam refletir-se na legislação que regula as relações individuais e coletivas de trabalho, para adaptá-las às novas realidades econômicas e sociais. Assim, seria imprescindível a modificação do fundamento do Direito do Trabalho.

Nesse sentido, as relações de emprego passariam a ser orientadas pela liberdade de trabalho e democracia, porque o princípio protetor não seria mais condizente com as exigências do mercado de trabalho e da economia globalizada e capitalista.

O autor expõe, ainda, que não caberia falar em proteção no Direito do Trabalho, haja vista que não constitui função do Direito – de qualquer dos ramos do Direito – proteger algum dos sujeitos de dada relação social. Função do Direito seria regular a relação jurídica em busca da realização do ideal de justiça.

Nesse diapasão, o teor eminentemente protecionista caracterizador do Direito do Trabalho, consubstanciaria uma desconsideração à bilateralidade da relação de emprego, um desrespeito ao ideal de justiça, já que não se deveria conceber justiça favorável a um único sujeito da relação.

A crítica ao princípio tutelar do obreiro também se justificaria sob o argumento de que não há, no referido princípio, a generalidade pertinente aos demais, que os fazem serem aplicáveis a todo o ramo do conhecimento jurídico com o qual estejam relacionados. No caso do princípio tutelar, essa característica restaria ausente, pois se ele é aplicável às relações individuais de trabalho, encontra-se fora do âmbito de aplicação das relações de direito coletivo.

A legislação trabalhista brasileira, consagrando estipulações contratuais in peius, como se depreende dos dispositivos constitucionais que admitem a redução salarial e a negociação da jornada de trabalho, seria, também, o reflexo dessa mudança de paradigma a ser adotada pelo Direito do Trabalho. Portanto, se antes de 1988 fosse possível falar em princípio da proteção, depois da promulgação da Constituição Federal vigente, tal atitude tornou-se cientificamente insustentável, pois a proteção preconizada

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ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003. p. 22-29.

pela doutrina tradicional cede diante dos imperativos econômicos, voltados para a conservação do emprego.

O autor elucida que essa modalidade de proteção onera os custos da empresa condenada em juízo (custos esses repassados para os preços dos produtos e dos serviços por ela produzidos ou prestados). E como os consumidores ou usuários são, em última análise, os trabalhadores, conclui-se que o ônus econômico decorrente da proteção recai sobre o próprio trabalhador. Analisada a proteção por essa ótica, deflui-se que o custeio da proteção estaria ao encargo dos próprios trabalhadores.

Para Arion Sayão Romita50, é importante observar que:

A proteção proporcionada pela legislação trabalhista brasileira ao trabalhador, na realidade dos fatos, redunda em desproteção. E a resultante dessa desproteção também desempenha uma função social: perpetuar a posição subalterna e submissa em que se encontra o trabalhador e justificar a necessidade de atuação dos protetores, protegendo (aqui sim, a proteção) a posição por eles ocupada.

Como resultados dessa proteção, posta em debate pelo autor, constata-se os altos índices de desemprego, de informalidade, de delinquência e de outros problemas sociais que assolam a população brasileira em geral, e que seriam consequências indiretas dessa proteção a qual está sujeita as relações de trabalho.

Diante da problemática, ora esposada, a alternativa seria dar ênfase à negociação coletiva, situada no plano da liberdade sindical. Esse perfil, proposto por Arion Romita, sugere a supremacia do negociado sobre o legislado, a supremacia das normas autônomas, ainda que piores do que as disposições legais.

Assim, o princípio da flexibilização derivaria do reconhecimento de que a forma heterônoma de proteção teria se mostrado insuficiente e muitas vezes, inadequada, uma vez que a rigidez das normas trabalhistas, muitas vezes, conspiraria contra os que pretende proteger.

Sob essa perspectiva, os próprios atores sociais deveriam decidir as regras que incidiriam no seu contrato de trabalho. Assim, a predominância seria não do princípio protetor, mas do princípio da autonomia privada coletiva, consoante uma concepção de democracia pluralista.

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ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003. p.26.

Diante dessa crise do princípio da proteção, o próximo capítulo versará sobre a mais falada alternativa para esses obstáculos a serem enfrentados pelo Direito do Trabalho nos dias atuais, qual seja: a flexibilização das normas trabalhistas.

3 NOVO PARADIGMA A SER ADOTADO PELO DIREITO DO