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2.7 A formação da madeira

2.7.3 Análise da expressão gênica

Apesar da reconhecida importância econômica, muito pouco se sabe sobre os fatores genéticos e os processos celulares, moleculares e bioquímicos envolvidos na formação da madeira (HIGUCHI, 1997; CARPITA & McCANN, 2000; PLOMION et al., 2001).

A utilização de técnicas moleculares tem permitido a identificação e caracterização de algumas “chaves moleculares” envolvidas no processo de formação da madeira (HIGUCHI, 1997; SAVIDGE et al., 2000), assim como envolvidos na lignificação (WHETTEN et al.,1998), síntese de celulose (ARIOLI et al., 2000), hemicelulose (REID, 2000), proteínas da parede celular (ZHANG et al., 2000) e pectinas (REID, 2000).

A grande maioria dos estudos utiliza plantas anuais, por exemplo, Zinnia elegans e Arabidopsis thaliana, como modelo. Em Zinnia, células em suspensão foram estimuladas a produzir elementos traqueários. Dessa forma, proteínas e genes puderam ser identificados em diferentes estádios do desenvolvimento desses elementos traqueários (FUKUDA, 1997).

Graças ao mecanismo único de transdiferenciação, através do qual células diferenciadas podem iniciar um novo programa de diferenciação, Demura e colaboradores (2002) construíram um perfil compreensivo da expressão gênica durante a transdiferenciação de células do mesófilo em células de xilema, usando um sistema

de cultura in vitro de Zinnia. Neste modelo, células fotossintéticas do mesófilo isoladas de folhas de Zinnia se transdiferenciam em células do xilema através de um processo morfogênico caracterizado por estágios como a formação da parede secundária e a morte celular programada. Através da construção de bibliotecas de cDNA foi possível a obtenção de mais de 8.000 ESTs de Zinnia. A posterior análise de micro-arranjos permitiu estabelecer um padrão de expressão gênica em diferentes estádios, a identificação de genes não descritos previamente e que codificam proteínas que podem estar relacionadas ao processo de transdiferenciação, assim como proteínas quinases e fatores de transcrição.

Arabidopsis thaliana também tem sido considerado um ótimo sistema para a

análise de genes envolvidos na formação da parede celular e madeira, através da utilização de mutantes (REGAN et al., 1999; ZHONG et al., 2001; ROBERT et al., 2005). Estima-se que cerca de 15% do genoma em Arabidopsis seja dedicado à biogênese e modificação da parede celular e destes, apenas pequenos grupos têm sido caracterizados (CARPITA et al., 2001). Além disso, mais de 600 genes estão envolvidos na síntese e reciclagem de polissacarídeos e quase 25% destes estão envolvidos na reciclagem de pectinas. A utilização de plantas de Arabidopsis em estudos de diferenciação do xilema é estimulada pelo fato de que mesmo sendo herbáceas e, portanto, não apresentarem crescimento secundário, tais plantas são induzidas a formar xilema secundário através da remoção de suas inflorescências (CHAFFEY et al., 2002; OH et al., 2003). Em 2002, Chaffey e colaboradores demonstraram que as fibras e elementos de vaso do xilema, formados por indução em Arabidopsis, apresentavam características estruturais e ultraestruturais similares aos produzidos por uma angiosperma arbórea, o Populus. Já, Samuga e Joshi (2002) demonstraram que genes relacionados com o desenvolvimento da parede celular secundária, como celulose sintase (CESA), possuem 91% de similaridade. Por meio de estudos realizados em xilema de Arabidopsis, através da técnica de micro-arranjos, OH et al. (2003) observaram que uma série de fatores de transcrição estava superexpresso no xilema secundário, quando comparado ao xilema primário. Esses resultados sugerem que o crescimento secundário nas plantas deve-se a regulação da expressão gênica e não à presença de genes estruturais diferenciados nas plantas lenhosas, tornando possível a

indução do crescimento secundário em espécies não lenhosas. Da mesma forma, KO et al. (2004) encontraram 700 genes diferencialmente expressos durante a transição do xilema primário para xilema secundário em Arabidopsis.

Apesar dos estudos de expressão gênica para estudar a formação da madeira através da utilização de plantas modelo, como Arabidopsis, e sistemas de culturas de células, como Zinnia, terem identificado muitos genes associados com o processo de diferenciação do xilema, estes estudos representam uma primeira etapa para compreender profundamente os mecanismos moleculares e genéticos que controlam o crescimento secundário. Dessa forma, evidências mais detalhadas e mais profundas são necessárias, pois embora os sistemas que utilizam herbáceas e sistemas de culturas de células sejam usados para estudar o processo de diferenciação do xilema, a total compreensão do crescimento secundário requer um sistema de estudos em árvores propriamente ditas (LI et al., 2006).

Entre as espécies fornecedoras de madeira, Populus spp. e Eucalyptus spp são os principais candidatos para a realização de estudos envolvendo a análise de genes e proteínas relacionados à formação e qualidade da madeira, pelo fato de apresentarem: facilidade de propagação vegetativa (PLOMION et al., 2001); possibilidade de transformação genética (FILLATTI et al., 1987; GONZÁLEZ et al., 2002); pequeno tamanho do genoma (5x108 e 6x108,respectivamente, pouco menor que Arabidopsis); a disponibilidade de mapas genéticos (GRATTAPAGLIA et al., 1998; GION et al., 2000) e por último, no caso de Populus por apresentar o genoma totalmente seqüenciado (TUSKAN et al., 2006). Entretanto, apesar da vasta gama de genes provavelmente relacionados com o processo de formação da madeira, o estudo em árvores teve início apenas no final dos anos 90 em espécies de Pinus (ALLONA et al., 1998), Populus (STERKY et al., 1998), Robinia pseudoacacia (YANG et al., 2003), e Eucalyptus (PAUX et al., 2004).

Sterky et al. (1998) foram os pioneiros ao relatar cerca de 6.000 ESTs de

Populus spp de tecidos formadores de madeira, em bibliotecas de cDNA preparadas a

partir do câmbio e de tecidos do xilema em desenvolvimento. Seguindo a mesma linha, Hertzberger et al. (2001) estudaram o padrão de expressão de 2.995 genes durante os estágios sucessivos de maturação das células do xilema em Populus. Nesse estudo,

amostras de tecidos foram coletadas de cinco diferentes regiões (células meristemáticas, células em expansão, células em elongação, células em formação da parede secundária e células maduras), de modo a cobrir toda a sequência de desenvolvimento. A análise de micro-arranjos demonstrou que mais de 500 genes são diferencialmente expressos durante o desenvolvimento secundário do xilema.

A partir destes trabalhos, e principalmente, a medida que aumentaram as sequências de ESTs de espécies arbóreas disponíveis em bancos de dados públicos, diversos estudos de análise de expressão gênica no processo de formação da madeira, para identificar genes relacionados à sua formação em estádios específicos do processo de diferenciação do xilema, têm sido realizados utilizando-se Populus spp como modelo (SCHRADER et al., 2004, ASPEBORG et al., 2005; MOREAU et al., 2005; GEISLER-LEE et al., 2006).

Com o objetivo de identificar genes relacionados a transição do crescimento primário para o crescimento secundário, van Raemdonck e colaboradores (2005) coletaram amostras em duas posições do caule de árvores de Populus com 6 meses de idade. Uma amostra do ápice, cujo sistema vascular consiste basicamente de xilema e floema primários e uma amostra da base, que é caracterizada pela presença de crescimento secundário. Utilizando a técnica de cDNA-AFLP, os autores identificaram diversos genes potencialmente envolvidos na transição progressiva do crescimento primário para o crescimento secundário em Populus.

Atualmente, um ótimo modelo que vem sendo utilizado para estudar alterações na expressão gênica em espécies arbóreas é a utilização da indução da formação de madeira de reação. Normalmente induzida a partir do estímulo de inclinação da árvore, a madeira de reação é produzida como um mecanismo do tronco na tentativa de manter ou corrigir sua posição original, e caracteriza-se pelo baixo conteúdo de lignina, elevado conteúdo de celulose e menor ângulo das microfibrilas (PLOMION et al., 2001). Nas angiospermas, a madeira de reação é conhecida como madeira de tração e nas gimnospermas é chamada de madeira de compressão (TIMELL, 1986). Dessa forma, diversos estudos vêm sendo conduzidos em Populus utilizando esse modelo, encontrando diversas alterações nos conteúdos de celulose e lignina (PILATE et al.,

2004; DEJARDIN et al., 2004; ANDERSSON-GUNNERÅS et al., 2006; BHANDARI et al., 2006).

Em espécies de Eucalyptus, os primeiros estudos envolvendo a análise da expressão gênica no processo de xilogênese foram publicados apenas recentemente. PAUX et al. (2004), foram os precursores, tendo construído uma biblioteca subtrativa (SSH) de xilema usando cDNAs de xilema em desenvolvimento como controle e folhas como população-driver. Nesse estudo, foi identificado um total de 224 genes específicos do xilema, sendo que os genes para CesAs, genes de lignificação, XETs e expansinas foram significativamente mais expressos. Recentemente, Foucart et al. (2006) utilizaram a mesma técnica (SSH) para identificar genes diferencialmente expressos entre o xilema e o floema durante a xilogênese em Eucalyptus. Os autores ampliaram, portanto, os estudos iniciais, com o desenvolvimento de bibliotecas subtrativas para tecidos de xilema versus floema, identificando 87 genes preferencialmente expressos no xilema e que codificam proteínas envolvidas na formação da parede celular secundária, regulação hormonal e morte celular programada.

Utilizando a técnica de cDNA-AFLP, Ranik e Myburg et al (2006), estudaram o padrão de expressão dos genes relacionados a xilogênese em árvores de 6 anos de idade de Eucalyptus. Os autores coletaram amostras de tecidos em estágios diferentes do desenvolvimento da madeira (xilema imaturo, xilema maduro, floema e casca) em duas posições do caule, de modo a permitir uma visão global da abundância e variabilidade dos transcritos ao longo do caule. Um total de 71 transcritos diferencialmente expressos foi caracterizado, incluindo diversos genes relacionados à diferenciação celular, transdução de sinais e biossíntese de parede celular.

Kirst et al (2005) estudaram a variação na abundância de mRNAs no xilema em desenvolvimento em uma progênie híbrida de Eucalyptus usando micro-arranjos. As mudanças quantitativas na abundância da expressão gênica foram mapeadas em dois mapas de ligação de árvores individuais, tendo sido possível identificar um QTL de expressão gênica que explica até 70% da variação no nível de transcrição. Anteriormente, os mesmos autores, utilizando a mesma população e a técnica de micro- arranjos, identificaram uma correlação entre a baixa expressão dos genes envolvidos

na biossíntese de lignina e vias de metilação, associadas ao rápido crescimento do tronco. Além disso, foram identificados dois locos genéticos responsáveis pela regulação dos níveis de transcrição de genes relacionados a biossíntese de lignina que se co-localizam com QTLs de crescimento, sugerindo assim, que as mesmas regiões genômicas podem estar regulando essas características (KIRST et al., 2004).

Também em 2005, Paux e colaboradores utilizando o modelo de indução de madeira de reação analisaram os perfis de expressão na formação da madeira de reação no xilema de eucalipto. Os autores estudaram alguns genes em sistema de macro-arranjos sob diferentes tempos de indução e identificaram 196 genes diferencialmente regulados, sendo que os genes relacionados à biossíntese de celulose (CesA) apresentaram maior expressão em conjunto com a formação da camada G e os genes relacionados à lignina apresentaram menor expressão, em relação a madeira normal.

A identificação dos genes e dos mecanismos envolvidos na formação da madeira, associada às tecnologias de seleção assistida e transformação genética, representa uma excelente oportunidade para aumentar a eficiência, reduzir o tempo e o custo necessários para a seleção de genótipos superiores de modo a agregar cada vez mais fatores que elevam a qualidade da madeira e atendem as diversas necessidades da indústria. Dessa forma, a grande maioria dos estudos em eucalipto atualmente concentra-se na caracterização e isolamento de genes relacionados ao processo de formação da madeira, particularmente os envolvidos na biossíntese de lignina e de celulose (VALÉRIO et al., 2003; PAUX et al. 2005; KIRST et al., 2004).

3 MATERIAL E MÉTODOS