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A análise dos dados se constituiu em uma das fases mais complexas da pesquisa etnográfica. Primeiro, por exigir do pesquisador esforço e perícia, considerando-se a natureza dos dados registrados em forma de textos narrativos e a multiplicidade de informações; depois, por exigir dele habilidade no reconhecimento do eixo central do esquema de significados que retrata o contexto cultural e que guiará, paulatinamente, a descrição e a compreensão.

Convém ressaltar que a interpretação desenvolveu-se desde a situação de encontro com as participantes até as entrevistas; afinal, descrever a situação vivenciada é considerada uma forma de interpretar. Durante os encontros, novos significados foram atribuídos à experiência, co-construídos em um diálogo no qual o pesquisador, além de fazer perguntas, condensa os significados que os participantes descrevem até que a interpretação seja possível ou fique evidente que um tema é compreendido de diferentes formas (Macedo, Kublikowski e Grandesso, 2004).

Durante o processo de pesquisa mantivemo-nos atentas a alguns pressupostos teóricos fundamentais, já descritos neste trabalho:

- A menopausa é um evento biológico natural e espontâneo que se caracteriza pela parada dos ciclos menstruais mensais excluindo-se razões patológicas e/ou fisiológicas. O termo refere-se ao período de transição vivenciado imediatamente antes e após as variações dos ciclos e o evento em si - a última menstruação.

- As mulheres são sujeitos singulares, histórico e culturalmente construídas que criam, recriam e repetem os significados da menopausa em determinado contexto familiar / social que imprime crenças e valores aos comportamentos e vivências.

- A cultura - conhecimento adquirido que as pessoas utilizam para interpretar as ações - exerce grande influência no significado que as mulheres atribuem à experiência da menopausa e a sua própria história

- Para compreender a menopausa enquanto processo cultural é necessário compreender o significado da vida das mulheres na busca pelo situar-se no mundo social. Assim, as interpretações das mulheres fornecem um conjunto de significados sobre a menopausa que permite que o pesquisador, imerso no ambiente natural das colaboradoras, articule-os aos comportamentos, gestos e ações apreendidas.

Encerramos o trabalho de campo de posse de um extenso material. A partir deste momento, muitas leituras foram empreendidas sobre ele para que aspectos importantes das narrativas fossem identificados.

Seguimos, para tanto, a proposta de Janesick (1995) para o tratamento dos dados:

a) Localizar na experiência relatada, as frases ou afirmativas que se relacionam diretamente ao fenômeno em questão;

b) Interpretar os significados destas frases como um leitor informado;

c) Obter a interpretação dos participantes, se possível;

d) Inspecionar os significados para verificar o que eles revelam sobre os aspectos essenciais e recorrentes do fenômeno;

e) Elaborar prováveis afirmativas sobre o fenômeno com base nos aspectos essenciais e recorrentes identificados

Com este guia, buscamos nos relatos, as palavras, frases, sentenças, idéias e conceitos importantes que se relacionavam diretamente ao evento menopausa; procuramos, ao identificar as unidades de significado, interpretar os significados destas frases. A partir de então, as narrativas foram mais uma vez exploradas, analisadas com o objetivo de verificar a freqüência em que essas unidades eram apresentadas nas falas (convergências e divergências), classifica-los segundo a proximidade de sentido e construir as categorias resgatando os pressupostos teóricos. Consideramos a freqüência das falas na tentativa de evidenciar tanto o que é compartilhado no grupo como também as particularidades.

Apoiadas em Denzin (1989), entendemos como categoria cultural a construção conceitual que tem como foco os elementos culturais definidos por uma expressão ou palavra. As categorias não foram pré-fixadas pelo roteiro das entrevistas, foram construídas após leituras sucessivas e intercaladas do material e conseqüente agrupamento.

Denzin (1989) sugere as seguintes etapas para a construção das categorias:

• Identificar nas narrativas, sentenças/fragmentos chaves, que se relacionam com o fenômeno estudado;

• Interpretar os significados das sentenças;

• Examinar com atenção os significados para corroborar os caracteres essenciais e recorrentes que revelam;

Percorrendo estas etapas, foram identificadas nas narrativas as unidades de significado (subcategorias), que relacionamos em grandes categorias:

1. CORPO. Dividimos essa categoria em três subcategorias: conhecimentos e fontes de informação sobre o corpo feminino, a vivência da sexualidade e o discurso religioso.

2. MENSTRUAÇÃO. Dividimos essa categoria em quatro subcategorias: o significado do sangue menstrual, a relação com a menstruação, a relação entre menstruação e reprodução, conhecimentos e fontes de informação.

3. MENOPAUSA. Dividimos essa categoria em sete subcategorias: as mudanças percebidas no corpo e no fluxo; as explicações para a parada da menstruação; os estigmas sociais e culturais; a experiência de viver a menopausa; a vivência das outras mulheres da comunidade, a denominação do período e conhecimentos e fontes de informação.

A partir do encontro para elaboração dos desenhos, inspecionamos os significados para verificamos o conteúdo essencial e recorrente revelado sobre a menopausa e obtivemos a interpretação das colaboradoras. A partir dessas considerações, emergiram os temas: a menstruação caracteriza a mulher e define seu papel; o corpo emite os sinais; o poder de Deus determina as funções do corpo; a menopausa como evento natural do corpo e a menopausa e o deixar de ser mulher.

Para Desantis e Ugarriza (2000), os temas são genéricos, abstratos e derivam das unidades de significado, comportamentos, observações e expressões verbais ou não dos sujeitos; englobam categorias e convergem para evidenciar os componentes das experiências. Nesse estudo, os temas

elencados surgem das análises empreendidas e conduzem para a compreensão do significado cultural das mulheres, considerando-se a menopausa.

Os temas culturais são as conceitualizações que conectam domínios (categorias), dando uma vista holística da cultura sob o estudo. Os temas de um estudo são descobertos melhor após um processo de imersão e surgem após a análise e interpretação dos dados.

Para compreendê-los, utilizamos, além do método etnográfico, pressupostos do método biográfico interpretativo que conseguimos identificar nas narrativas: a existência do outro, os antecedentes familiares, os momentos marcantes, gênero e classe social e as experiências marcantes (Denzin, 1989). Acreditamos que a experiência da menopausa é determinada pela cultura e pela singularidade da biografia individual e podem ser alteradas em razão das relações estabelecidas e das situações vivenciadas.

Uma vez construídas as subcategorias / categorias / temas, passamos a analisar a natureza da experiência comum entre as mulheres. Dessa forma, fomos delineando a interpretação e compreensão da vivência da menopausa, segundo suas elaborações culturais. Prosseguimos com uma comparação entre as categorias, evidenciando os nexos, na tentativa de sintetizar essas interpretações e compreensões em temas de significado.

Sendo objetivo da interpretação, a compreensão só foi possível pela nossa participação no mundo social das pessoas, viabilizada através da utilização das técnicas, já referidas para a coleta de dados. Pudemos compreender o evento, a partir da realidade vivida pelas mulheres, considerando dois sistemas de conhecimento - o das colaboradoras (êmico) e

o da pesquisadora (ético) (Boyle, 1994). Assim, a pesquisa fez emergir uma narrativa considerada uma continuidade entre as histórias iniciais, contadas pelas colaboradoras, e a história final, contada por nós.

Dessa forma, é fácil predizer que a relação estabelecida com as colaboradoras não foi neutra, a tensão existente entre o horizonte semântico das participantes e nossos horizontes foi fruto do conhecimento adquirido ao longo do curso de nossas vidas. Residiu aí o verdadeiro encontro etnográfico, a interpretação.

A saída do campo ocorreu, como sugere Costa (2004), de forma paulatina, coincidindo, em parte, com a fase de análise dos dados, tendo sido formalmente comunicada e seguida de agradecimento às colaborações.

A NARRATIVA DAS

MULHERES: suas histórias e

vivências

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