4. PARA ALÉM DOS LIMITES DAS CATEGORIAS JURÍDICAS
4.1. NOVAS CARACTERÍSTICAS DA ANÁLISE JURÍDICA: ALGUMAS
4.1.1. Análise de dados empíricos, a fim de compatibilizar a decisão com a realidade
No lugar de princípios genéricos e dogmas, propõe-se a análise de dados empíricos
fornecidos, sobretudo pela Economia, a fim de que a decisão se aproxime da realidade. Não se
pode negligenciar que as decisões judiciais têm impacto na vida das pessoas e, no caso dos
royalties, inclusive na situação de estados e municípios.
Ana Isabel Mendes e Marcio Renan Hamel
184sustentam que o ensino do Direito deve
buscar a interação social; que não deve limitar-se a normas, doutrinas, precedentes, mas
buscar a compreensão, pelo jurista, da realidade social.
Cláudia Monteiro sustenta que as decisões devem ser racionais. A racionalidade está
relacionada diretamente à análise da realidade. Uma decisão racional, de acordo com a autora,
é aquela que se conecta com o mundo fático. Confira-se:
O debate sobre a racionalidade das decisões evidencia que os comportamentos reais dos indivíduos em Sociedade devem ser considerados para a formulação do que venha a ser um comportamento racional. Isso porque, se a maioria das prescrições é
184HAMEL, Marcio Renan; MENDES, Ana Isabel. A dogmática e o discurso jurídico entre a ciência e a
calcada na ideia de um agente de decisão idealmente racional, elas perdem a conexão com a realidade do comportamento de agentes de decisão do mundo fático185.
No caso da distribuição das rendas advindas da atividade petrolífera, devem ser
observados dados empíricos como: o volume da produção de petróleo; a estimativa de
produção e de receitas futuras; os impactos da atividade petrolífera e quais são as localidades
impactadas; se os critérios de rateio atuais contemplam as localidades de fato impactadas; se o
valor dos royalties e PE corresponde ao valor dos riscos e danos decorrentes da atividade; o
valor distribuído a cada ente federado; a destinação dos royalties e PE – se contribui para o
desenvolvimento nacional e para a justiça intergeracional –; quais as razões que levaram o
Congresso Nacional a estabelecer novas regras de distribuição de royalties e PE; se as regras
atuais são justas do ponto de vista econômico; as consequências econômicas e sociais da
hiperconcentração de recursos resultante da partilha atual; as consequências da mudança das
regras para os estados e municípios produtores; e para os estados e municípios não
produtores.
Vale ressaltar que os fundamentos detalhados nas Tabelas 3 a 11, sobretudo aqueles
apresentados pelo Legislativo, pelos demais atores processuais e por juristas e economistas,
abordam os fatores enumerados acima.
Entende-se que tais dados correspondem a fatos econômicos e políticos relevantes
para a tomada de decisão acerca da partilha do pré-sal. Daí a necessidade de serem avaliados.
4.1.2. Necessidade de diálogo com outras disciplinas (interdisciplinaridade)
A abertura do Direito a outras disciplinas – que estudam os aspectos empíricos do
problema – é fundamental para que as decisões jurídicas reflitam fatos e escolhas políticos e
econômicos relevantes, pois favorece a aproximação do Direito com a realidade. A
enumeração dos dados relevantes para a decisão constante do tópico anterior evidencia a
necessidade de buscar auxílio em outras disciplinas, já que o direito não os tem por objeto de
estudo.
A partilha do pré-sal é questão de cunho eminentemente econômico, daí porque buscar
apoio em pesquisas e artigos de economistas sobre o tema é fundamental. Além disso, são
mais seguros, porque comprovados por meio de dados empíricos.
185MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial, p. 6110. Disponível em:
Reconhecendo a necessidade da análise dos problemas jurídicos com apoio em outras
disciplinas e constatando a inadequação do ensino jurídico no Brasil, Ana Mendes e Marcio
Hemel propõem que “a formação dos magistrados, advogados, promotores, servidores e
demais juristas seja pautada na interdisciplinaridade, a fim de que esta atue como suporte ao
direito nos âmbitos filosófico, psicológico e sociológico
186.”.
A interdisciplinaridade é defendida também por Claudia Servilha que, ao apresentar os
“Fundamentos da Teoria da Decisão no Direito”, afirma que as decisões judiciais devem
apoiar-se nos conhecimentos da Matemática, da Economia, da Filosofia, da Psicologia, da
Ética e das Ciências Sociais
187.
A fundamentação, nesse contexto, não é vista somente como uma exigência técnica da
dogmática das decisões judiciais, mas como forma de legitimação da atividade jurisdicional.
Assim, uma decisão legítima seria aquela que se apoia em razões aceitas pela sociedade, as
quais estão relacionadas não apenas com o ordenamento jurídico vigente, mas também com
questões de ordem social, econômica e ambiental, dentre outras
188.
Alexandre Morais da Rosa, ao explorar a temática dos fundamentos da decisão judicial
no crime, defende a interdisciplinaridade, ao concluir que um diálogo com a psicanálise
contribuiria para uma sentença penal mais adequada
189.
No que se refere ao trato de questões econômicas, a “Análise Econômica do Direito” -
AED (inspirada na Law and Economics americana) defende a ideia de que as normas e
decisões judiciais devem ser elaboradas objetivando a maior eficiência possível, a qual será
desvendada através do emprego de ferramentas teóricas e empíricas da Economia e das
ciências afins. Assim, ao decidir, o juiz deve considerar a relação custo-benefício entre as
opções possíveis, optando pela solução que seja mais eficiente
190.
A AED é importante porque abre o caminho do Direito para a Economia. No entanto,
é incapaz de contemplar ideais de justiça – que podem ter significados não econômicos --
reconhecíveis pela sociedade, na medida em que se limita às ferramentas da Economia
neoclássica. Nesse sentido, considera que o homem toma decisões sempre visando à
186HAMEL, Marcio Renan; MENDES, Ana Isabel. A dogmática e o discurso jurídico entre a ciência e a
realidade. Direito e Práxis, vol. 04, n. 01, p. 136, 2012.
187MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial, p. 6106-6109. Disponível em: <www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em 7 fev. 2015. 188 Id. Ibid., p. 6110-6112.
189 ROSA, Alexandre Morais da. Fundamentos da decisão judicial: crime e psicanálise. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.8, n.3, 3º quadrimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 5 fev. 15.
190 RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 18 e 29.
maximização dos resultados (ou seja, desconsidera que há inúmeros outros fatores que
influenciam a tomada de decisões, como os valores e ideais humanos), e considera que as
decisões devem buscar a máxima eficiência econômica (sem se preocupar com a justiça do
que será decidido).
Contrapondo-se à AED, Marcus Faro de Castro propõe a “Análise Jurídica da Política
Econômica” (AJPE), abordagem que também tem por objetivo “encorajar a abertura
interdisciplinar do estudo do Direito no trato de questões economicamente relevantes”, mas
que não se restringe à Economia neoclássica, interagindo com estudos econômicos de
orientação institucionalista, como também a Antropologia Econômica, a Sociologia
Econômica, a Ciência Política e a Sociologia Política. Ademais, a AJPE defende que as
decisões sobre políticas econômicas devem buscar a justiça econômica, ou seja, a máxima
fruição de direitos humanos fundamentais pelos indivíduos, e não a mera eficiência almejada
pela AED que, não raras vezes, gera injustiça
191.
Nesse sentido, a AJPE é ferramenta mais adequada para orientar a decisão acerca do
rateio dos royalties e PE do petróleo entre os entes federados, pois além de ser necessário
levar em conta os aspectos econômicos envolvidos para decidir, é preciso verificar se a
mudança na distribuição dos frutos do petróleo tem condições de garantir maior fruição de
direitos por parte das populações envolvidas, sobretudo porque parte dessa riqueza está
vinculada a gastos em educação e saúde, nos termos do art. 2º da Lei nº 12.858/13
192.
A abordagem interdisciplinar é facilmente identificada no artigo “Custos e rendas na
distribuição federativa dos recursos do pré-sal”, de autoria de Brosio – economista – e
Loureiro – jurista –. Após defenderem a impossibilidade de se decidir a questão por meio do
191 CASTRO, Marcus Faro de. Análise jurídica da política econômica. Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central, v. 3, n. 1, p. 23 e 40, jun. 2009.
192Art. 2º Para fins de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal, serão destinados exclusivamente para a educação pública, com prioridade para a educação básica, e para a saúde, na forma do regulamento, os seguintes recursos:
I - as receitas dos órgãos da administração direta da União provenientes dos royalties e da participação especial decorrentes de áreas cuja declaração de comercialidade tenha ocorrido a partir de 3 de dezembro de 2012, relativas a contratos celebrados sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 12.276, de 30 de junho de 2010, e 12.351, de 22 de dezembro de 2010, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva;
II - as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios provenientes dos royalties e da participação especial, relativas a contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 12.276, de 30 de junho de 2010, e 12.351, de 22 de dezembro de 2010, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva;
III - 50% (cinquenta por cento) dos recursos recebidos pelo Fundo Social de que trata o art. 47 da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, até que sejam cumpridas as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação; e IV - as receitas da União decorrentes de acordos de individualização da produção de que trata o art. 36 da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010
.
uso de elementos de compreensão tradicionais, como a “natureza jurídica” e a defesa de
“direitos adquiridos”, propõem uma interpretação interdisciplinar do art. 20, §1º da
Constituição. A interpretação sugerida trata a distinção entre “participação no resultado” e
“compensação financeira” como uma diferença de caráter econômico que se apoia nos
conceitos de renda e custo. Os autores defendem que essa “estratégia interpretativa”, além de
tornar a norma mais compreensível, auxilia na resposta à questão por eles lançada: se é
possível estabelecer critérios de rateio de royalties e PE diferenciados, conforme a exploração
do petróleo se dê onshore ou offshore
193.
Sem dúvida, a interpretação do art. 20, §1º da Constituição proposta pelos autores é a
mais apropriada para tratar da problemática de distribuição das receitas do petróleo, pois ao
mesmo tempo que atenta para os aspectos jurídicos que envolvem o tema, não descura dos
aspectos econômicos relevantes.
4.1.3. Análise das consequências da decisão judicial
Propõe-se, ainda, como categoria jurídica alternativa àquelas das visões dominantes do
direito, que o juiz dimensione os impactos de suas decisões no mundo dos fatos por ocasião
do julgamento das demandas que lhe são submetidas.
Para dimensionar as consequências de sua decisão, sugere-se que o juiz observe alguns
parâmetros: a) preserve ao máximo a vontade do legislador, bem como as consequências que
ele levou em consideração ao elaborar a lei; b) não limite a abordagem às consequências
jurídicas; c) considere as consequências da decisão para os dois lados envolvidos na demanda;
e d) privilegie as necessidades humanas e sociais.
Os parâmetros propostos acima têm inspiração no consequencialismo de Neil
MacCormick, cuja exposição sintética se faz necessária.
O pensamento desenvolvido por Neil MacCormick acerca do consequencialismo
encontra-se inserido no âmbito da teoria da argumentação jurídica. Em sua obra
“Argumentação Jurídica e Teoria do Direito”, o autor repensa os elementos da argumentação
que não são dedutivos
194– e aí se inserem os argumentos consequencialistas. A questão que
193BROSIO, Giorgio; LOUREIRO, Gustavo Kaercher. Custos e rendas na distribuição federativa dos recursos
do pré-sal. Revista de direito público da economia, v. 12, n. 46, p. 82 e 89, abr./jun. 2014.
194 O argumento dedutivo é aquele auferido através do enquadramento exato do fato na norma – a verdade das premissas, fato e norma, assegura a verdade da conclusão (consequência legal do fato).
busca enfrentar é a seguinte: como pode a argumentação jurídica avançar quando tivermos
“esgotado as normas”?
195O modo consequencialista de argumentar pondera os impactos de adotar uma
deliberação para as duas partes envolvidas no litígio, “pelo menos até o ponto de examinar os
tipos de decisão que teriam de ser tomados em outros casos hipotéticos que poderiam ocorrer
e que se enquadrariam nos termos da deliberação”
196.
E como seria realizada a escolha dentre os argumentos consequencialistas?
MacCormick afirma que:
A argumentação consequencialista de fato trata de estabelecer que uma deliberação preferida é a melhor em vista de todas as considerações. Contudo, essa conclusão quanto à “melhor” não é determinada por referência a uma única escala de avaliação (por exemplo, a escala do prazer – dor como no utilitarismo hedonista de Bentham). Ela é uma sentença definitiva expressa como soma dos resultados cumulativos ou concorrentes da avaliação por meio de referência a uma série de critérios de valor, aí incluídos a “justiça” e “senso comum” bem como o “proveito público” e a “conveniência” 197 .
Os juízes teriam acesso a tais argumentos por meio dos advogados das partes que, em
suas defesas, demonstrariam todos os impactos possíveis de uma decisão favorável ou
desfavorável aos seus clientes.
198Importante frisar que as consequências que importam para MacCormick são as de
caráter jurídico – as que reforçam as normas e princípios que alicerçam o sistema jurídico –,
bem como aquelas com potencial universalizador. O juiz deve ter em mente que a sua decisão,
e os fundamentos dela poderão ser aplicados para casos semelhantes futuros. Por isso, a
decisão deve prestigiar os valores que o ordenamento jurídico visa proteger. Ademais, para
que as decisões judiciais orientem decisões futuras, é necessário que a sua justificação tenha
potencial para ser universalizada, de modo que a decisão possa se tornar “norma” aplicável
aos casos similares
199.
MacCormick defende, ainda, que o uso de argumentos consequencialistas encontra
limites nas normas jurídicas, ou seja, eles não devem ser utilizados quando forem contrários
195 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, preâmbulo, p. IX.
196 Id. Ibid., p. 133. 197 Id. Ibid., p. 147. 198 Id. Ibid., p. 152-157.
199 Id. Retórica e Estado de Direito: uma teoria da argumentação jurídica. Trad. Conrado Hübner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 120 e 133.