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As expressões dos sujeitos da pesquisa sobre os objetos de suas necessidades de saúde

e suas ações no sentido de qualificar “o modo de andar a vida”, foram analisadas em uma

estrutura cronológica coerente à análise temática de conteúdo de Bardin (2009)11, que prevê: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Como já citado na descrição da coleta de dados, à medida que as entrevistas foram realizadas e submetidas à transcrição, iniciou-se a pré-análise com leituras repetidas dos textos, que possibilitaram a compreensão das ideias gerais e a projeção da teoria das necessidades no conteúdo das entrevistas.

A partir do contato inicial com os textos transcritos, foi possível visualizar os caminhos para o a exploração do material. Desta maneira, destacaram-se dos textos transcritos, os fragmentos e frases que, semanticamente, remetiam aos temas contemplados na Taxonomia de Necessidades de Saúde (MATSUMOTO, 1999). Observou-se que esses fragmentos poderiam contemplar, simultaneamente, diferentes necessidades de saúde, o que impossibilitou a classificação de palavras ou frases.

Esta característica dos textos, decorrente das entrevistas com os homens, é coerente com a natureza das necessidades, considerando a perspectiva adotada no estudo. As necessidades relacionam-se e são interdependentes. Para que uma necessidade exista para um sujeito, necessariamente outras existirão, simultaneamente; em contrapartida, a existência destas necessidades significa, também, a ausência de outras tantas. Isso pode ser compreendido, pois quando um sujeito dá visibilidade a uma necessidade não reconhecida socialmente, reestrutura todo um sistema de necessidades (HELLER, 1986).

Desta maneira, das frases ou fragmentos foram retiradas unidades de significação.

Para Bardin (2009, p. 131), “as unidades de significação ou temas se libertam naturalmente dos textos analisados segundo critérios relativos à teoria que serve de guia a leitura”. No

entanto, a taxonomia de necessidades de saúde serviu como critério para que fosse possível listar as unidades de significação submersas nas expressões dos sujeitos, que representavam suas necessidades de saúde.

Segundo Cecílio (2001, p. 12) para compreender as necessidades de saúde e atende-las de modo a buscar a integralidade é preciso que os profissionais ou, no caso, o pesquisador,

façam “a escuta da maneira mais completa possível” das demandas, assim permitindo que as

reais necessidades submersas nestas expressões sejam traduzidas. De acordo com o autor, a capacidade e a sensibilidade do receptor do discurso são fundamentais para a compreensão das necessidades.

Assim, expressões dos sujeitos são constituídas por demandas que precisam ser interpretadas, considerando a posição que os homens assumem em seu contexto de vida para possibilitar a emersão das necessidades de saúde. Bardin (2009) considera que na análise de conteúdo, muitas vezes é imprescindível para a compreensão da significação da unidade de registro, fazer referência ao contexto próximo ou longínquo da unidade a se registrar.

A seguir, no Quadro 2, estão esquematizados os temas elencados pelos autores da taxonomia de necessidades de saúde. Em consonância a esses temas, as unidades de significação encontradas das entrevistas foram agrupadas.

Quadro 2- Quadro comparativo entre a Taxonomia de Necessidades de Saúde (MATSUMOTO, 1999) e as Unidades de Significação encontradas no estudo

Fonte: Adaptado de MEHRY, E., 2002, p. 7. NECESSIDADES DE SAÚDE DE INDIVÍDUOS E/OU GRUPOS SIGNIFICADOS SEGUNDO A TAXONOMIA DE NECESSIDADES DE SAÚDE UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO ENCONTRADAS A PARTIR DOS DADOS Necessidade de boas condições de vida

Boa moradia, alimentação, transporte, lazer, meio ambiente adequado, viver em processos sociais de inclusão.

Ter boas condições de trabalho; boa alimentação; fruir de outras atividades que não sejam o trabalho; presença da mulher; Necessidades morais e espirituais.

Garantia de acesso a todas as tecnologias que

melhorem e prolonguem a vida

Sempre que for necessário poderá e deverá consumir serviços de saúde (saberes, equipamentos e práticas) que possam impactar e qualificar seu modo de andar na vida.

Ter acesso a informações e educação em saúde; ter acesso a serviços de saúde nos diversos níveis de assistência; ser incluído nas ações da ESF.

Necessidade de ser acolhido e ter vínculo com um profissional ou equipe (sujeitos em relação)

Poder acessar e ser recebido e bem acolhido em qualquer serviço de saúde que necessitar, tendo sempre uma referência de responsabilização pelo seu atendimento dentro do sistema.

Ter acolhimento de qualidade nos serviços de saúde sempre que precisar; ser acolhido considerando suas diferentes masculinidades; ter a saúde acompanhada por uma equipe de referência; construir vínculo com os profissionais.

Necessidade de autonomia e autocuidado na escolha

do modo de “andar a vida”

(construção do sujeito)

Ser tratado como sujeito do saber e do fazer, em produção, que irá a cada momento “operar” seu próprio modo de andar na vida.

Qualificar o modo de andar a vida; ter apoio para construir autonomia para o autocuidado; ter a autonomia reconhecida na escolha do modo de andar a vida.

A taxonomia de necessidades em saúde funcionou como instrumento capaz de listar, descrever as necessidades de saúde dos homens. Entretanto, sendo as necessidades interdependentes e dinâmicas, para que as categorias fossem capazes de representar o movimento dialético implicado na construção e reconstrução das necessidades de saúde, não se seguiu uma lógica descritiva linear, classificatória, como na taxonomia. As categorias construídas a partir dos resultados representam a relação que os homens estabelecem com o meio, transformando-o e a si mesmo na busca pela satisfação das necessidades de saúde.

Neste sentido, as categorias provenientes da interpretação dos resultados, à luz do referencial teórico sobre necessidades, utilizando como técnica a análise temática de conteúdo são:

 A centralidade do trabalho na determinação das necessidades de saúde.

 O acolhimento e o vínculo: marcas de valor das práticas profissionais na atenção

primária à saúde.

 As masculinidades e alienação dos homens em relação às práticas e tecnologias de

saúde: limites da autonomia e do autocuidado.

A seguir, a figura 3 representa os quatro grupos de necessidades em saúde (MATSUMOTO, 1999) em um esquema que visa ilustrar a diferenciação entre elas, a interdependência e a dinamicidade a que estão submetidas, partindo do princípio de que para satisfazer necessidades de saúde radicais os sujeitos precisam superar contradições em seu modo de vida.

Figura 3 – Representação da interdependência e dinamicidade dos grupos de necessidades de saúde, a partir da Taxonomia de Matsumoto (1999)