• Nenhum resultado encontrado

Passos, Kastrup e Tedesco (2015) delineando a experiência cartográfica, apontam que a cartografia se afasta das metodologias pautadas apenas na informação. Nesta medida, o método da cartografia se ancora em uma compreensão da cognição inventiva e em uma política cognitiva criadora, reafirmando o seu afastamento da abordagem teórica e da política cognitiva da representação de um mundo supostamente dado. Sua prática guarda sempre uma dimensão que avessa a unificações. A diretriz de sua investigação é o acesso ou produção do plano de forças que responde pela criação ou transformação de experiência.

Discorrendo sobre o problema da análise de dados na pesquisa cartográfica, Barros e Barros (2015) apontam que um determinado objeto, torna-se o ponto de partida para acessar a experiência. Neste sentido, analisar é um procedimento de multiplicação de sentidos e inaugurador de novos problemas. Portanto, a atitude da análise não se confunde com um padrão fixo de procedimentos metodológicos, nem com o emprego de uma determinada sequência de etapas, mas acompanha todo o processo, permitindo que essa compreensão inicial passe por transformações. A objetividade, neste tipo de pesquisa, não está situada em uma anterioridade em relação à própria pesquisa, em um suposto domínio isento de subjetividade.

A objetividade que se busca “é a da experiência com o dispositivo de pesquisa, na qual observador e observado se articulam de maneira singular” (Barros & Barros, 2015, p. 188). Não se concebe para a investigação científica a meta da generalidade, nem conseguir, na análise dos dados obtidos, generalizações. Pois, Deleuze (1988) já estabeleceu a diferença de natureza entre a repetição e a generalidade, esta revela sempre a semelhança e a igualdade, a identidade e o conceito, a lei geral; enquanto aquela se refere sempre à diferença e produção do real:

Se a repetição pode ser encontrada, mesmo na natureza, é em nome de uma potência que se afirma contra a lei, que trabalha sob as leis, talvez superior às leis. Se a repetição existe, ela exprime, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um notável contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. Sob todos os aspectos, a repetição é transgressão. Ela põe em questão, denuncia seu caráter nominal ou geral em proveito de uma realidade mais profunda e mais artística (Deleuze, 1988, p. 21)

Na pesquisa cartográfica, não se espera tecer uma explicação para o acontecimento, determinando-lhe causas históricas. Ao contrário, procura-se reencontrar as conexões, os encontros, os apoios, os bloqueios, os jogos de força etc. Tal procedimento, em vez de tender para uma unificação de sentido e determinação de uma causa, reencontra uma multiplicidade que desaparecera na constituição do dado histórico. Na cartografia, o acesso à uma objetividade tende à uma proliferação de sentidos e singularização, em vez de se restringir em um sentido único. A experiência que está na base da pesquisa é, portanto, criadora. A abertura à multiplicidade de sentidos se dá ao longo de todo o processo e sustentar essa abertura é uma das tarefas principais da análise na pesquisa (Passos, Kastrup e Tedesco, 2016).

Assim, para efetivar este tipo de análise de dados, próprio da Pesquisa na Cartografia, após as transcrições dos áudios gravados durante as entrevistas, submetia-se as mesmas às leituras sucessivas. Inicialmente, buscando apreender os múltiplos sentidos que cada entrevistada apresentava em sua fala sobre cada um dos temas apresentados. Nesta primeira etapa da análise, o que se buscava era apreender as representações, concepções e crenças evocada em cada professora por cada um dos temas. Eventuais vivências ou experiências mencionadas eram consideradas apenas em seu conteúdo expresso.

Em uma segunda etapa, após releituras das transcrições, explicitava-se os processos, tanto aqueles próprios das experiências, vivências ou afetos expressos a propósito dos temas, como também processos transversais, aqueles que pareciam permear os relatos evocadas em cada um dos temas. A suposição é de que tais processos transversais expressassem legitimamente a singularidade dos processos de produção de subjetividade de cada uma das entrevistadas. Ainda, nesta segunda etapa de análise, buscou-se sempre apreender o processo geral que a entrevista assumira no relato da entrevistada e na sua interação com a entrevistadora. Embora este último aspecto não tenha aparecido de forma evidente em todas as entrevistas.

Do ponto de vista teórico, da Pesquisa na Cartografia, se assume, no presente dispositivo de coleta e análise de dados, que os relatos apresentados em cada tema proposto se refiram à implicação da pesquisadora na coleta, ou seja, sua diretividade. Pois, embora a estratégia de entrevista, tal como descrita anteriormente, buscasse diminuir ao máximo, não se pode negar que havia uma proposição temática que dirigia a entrevista. Este tipo de dado poderia ser referido como fruto da horizontalidade da entrevista, já que havia uma clara opção pela sua não verticalidade. Estes dados já expressam a singularidade dos processos de cada participante.

Além dos dados da horizontalidade, surgiram os relatos de experiências, vivências e afetos que se repetiam nos diversos temas, e, em alguns casos, até se processualizavam, aprofundando, ou mesmo assumindo direções diferentes daquelas nas quais se apresentara inicialmente. A estes deve-se referir como transversais. Em geral, se apresentam para além do controle do entrevistado ou do entrevistador, os atravessam, provenientes da situação de entrevista. Estes relatos se atribuem a um agenciamento que se constituiria entre os participantes, a partir do momento em que se agenda o Acontecimento Entrevista, permeando todo o seu desenrolar. Mas, também se supõe, a partir do referencial teórico da Cartografia, que nem sempre, tais agenciamentos assumem uma enunciação coletiva suficiente para serem reconhecidos pelos participantes. Sua presença é sempre suposta, mas como implícita, latente, inconsciente, caracterizando o que se denomina “agenciamento maquínico de corpos, ações e paixões”. A expressão a nível de enunciados caracterizaria o “agenciamento coletivo de enunciação” correspondente.

Considerando que o que se busca é destacar a singularidade e não generalidade dos dados, na seção apropriada, serão apresentados os resultados das análises dos dados individualmente, como estudo de casos, cada um deles em duas

partes, uma referente aos temas, caracterizando a horizontalidade, e outra, que referiremos como “processualidades”, que decorrem da transversalidade da entrevista como processo.

Documentos relacionados