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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3. Análise das entrevistas semi-estruturadas

4.3.1. Processo de modernização portuária

Ao serem questionados sobre o período anterior à modernização portuária, os participantes relataram que havia mais respeito pelas atividades por eles desenvolvidas e um sentimento de maior autonomia no trabalho. Nessa direção, afirmaram que o trabalhador tinha mais domínio sobre o processo de trabalho, incluindo a distribuição e planejamento no embarque e desembarque de mercadorias. Relataram, ainda, que a remuneração era suficiente para que pudessem optar por deixar de trabalhar por alguns dias durante o mês, possibilitando maior tempo para descansar e

45 convívio com a família. Assim, ressalta-se que, no passado a condição dos trabalhadores avulsos assegurava-lhes o controle sobre o mercado de trabalho, reforçava o sentimento de pertencimento em relação à administração portuária, moldava suas ações no enfrentamento das contingências do trabalho cotidiano e estruturava as formas simbólicas que orientavam suas percepções sobre sua existência (GOMES & JUNQUEIRA, 2008). Os relatos abaixo ilustram tais situações:

“Não precisava você correr e trabalhar muito podia escolher algumas coisas, ir embora, descansar.” (P6)

“Hoje em dia você já não tem mais tempo para o convívio familiar, você não tem nem tempo e nem dinheiro pra fazer uma atividade com a sua família.” (P3)

Os trabalhadores portuários tinham mais autonomia, mais especificamente a categoria dos conferentes, valorizada por sua participação na “gerencia global do navio” (P2), participava do planejamento estratégico do processo de carga e descarga e por isso a função de conferente era respeitada e valorizada pelos pares no trabalho. Os trabalhadores referiram que no período anterior à modernização detinham parte do controle do trabalho e percepção de poder de escolha de realização ou não do trabalho. Tais elementos culturais davam significado à existência da profissão – que ganhava sentido na passagem do conhecimento de pai para filho e na exclusividade do ofício – e eram a expressão da própria vivência estivadora pelo

46 sentido de autonomia, controle da organização, pertencimento e hierarquia consentida ao sindicato (GOMES & JUNQUEIRA, 2008).

“...tinha que ser polivalente. Ter 1, 2 ou 3 navios dentro da cabeça, não era pra qualquer um...” (P2)

Ainda no período anterior à lei de modernização portuária, os participantes descreveram que a organização e estrutura física precárias possivelmente favoreciam a ocorrência de acidentes de trabalho e de conflitos entre os trabalhadores. Houve relatos sobre maior frequência de uso de substâncias psicoativas no período anterior à modernização do porto, principalmente de álcool, entre os trabalhadores. Havia presença de mais agressividade justificada pelos trabalhadores como artifício necessário para manter a organização do trabalho num ambiente sem relações hierárquicas bem definidas.

“...antigamente, estivador era sinal de violência. Todo estivador andava armado ou era com faca ou era com arma de fogo e se você falasse um palavrão pra mim, você tomava um tiro e acabou.” (P3)

“...bagunça total...”; “Trabalho na base da ignorância”; “Todo mundo mandava”; ”todo mundo era patrão.” (P5)

“A escala de trabalho antes era no grito, você só levava quem conhecia.” (P8)

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“Era muito bagunçado no porto”; “Quando eu entrei no porto, eu estranhei muito isso, qualquer pessoa entrava no porto, os trabalhadores, muitos, iam trabalhar drogados, alcoolizados.” (P14)

Sobre o período após a Lei no 8.630/93, os trabalhadores relacionaram a modernização do porto a aspectos como: maior organização, disciplina e seriedade no trabalho. Tais avanços foram também referidos em estudos que tiveram o Porto de Santos como objeto (MACHIN et al., 2009; SOARES et al., 2008; DIÉGUEZ, 2007; AGUIAR et al., 2006; OLIVEIRA, 2006). O desenvolvimento técnico e o aumento da produtividade vieram também acompanhados de modificações na forma de seleção dos trabalhadores para o trabalho, o que proporcionou maior distribuição de trabalho, rodízio de grupos de trabalho e de cargos de chefia (GONÇALVES & NUNES, 2008). Segundo os trabalhadores entrevistados, essas modificações no processo de trabalho geraram como consequência maior respeito entre os trabalhadores e, possivelmente colaboraram para a diminuição de episódios de violência resultantes da disputa por trabalho.

“Existe uma máxima entre nós que é assim, o porto é redondo... Ele

pode estar chefe agora comigo, mas eu estar chefe amanhã mesmo ou daqui uns dias.” (P4)

“Depois que o OGMO entrou... ...ficou dividido o trabalho, ficou igual pra todo mundo.” (P8)

48 Além disto, relataram que os conflitos entre os trabalhadores surgiam anteriormente por questões relativas a diferentes interesses, principalmente quando poucos detinham o poder de distribuir o trabalho e, assim, privilegiavam alguns colegas com atividades melhor remuneradas. Também, segundo os relatos dos TPAs, houve aumento de fiscalização por parte do OGMO e das operadoras, o que acarretou em diminuição no número de acidentes de trabalho em função do aumento da utilização de equipamentos de proteção individual. Essas modificações são acompanhadas de sentimentos de maior segurança no trabalho.

“A escala de trabalho antes era no grito, você só levava quem conhecia.” (P8)

“O OGMO como um órgão do governo, e botou mais respeito, mais disciplina”; “Estou satisfeito... ...o trabalho está melhorando, eles estão dando mais condições para o trabalhador. Estão cuidando mais da segurança do trabalhador, coisa que não tinha antes.” (P5)

Entretanto, argumentando no sentido contrário ao encontrado nos relatos deste estudo, foi realizado um estudo com objetivo de analisar a ocorrência de acidentes de trabalho entre os trabalhadores da estiva no Espírito Santo, no período de 1991 a 2002, e verificar quais eram os fatores de risco presentes nessas atividades (BOURGUIGNON & BORGES, 2006). O referido estudo, de base epidemiológica e descritiva, analisou as comunicações de acidentes de trabalho arquivadas no sindicato da categoria. Os resultados mostraram um aumento no coeficiente de acidentes de

49 trabalho a partir da mudança de gerenciamento imposta pela Lei de Modernização dos Portos, que começou a vigorar em 1996. O aumento do número de acidentes esteve associado ao aumento de produção e de redução do número de trabalhadores por terno. Os autores afirmaram que os acidentes poderiam ser explicados pelas características da organização do trabalho e carga de trabalho da estiva (aumento do volume de trabalho e redução do número de homens por terno), que segundo eles, constituem indicadores do desgaste físico e mental presente na categoria. Assim, o aumento da produtividade, com consequente maior remuneração dos trabalhadores, poderia estar conduzindo a maiores riscos para o trabalhador. Adicionalmente, pode-se supor que a sistematização das atividades propiciou que dados até então subnotificados e, portanto, presentes, tornassem públicos, o que é de fundamental importância em um processo de melhoria da organização do trabalho.

Apesar de ter ocorrido relatos dos participantes que apontaram para alta presença de consumo de substâncias psicoativas entre os TPAs durante a jornada de trabalho, houve também relatos de diminuição do uso de álcool e drogas entre os TPAs após as mudanças ocorridas com a modernização. A constatação de uso de drogas nas paredes (locais de seleção de trabalho), na área costeira (local de trabalho), bem como o relato de uso no convés e no interior dos navios, permitiu supor que o ambiente portuário é tolerante ao uso de tais substâncias, o que é preocupante. Os relatos abaixo ilustram tal situação:

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“Se você for na parede de escalação do OGMO, você vai ver lá pessoal queimando fumo direto, cheirando, pitando, usando crack, ali do lado.” (P14)

“Quem gosta de usar droga chega no cais e acha o paraíso, tem senhor de 60 anos, fumando um baseado todo dia de manhã. Sabe, dando um tirinho, cheirando cocaína e passando lá.”; “é só ir no banheiro usa e volta, aí você segura a tua onda.” (P12)

...é escuro e tal você, fuma na cara dura, mas eles às vezes fumam dentro do navio. Dentro do navio é propriedade do navio, pisou no navio você tá em território estrangeiro, quem manda é a tripulação. Se tá no navio eu não vou falar pra você:- pô apaga o baseado. O que é isso que você tá cheirando, o que você tá bebendo, o quê? Não muitas, vezes a tripulação do navio troca: aparelho celular por engradado de cerveja. O cara vai lá e traz a cerveja e pega o celular. E ele vai abrir e vai beber ali, que tipo de fiscalização tem ali?Não vai rolar fiscalização nenhuma ali, faz o que quer. (P12)

A queda na remuneração aparece nos relatos como o efeito que mais impactou negativamente dentre as mudanças ocorridas após a lei da modernização dos portos. Os relatos descrevem quedas de 50% a 75% na remuneração pelo mesmo trabalho realizado antes.

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“O processo de achatamento, isto é, redução nos valores das taxas pagas por tonelagem e o volume movimentado sofreram um processo de achatamento violento. Sintetizando, hoje o conferente de carga e descarga, trabalha o dobro das horas que trabalhava antes pra ganhar a metade do que ganhava antes, isso é, hoje estão me pagando 25% do que me pagavam pela mesma hora trabalhada há 15 anos, 20 anos atrás, esse foi o efeito mais perverso das séries de mudanças praticadas.” (P2)

Esse fato obrigou os TPAs a estarem frequentemente próximos aos locais de seleção de trabalho, seja buscando o primeiro trabalho do dia, seja tentando uma segunda ou terceira jornada no mesmo dia, o que favoreceu o hábito e a necessidade de trabalhar, em muitos casos, até 18hs (três períodos) sem descanso. Às vezes os TPAs se deslocam até o local da escalação, e não conseguem trabalho, tendo que aguardar até a próxima escalação que ocorrerá 6 (seis) horas após. Assim, dependendo da distância, muitas vezes não é financeiramente viável voltar para casa e os trabalhadores acabam ficando nas imediações do local de trabalho.

“O cansaço é essa falsa liberdade que tem o trabalhador portuário de ir quando quiser. O que acontece? Tu fica preso ao cais, porque são 3 horários de escala, de manhã, de tarde e de noite. Não dá pra ir pra longe...” (P12)

52 O relato acima do participante 12 permitiu inferir que as características do trabalho favorecem a redução das chances de convívio com a família, bem como afetam negativamente no auto-cuidado, tais como alimentação de qualidade, regulação do sono, manutenção de atividades de lazer o que pode contribuir para o aumento de estresse. Possivelmente, tal contingência favorece comportamentos alternativos de enfrentamento da ansiedade e gerenciamento do estresse por meio da utilização de substâncias psicoativas (HAUCK & TEIXEIRA, 2011).

A maior parte dos entrevistados afirmou que no passado o trabalhador portuário era mais valorizado socialmente em virtude da boa remuneração. Tais mudanças podem estar relacionadas a sentimentos de frustração, desprezo, relatados pelos TPAs em relação ao trabalho atual.

"pisoteado, reduzido a nada" (P2)

[o trabalho no porto]: "teve o seu tempo áureo, teve seu tempo de meio

termo, e hoje nessa fase de baixa total, muita gente emocionalmente foi pro espaço". (P2)

Os trabalhadores referiram que há conflitos constantes entre o OGMO/Operadoras e trabalhadores, sendo que os trabalhadores surgem como a ponta mais frágil da relação, o que gera sentimentos de frustração e de pouca autonomia. Nos relatos surgiram afirmações como incompetência do OGMO e falta de confiança na honestidade de seus dirigentes. Além disto, as operadoras portuárias ocupam, segundo

53 os trabalhadores, os cargos mais altos na hierarquia do órgão, o que deixa os trabalhadores sem possibilidade de serem ouvidos e atendidos em suas demandas.

Apesar da Lei no 8630/93 prever um conselho de gestão do OGMO com representantes dos trabalhadores, das operadoras portuárias e dos usuários de serviços, o OGMO tem, de fato, a direção executiva do órgão indicada pelas operadoras portuárias. Assim, os trabalhadores vêem o OGMO como aliado das operadoras e não dos trabalhadores (GONÇALVES & NUNES, 2008). Adicionalmente, afirma-se que não há transparência nas decisões, nem tampouco todos os interesses são contemplados nas tomadas de decisões (OLIVEIRA, 2006)

“um bloco pró-capital e contra o trabalho, o trabalhador então o

sentimento é de frustração.” (P3)

“OGMO há muito anda à margem da lei” (P4); “muita falcatrua” (P7); “um órgão parcial.” (P14)

“benefícios só pros operadores, pro patrão.”(P3)

4.3.2. Estresse: cansaço físico e mental relacionado ao trabalho

O trabalho no porto é historicamente relacionado a uma atividade desgastante por promover sobrecarga física e exposição a ambientes hostis (GITAHY, 1992, GONÇALVES & NUNES, 2008). Segundo relato dos participantes, no Porto de

54 Santos suas atividades são desenvolvida sem condições de trabalho extremas, como contato com produtos químicos no ar, poeira, exposição a condições climáticas muitas vezes contrastantes em um mesmo dia, altura, exposição ao balanço do mar, locais com pouca ventilação e cheiros fortes. Tais relatos descrevem um ambiente físico insalubre, com alto risco de acidentes e diretamente relacionados à produção de estresse físico e psicológico entre os trabalhadores.

[Entrevistador]: “E como os esforços podem prejudicar a saúde?”

[Participante 12]: “Todo o trabalho de turno, por rodízio termina

afetando [a saúde]. Só quem trabalha no turno da 1 da madruga até as 7 da manhã, de baixo de poeira e driblando caminhão, sabe o que é isso.”

Assim, os trabalhadores descreveram o trabalho como uma atividade de alto risco, pontuando que dificilmente há acidentes de trabalho considerados leves, tais episódios envolvem geralmente amputações ou morte. No estudo realizado por Soares et al. (2008), a maioria dos TPAs (93,46%) do Porto de Rio Grande no extremo sul do Brasil reconheceu que existem riscos à saúde no trabalho, corroborando com os achados desse estudo. Segundo o estudo de Soares et al. (2008), os riscos identificados foram: queda de objetos suspensos, ruídos, intempéries, levantamento manual de carga, ferramentas de trabalho, componentes dos ternos em número abaixo do ideal, ganho por produtividade, ritmo de trabalho, trabalho em altura, deslocamento do trabalhador sobre as cargas e escadas de acesso às embarcações.

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“ou você mutila braço, perna, mão ou você morre. Não tem acidente assim de quebrar, fica passando o aparelho em cima do mar com você... dá uma tremedeira que quando você sai do trabalho, quando você desce no chão, você tá mole, fica desanimado. A descarga de adrenalina te deixa assim e você vai embora. Pra morrer é assim, oh!”

(P12)

O estresse gerado pela sobrecarga de trabalho e pela exposição a um ambiente hostil foi um fator consensual entre os trabalhadores entrevistados. Entre tanto há uma somatória entre a natureza de desgaste físico intrínseco da própria atividade e o desgaste mental produzido pela organização do trabalho, principalmente em relação a: sazonalidade das atividades, distribuição de trabalho, remuneração e relação com os empregadores. Este dado dialoga com os dados do estudo realizado por Santos e Cardoso (2010) com profissionais de saúde mental que apontou que fatores como sobrecarga de trabalho, má gestão do trabalho, dificuldades na execução do trabalho em equipe, dificuldades no relacionamento interpessoal e baixa remuneração foram fatores mais frequentemente relacionados à percepção de estar sob estresse excessivo.

Como apresentado anteriormente, a dificuldade de gerenciar o estresse foi observada também nos resultados do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL), nos quais 10 dos 17 participantes do presente estudo apresentaram quadros de estresse. Entre os participantes, dois deles se encontraram na fase de quase exaustão. Complementarmente, em resposta à entrevista semi-estruturada, o desgaste mental foi

56 considerado, pela maioria dos entrevistados, como o fator mais importante para o surgimento e exacerbação do estresse. Assim, entende-se que, tanto a dinâmica da presença constante no local de seleção para o trabalho, como a necessidade de fazer mais de uma jornada quando há trabalho disponível tem profundo impacto na etiologia do estresse entre os TPAs. Além disto, a presença de conflitos entre OGMO/trabalhadores, operadoras portuárias/trabalhadores e a forma como se dá a organização do trabalho relatada pelos TPAs pode intensificar o estresse vivenciado.

Pode-se inferir que a dinâmica ilustrada potencializa o estresse inerente ao trabalho. As queixas mais frequentes dos trabalhadores foram referentes à inconstância de trabalho e à organização da seleção, sendo que relacionaram os dois fatores como variáveis determinantes para produção de ansiedade e de conflitos entre os trabalhadores.

“Mais desgaste assim no trabalho não é físico, é mais mental... é essa

ansiedade de querer ganhar, de querer produzir...” (P15)

“...uma selvageria no ponto de escala, um querendo trabalhar mais que

o outro”; "não tem quem não se estresse com a escala.” (P12)

“E é naquele pensamento de querer agilizar para produzir que acontecem acidentes. Um subiu no navio, pelo contêiner e caiu, morreu.” (P5)

57 Os relatos evidenciaram que o estresse excessivo e a sobrecarga de trabalho podem também ser entendidos pelos trabalhadores como desencadeadores de acidentes de trabalho. Segundo os TPAs, o estresse em excesso diminui a capacidade de concentração do trabalhador durante a realização das tarefas. Por sua vez, a sobrecarga de trabalho gera cansaço físico e sonolência, respostas típicas a uma situação de estresse físico (LIPP, 2003). Tais dados corroboram com os achados de Qureshi et al.(2010) nos quais médicos em jornadas de 24h comparados aos que realizam jornadas de 6h apresentaram diminuição significativa em habilidades cognitivas e comportamentais, como concentração e memória, conduzindo a maior risco de acidentes de trabalho e erros. Almondes e Araújo (2009) apontaram também que trabalhadores de turno da indústria petrolífera apresentam ansiedade significativamente mais alta quando comparados aos que realizavam seu trabalho em jornada diurna fixa. Uma das hipóteses explicativas aponta pelos autores foi a má qualidade do sono.

“Estresse aumenta o número de acidentes sim. Se tu tiver trabalhando aqui direto no estresse, ele vai tirar teu reflexo. Deixa a pessoa desligada. Nesse segundo de desligamento é quando acontece um acidente.” (P5)

“Tu é obrigado usufruir o máximo do trabalho, muitas vezes tu vai sem dormir, cansado e nessa que fica vulnerável ao acidente.” (P12)

“Você trabalhando 12 horas, 24 horas, 48 horas, é lógico que o seu corpo não vai aguentar.” (P6)

58 Há diversos relatos de acidentes que ilustram o ambiente de trabalho e as contingências às quais os participantes estão expostos. Para ilustrar tal situação, o relato abaixo mostra o cotidiano do trabalhador que desenvolve suas atividades dentro dos porões ou no convés dos navios. No caso a ser ilustrado, o trabalho é realizado em cima de pilhas de contêineres, de 15 a 25 metros acima do nível do mar, às vezes à noite com iluminação artificial, exposto a intempéries e compensando o balanço do mar com o próprio equilíbrio. Somada às condições descritas, houve também menção à necessidade de interação refinada com os outros TPAs, tripulação e funcionários das operadoras para que o trabalho tenha o andamento correto.

“Eu já vi gente caindo do container porque, às vezes você está numa pilha de container. O cara ali, ele faz o sinal, o guincheiro interpretou errado, aí você tá do lado de um container e ele tá chegando com outro container e ali pra baixo é o mar. Tem que pular, tem que ir pela frente e pular... ou ficar, como muitos ficam às vezes, o cara se joga, se abaixa, arreia, moi, vira pastel e eu já vi muitos se jogando, pô! Se jogar as 03h30min da manhã, 4h da manhã, no inverno, de jaqueta, bota, capacete, tudo, e se jogar no mar naquela altura ali. Às vezes é fatal.”

(P12)

O convívio com os próprios colegas de trabalho também tem sido relacionado ao aumento do estresse (SANTOS & CARDOSO, 2010). No estudo de Santos e Cardoso (2010) foi referido que condições de trabalho como estrutura física precária e dificuldades na execução do trabalho em equipe por falta de confiança nos

59 colegas de trabalho foram os fatores mais frequentemente associados à percepção de estar sob estresse entre profissionais de saúde. Adicionalmente, os autores concluíram que tais estressores estariam relacionados às mudanças recentes na organização do trabalho como: redução do quadro de funcionários e aumento da demanda de trabalho. No caso dos TPAs do Porto de Santos a interação com os colegas e os relatos de conflitos entre eles se dão principalmente em dois momentos: durante a seleção na parede e durante a realização do trabalho com os colegas do terno. Ressaltando que os conflitos durante a seleção foram os mais referidos nas entrevistas e, segundo os TPAs, ocorrem principalmente por desconfiança de que o colega estava de alguma forma tentando obter vantagem na seleção:

“a gente lá não pode ser bobo, se não as pessoas montam em cima.

Tem que impor, e fazer que as pessoas te respeitem.” (P8)

Entrevistador: “De que forma a sobrecarga, o estresse prejudicam a

saúde do trabalhador?”

Participante 17: “Ah, você fica muito agressivo, arrogante, fica

arrogante, fica agressivo, até chega a se desentender com os próprios parceiros... estresse, gera violência, arrogância, se for arrogante com uma pessoa, o cara vai te estranhar.”

Houve também relatos de presença de muitos conflitos durante a realização do trabalho na faixa costeira, convés ou porões dos navios. Os principais motivos relatados foram: colega sob efeito de álcool, desacordo sobre a metodologia de

60 realização do trabalho e falta de entrosamento do grupo de trabalho. Um exemplo claro

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