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Análise das Oficinas: Multiplicidade de conteúdos e deslocamento de sentidos

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2011 (páginas 173-200)

aplicado à pesquisa

Capítulo 5 Análise das Oficinas: Multiplicidade de conteúdos e deslocamento de sentidos

A diversidade de questões e a intensidade das vivências postas em cena no percurso das três oficinas, bem como o envolvimento dos participantes que gerou modos criativos, metafóricos, emocionados e reflexivos de “pensar no que se faz e saber o que se pensa” (CASTORIADIS, 1982, p. 14), já nos dão conta, de forma muito clara, da potência desta metodologia no trabalho que objetiva a elucidação e a transformação de imaginários e conservas culturais nas práticas institucionais.

Contudo, sistematizar um critério metodológico que pudesse compor a multiplicidade de situações que um dispositivo grupal põe em jogo e, ao mesmo tempo, oferecer um olhar analítico para este cenário foi uma tarefa sensível. Como assinala Fernández,

Nós que trabalhamos em grupos, temos como permanente a experiência da diversidade de material que se apresenta em uma situação grupal, institucional ou comunitária; portanto, é fundamental não estabelecer critérios redutivos ou explicativos da experiência com que se trabalha (...). O trabalho com significações imaginárias deve ter em conta que opera com um material que se desenrola não só em um plano discursivo, mas em intensas implicações e afetações onde também corpos entram em jogo (FERNÁNDEZ, 2007, p. 19).

Optamos então por elencar, num primeiro momento, algumas das temáticas que tomaram visibilidade e que, por sua densidade, nos suscitariam demandas reflexivas. Nesta parte do trabalho, contudo, em função da delimitação de um campo de análise a ser apresentado no próximo momento, compartilhamos e abrimos ao leitor esse olhar perscrutivo que pode identificar outras nuances e estimular o interesse de análise e estudo sobre a temática.

Cabe ainda ressaltar a influência que as consignas temáticas enunciadas em cada oficina – dificuldades, temores e potência – tiveram como disparadoras no trabalho com a situação do abuso sexual de crianças e adolescentes. Afinal, é característica fundamental de um dispositivo dispor, produzir efeitos.

Assim, destacamos alguns dos muitos enunciados que transitaram ao longo das três oficinas, organizando-as em dois grandes grupos temáticos: o impacto do objeto de trabalho sobre os profissionais e as questões institucionais e relativas à organização do Serviço. É importante sublinhar que consideramos tal divisão apenas em seu efeito didático de apresentação, pois mesmo que possamos reconhecer uma prevalência, muitos dos temas caberiam nos dois grupos.

Deste modo, no grupo acerca dos impactos ou efeitos do trabalho com o abuso sexual de crianças no contexto familiar, sobre os profissionais encontramos:

• Desalento e desamparo dos profissionais frente ao montante de fragilidades e necessidades (físicas e emocionais) que os usuários trazem cotidianamente, levando-os, muitas vezes, a se identificar com a clientela, quando tomam por si a “missão” de solucionar tais demandas. • A questão do segredo e confiabilidade no vínculo e contexto terapêuticos

frente às demandas de proteção, que proclamam o dever de notificação sempre que se suspeite ou reconheça qualquer vulnerabilidade na vida dos usuários.

• As dificuldades em delimitar o lugar das emoções no exercício profissional, principalmente uma temática que suscita tantas ambivalências.

• Certa ambivalência em estruturar medidas de segurança no que se refere à ameaça que a realidade violenta vivida pelos usuários possa trazer ao Serviço (receio de exposição x receio em estimular um persecutório). • A desmotivação frente à “reincidência” da dinâmica familiar abusiva. • O imperativo de propor ações que não revitimizem.

• A tendência ao julgamento moral de condutas familiares que se apresentam como “desprotetivas”.

• A probabilidade de reprodução da dinâmica violenta nas intervenções profissionais.

• O laço e a coesão grupal como estruturantes para os profissionais e para as intervenções.

• A potência do trabalho pautada não só na elaboração de dores e marcas de violência, mas também no estímulo a sonhos e projetos de vida na relação com os usuários.

• O sentimento de pertença reconhecido nas ressonâncias dos temas e emoções trabalhados.

• A confirmação de um fazer profissional competente apoiado na certeza de uma escolha por este campo de trabalho.

No que se refere às questões institucionais relativas à organização do Serviço que influenciam o cotidiano das ações, os profissionais trouxeram:

• O desconforto diante das constantes tensões que envolvem o campo interdisciplinar, principalmente no que se refere às demandas do Judiciário (depoimentos em juízo e solicitação de laudos aos terapeutas, por exemplo “– o meritíssimo não pode esperar”).

• As interfaces do Serviço com as instituições de abrigamento.

• A questão da delimitação/ integração de diferentes formações profissionais em um campo de intervenções interdisciplinares.

• A interferência das tensões políticas/ institucionais na motivação, disponibilidade e contexto das ações técnicas.

• A importância do exercício sistemático de encontros onde possam rever- se, rever suas condutas e práticas profissionais como espaço respaldado pela Instituição.

Sabemos que aqueles que trabalham nas mais diferentes áreas, cujo objeto de intervenção é a criança, o adolescente ou a família em situação de vulnerabilidade, certamente se identificarão com as questões aqui elencadas. Podem até, neste processo de reconhecimento, sentir que suas ressonâncias acordam em inquietações que buscam o debate e até “soluções” a esses impasses. Então é honesto de nossa parte admitir que talvez o ensejo maior deste trabalho seja exatamente provocar esta mobilização. Transformações num campo tão complexo como este só podem acontecer em um processo contínuo de reflexões coletivas que devem engajar múltiplas perspectivas.

De certo que não nos furtamos a incluir nossa perspectiva e abordar reflexivamente alguns aspectos do rico material, que, generosamente, esta equipe de profissionais colocou em análise. Desta forma, destacamos a partir de fragmentos das cenas e colocações dos participantes as recorrências que, pautadas na ressonância grupal, indicavam núcleos de significações que operavam e norteavam as práticas profissionais e que, através do dispositivo Multiplicação Dramática, não só se

fizeram evidentes, mas apresentaram certos “deslizamentos de sentido” (FERNÁNDEZ, 2007). Dito de outra forma, o enfoque de nossa análise procurou distinguir aquilo que, por insistência, estabeleceu-se como naturalizações de sentido, imaginários compartilhados, ou, na linguagem moreniana, conservas culturais e, ao longo das oficinas, puderam de alguma maneira movimentar-se em direção a questionamentos e produção de novos sentidos.

Nossa definição apoia-se nos preceitos de Fernández (2007), que a este respeito nos diz:

Na multiplicação dramática, se desenrolam dispositivos grupais, máquinas de visibilidade (...) que tornam possível explorar não só as insistências do que é dito, mas também algumas dimensões do não dito (...), aquilo que dizem ou desdizem os corpos, as ações, (...) a afetação de um silêncio. (...) A partir de um material diverso, a leitura dessas insistências permite estabelecer modos de nominar algumas significações imaginárias postas em visibilidade (FERNÁNDEZ, 2007, p. 22).

A autora, baseando-se em sua prática com contextos grupais, nos esclarece ainda que

Do trabalho com insistências, cuja ferramenta havia sido a construção de linhas de sentido, a partir da reiteração de significações imaginárias sociais, se começou a pôr em ênfase o rastro de deslizamentos de sentidos, através dos quais, ao longo das oficinas, aquilo que insiste é um elemento que, ao modo de um significante, desliza e aparece em sucessivas cenas. (...) Insistem e deslizam elementos (uma palavra, um gesto, uma afetação, um silêncio...) que se conectam em diferentes cenários e compõem argumentos diferentes a cada vez (...) (FERNÁNDEZ, 2007, p. 23).

Outro importante intento de nosso olhar analítico procurou enfocar o próprio dispositivo Multiplicação Dramática em sua função eminentemente estratégica de mobilizar, suscitar, obter um efeito sobre o processo de percepção e reflexão crítica dos trabalhadores acerca de suas práticas profissionais.

É dentro deste contexto que trazemos ao leitor nossas considerações sobre o material empírico da pesquisa que procura realçar o potencial criativo dos fazeres profissionais. O que minhas colocações intentam é o exercício compartilhado de

reflexões que valorizam a experiência como produção de um saber que se pretende sempre em movimento.

Compusemos, a partir das falas dos profissionais, três linhas de análise. A primeira procura refletir sobre o impacto psíquico para os profissionais frente às demandas de fragilidade e desamparo das crianças e adolescentes que viveram situações de abuso sexual, o que propicia um olhar capturado nas dimensões de vitimização e salvacionismo. Sobre este aspecto, ressaltamos como mobilização crítica favorecida pelo trabalho dramático a possibilidade de reconhecer potência e inventividade numa perspectiva de co-experimentação terapêutica entre o usuário e o profissional.

A segunda linha de análise procura trazer, a partir do imaginário sobre a figura do abusador sexual, a perspectiva de judiciarização dos casos como uma medida que pode limitar a gama de respostas e as concepções de resolutividade acerca do tema. O efeito suscitado pelo dispositivo aqui evidenciado foi a elucidação para os profissionais de como, de certa forma, protagonizam a premissa jurídica que julga, condena e exclui a figura daquele que, na manutenção de uma visão dualista, permanecerá para sempre no lugar de agressor. A partir desta elucidação, foi possível perceber certa abertura para a inclusão destes indivíduos nas possibilidades de investimento terapêutico.

A terceira e última vertente de reflexão enfocou a referência ao modelo de atenção proposto pela equipe. Uma visão inicial que, identificando-se com o desamparo dos usuários, parece refém de consignas técnicas e do imperativo do “não fazer nada que possa revitimizar a criança, o adolescente ou sua família”, parece deslizar seu sentido para o reconhecimento da função amorosa da intervenção clínica numa apropriação do apoio grupal como potência de trabalho.

Passamos agora a desenvolver cada uma dessas linhas de análise. No seu desenvolvimento trouxemos também para o diálogo as contribuições de diferentes estudiosos.

I – Do olhar capturado pelas dimensões da “vitimização” e “salvacionismo” ao reconhecimento do “usuário generoso”, que não perdeu a capacidade de sonhar

Já nos é bastante conhecida a dimensão potencialmente desgastante no trabalho com a violência. Como nos colocam Bonano, Bozzolo e L’Hoste (1992), “estamos diante de uma zona do impensável. Tal como chama Janine Puget, o conhecimento possível, mas não tolerável” (p. 192). Nestes anos de atuação com o tema, circulando em diferentes papéis (terapeuta, professora, supervisora, colega de trabalho), pude acompanhar muitas situações em que o adoecimento, podemos dizer, psicossomático do profissional era patente. Lembramo-nos ainda com muita clareza, apesar de passados quase vinte anos, da fase de implantação do CNRVV. À época, éramos um dos poucos Serviços no Município de São Paulo que se propunha ao atendimento psicossocial das famílias em situação de violência. A demanda rapidamente nos “sufocou”. Em menos de um ano, autopressionados pela premissa de que este tipo de situação não poderia situar-se numa “fila de espera”, vários foram os profissionais que, manifestando os mais diferentes sintomas, precisaram se licenciar do Serviço. Como toda experiência difícil, pudemos tirar uma lição, nos organizamos em torno dos trabalhos de prevenção e formação com o intuito de redimensionar e ampliar as referências de acolhimento a esta demanda.

Localizando uma cena que nos impactou particularmente, remetemo-nos à situação em que, na escuta de um grupo de familiares, “empacamos” no momento em que um casal de idosos falava sobre o esfaqueamento de sua filha pelo marido, assistido pela neta de quatro anos, filha do casal. Interrompemos o relato algumas vezes para repetir a pergunta: “― Mas ela morreu?”. Os senhores respondiam: “― Então, ele...”, e prosseguiam contando os detalhes da cena, para mais uma vez interrompermos, urgindo o esclarecimento sobre (o meu desejado) desfecho não trágico da história. O ciclo foi interrompido pela colega assistente social, que veementemente colocou: “― Sim, ela morreu!”. Ficou claro ali nossa resistência em enxergar que aquela criança de quatro anos havia presenciado o assassinato da mãe pelo pai, envolvido em requintes de desespero e crueldade. Não conseguimos apreender que a forma calma, “quase dissociada”, daqueles sujeitos contarem sua triste experiência não se referia a um final de salvação, mas a um “anestesiamento

psicológico” como defesa ao contato com a dolorida realidade da perda. Ali, experimentamos nossa condição humana, manifestando uma tendência de esquiva ao enfrentamento de processos de angústia, processos estes inerentes aos efeitos invasivos de conteúdos de dor e sofrimento de outros seres humanos. Estabelecemos de forma pronta e eficiente o pensamento mágico que pudesse proteger aquela criança das marcas de uma tragédia.

Nas oficinas esta dimensão esteve muito presente, como vemos a seguir na fala dos profissionais:

― Como é difícil sustentar este desamparo na relação... a minha cena é a de uma criança, já adolescente...que contava de forma muito objetiva, sem nenhuma emoção, dissociada, todo o abuso, como tinha sido, com detalhes do quanto ela tentava acordar a mãe, puxar o cabelo da mãe, puxava a descarga, mas não acordava, me impactou muito, pois apesar das tentativas ela não conseguiu... (1ª oficina, p. 86).

― (... ) a imagem da violência em si ficou muito presente para mim, para mim era difícil ir para outras coisas, para além do concreto que ela tinha vivido, essa era a imagem que vinha muito, do estupro propriamente dito, daquele homem muito mais velho, dela que tinha nove anos, foi uma coisa que me impactou muito.. (1ª oficina, p. 86).

― O adolescente que trazia a desesperança como algo muito impactante. A questão do desamparo... como é congelante. (1ª oficina, p. 85).

É nesse sentido que centraremos nossa reflexão em dois pontos que enxergamos como fundamentais nesta discussão. O primeiro versa sobre a necessidade de olharmos insistentemente para como nossa subjetividade se manifesta diante de situações como as que relatamos ao longo deste trabalho. A segunda fala de um mecanismo que pode nos aprisionar no paradigma da fragilidade-salvacionismo, que o contexto das intervenções na área da violência facilmente propõe.

O percurso reflexivo desta pesquisa indicou-nos a premência de os dispositivos de formação na área da violência contra crianças e adolescentes acolherem as questões inerentes à condição humana de todo profissional. O que pode parecer óbvio, na realidade, não tem sido considerado. Muito se fala sobre essa necessidade, mas pouco tem sido proposto no que se refere ao como instrumentalizar o trabalhador para que não viva o seu fazer profissional também como uma experiência de vitimização.

Marques (2006) traz nos depoimentos dramáticos dos sujeitos de sua pesquisa, que enfocou a escuta ao abuso sexual por profissionais da psicologia, aspectos que vulnerabilizam psiquicamente até mesmo aqueles que procuram suportes em cursos de formação, psicoterapia e supervisão de seus atendimentos.

Cláudia diz sentir grande angústia ao lidar com o atendimento de crianças e adolescentes com suspeita de abuso sexual. Fala sobre sintomas físicos: “uma menina de um ano e meio que foi abusada e essa menina foi parar no hospital, (...) eu não agüentei, senti ânsia de vômito”. Mesmo em análise e supervisão, após sua saída da instituição, Cláudia não voltou a escutar casos de abuso sexual, provavelmente por lhe ser tão aversivo (MARQUES, 2006, p. 93).

Outro depoimento marcante, em que a autora exemplifica a importância da constituição de espaços permanentes de formação dos profissionais para intervenção nesta área, traz a armadilha do calar-se como despotencialização do trabalho.

(...) Conta que um dos educadores contratados revelou, em uma reunião de equipe, que era ex-interno da FEBEM e lá tinha sofrido abuso sexual, por isso considerava a si mesmo conhecedor do assunto muito mais do que todo o grupo: “Ele escancarou para a equipe o que ele tinha passado”. (...) A partir desse fato, e como o moço não estava em processo de análise pessoal, [a gestora] achou por bem não mantê-lo na equipe e lamenta: “Eu fui inteiramente massacrada pela equipe (...)”. Com o passar do tempo observou que a qualidade do Serviço prestado estava sendo prejudicada. Diz: “A gente estava doente”. Apesar de buscar supervisão, segundo Cláudia, a equipe não conseguia falar sobre as questões (...) (MARQUES, 2006, p. 95).

Este é um ponto crucial quando pensamos na efetividade das intervenções, pois o profissional imerso em um campo de emoções, sem um espaço de continência para processá-las, tende a não movimentar-se em direção às possibilidades de elaboração e representação das experiências vividas. Isso certamente compromete o manifestar criativo de sua potência e recursos técnicos. Em outras palavras, acreditamos que o capital pessoal, marcado por investimento no ser emocional, deve estar na mesma ordem dos investimentos no capital técnico, cujo enfoque principal

são os processos cognitivos que buscam conhecimentos teóricos para o aperfeiçoamento das práticas.

Percebemos, nas falas dos profissionais que participaram das oficinas, o imperativo de um dever ser técnico que deve prescindir do emocional – que abordaremos mais a frente –, questão que se relaciona com esta dissociação.

― Não tomar o caminho, acho que do sentimental (...) aí vem a situação em que alguém me falou que o que as pessoas precisam da gente neste Serviço é o nosso comportamento profissional, eles vêm atrás do profissional. (1ª oficina, p. 93).

Podemos perceber ainda uma ambivalência que mobiliza muita angústia em torno da questão da manifestação afetiva no setting terapêutico. O diálogo abaixo retrata bem a “confusão” da profissional em delimitar os parâmetros de certo ou errado no que se refere a lidar com o “choro desesperado” (sic.) do pequeno usuário. Vamos acompanhar:

― Foi muito angustiante. Sabe aquela cena que tem o anjinho e o diabinho? Eu ficava em relação ao protagonista da primeira cena: ‘não, fica, isso mesmo, mantém!’, e o outro lado falava: ‘pegue este menino, dá um abraço, fica um pouquinho com ele assim (simulando com o corpo a posição de ter a criança nos braços).

A diretora indaga sobre qual posição seria do anjinho e qual seria a do diabinho:

― Esse que manda dar um abraço é o anjinho, ele diz: ‘por que esta coisa tão rígida? Fica engessado. Será que não vai ser bom o abraço? ’. Do outro lado, ‘não, espera, não é...’.

A diretora pede a confirmação desta última fala como a do diabinho: ― É, não, espera aí (risos e a profissional abaixa a cabeça, tentando localizar melhor seu posicionamento) (...) o diabinho mandava fazer e o anjinho dizia para ter calma, controle, ‘vocês estão trabalhando, depois você vai acabar com esta sua angústia, você vai conversar. Deixa a criança aí, vai ter um momento em que ela vai ser acolhida, vai ser trabalhada’. E daí num outro instante: ‘Pelo amor de Deus, pegue este menino, segura, dá uma abraço (se abraça com vigor), faz alguma coisa. Toda hora, toda hora e aquilo ia angustiando. Em nome do quê, de um Serviço? Em nome do quê? Você está engessado por quê? Faz aí o que

você, o que o seu coração manda... Sei lá’... Como a gente fica vulnerável a isso (e faz um movimento corporal indicando pêndulo de um lado para o outro). (1ª oficina, p. 98)

Tais impasses vividos num cotidiano de trabalho traduzem a dimensão dos desgastes emocionais já mencionados. O que tudo isso nos acorda é a reflexão sobre como dar conta desta dimensão no campo das práticas de formação desses profissionais.

É importante ressaltar que, apesar de valorizar sobremaneira as iniciativas que indicam os processos de psicoterapia e análise como base para o “equilíbrio emocional” dos profissionais, acreditamos ser necessário contextualizar tal posição, pois corremos o risco de engessarmo-nos numa “saída” elitizante (uma vez que os custos financeiros deste tipo de acompanhamento são altos, provavelmente inacessíveis à realidade salarial dos profissionais) e também cairmos numa visão “psicologizante” das relações humanas, onde o sujeito só consegue resolver seus conflitos através da clínica psicológica de enfoque predominantemente individualizante.

As perguntas não se calam: “Toda criança ou adolescente que vivenciou uma situação de abuso sexual precisa de tratamento psicológico? Todo profissional que trabalha com a escuta do abuso sexual precisa ser terapeutizado?”. Respostas a estas questões estão sempre mergulhadas em um campo polêmico. Alguns posicionamentos já se esboçam como indicações à primeira pergunta. Furniss (1993) propõe os grupos de proteção como espaço de intervenção ao abuso sexual infantil que aborda os aspectos mais educativos que fomentem a proteção a novos abusos.

O trabalho de proteção e os grupos de proteção relacionam-se com os aspectos legais da proteção à criança e à necessidade de evitar outros abusos. Os grupos de proteção podem ser bem mais curtos do que os grupos de terapia. Eles podem ser mais estruturados e diretamente educacionais, ensinando às crianças habilidades sociais e a lidar com os aspectos externos (à quebra) do segredo. (...) As crianças que foram vítimas de formas menos severas de abuso podem precisar apenas de um

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2011 (páginas 173-200)