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Análise de Discurso e seus desdobramentos

CAPÍTULO 3 A ANÁLISE DE DISCURSO

3.3 Análise de Discurso e seus desdobramentos

Apresentando um pouco da história de Pêcheux e da AD reconhece-se que a história é sempre uma parte do que se poderia contar e que essa história não cessa de se reinventar. Orlandi (2006) rememora, em entrevista concedida ao Laboratório Corpus da UFSM, como se deu a sua inserção nas discussões sobre o político e a AD, fazendo uma relação direta entre o que acontecia na França naquele final dos anos de 1960 e a efervescência intelectual que ela acompanhou de perto por estar naquele lugar no momento em que cursava o seu doutorado em Vincennes. “A vida intelectual no Quartier Latin [determinada região de Paris] era muito viva, era um momento de efusão intelectual [sic] de rua na França. Eu aprendi muito, no fundo, na rua, mais do que, às vezes, na sala de aula. Nessas relações em livrarias, teatro, cinema, espetáculos, enfim, pessoas que você conhecia” (ORLANDI, 2006, p. 19). Foi em uma dessas livrarias francesas que ela se deparou com o AAD 69 de Pêcheux e outros textos importantes para a época.

Quando voltou ao Brasil, segundo relata em entrevista, passou a trabalhar com o discurso, mas não ainda com a AD, no início dos anos de 1970. Orlandi destaca a ironia de que enquanto ainda era professora da USP trabalhava com o discurso na socioliguística, o que era combatido por Pêcheux na França. “Pêcheux não queria isso [que a AD fosse um ramo da Sociolinguística], e com razão, porque ele queria mostrar justamente esta coisa do constitutivo, do social, do histórico, etc” (ORLANDI, 2006, p. 21).

Orlandi passa a trabalhar com AD somente quando ingressa na Unicamp (ORLANDI, 2006). Na conferência “Teorização e autoria: uma questão narrativa e de reescrita de si”, na abertura do VI SEAD91

, Orlandi revive a sua escolha pela AD e afirma que tinha necessidade de procurar respostas em outros lugares e que esta foi uma possiblidade de fuga, um novo momento para encontrar aquilo que não tinha na

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sintaxe. Ela conta que o que a levou a trabalhar com a AD é que ela “tinha a necessidade de poder falar de duas coisas na época: os bastidores [da Ditadura] [...] e de outro lado o mundo como ele é como ele estava [...] e aí que eu fui atrás e foi aí que eu encontrei Pêcheux, que é um encontro”. Este se encontro se materializa, posteriormente, pela articulação do que Pêcheux construiu como teoria em sua produção, o que lhe envolve profundamente até os dias de hoje uma vez que produz muito, sendo Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A, e atualmente92 está envolvida como pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); é professora do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Sociedade da Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), o qual coordena, e é professora colaboradora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

No seu lugar de trabalho, naqueles primeiros anos, no entanto, teve que travar uma batalha para manter a disciplina de AD pois não contava com o apoio de seus colegas do departamento de Linguística. “Para institucionalizar [a AD], foi preciso que alunos se interessassem para que se configurasse um lugar de existência para essa disciplina, para o que eu tinha para falar disso e para quem. E aí, começou a ser muito forte [...]” (ORLANDI, 2006, p. 21). O movimento de dentro para fora deu certo, ocasionando uma adesão às ideias da AD o que, ao longo dos anos, se converteu em dissertações e posteriormente teses sobre o tema nas universidades do Brasil.

Na conferência do VI SEAD93, Orlandi traz para as discussões um enunciado das ruas para deslocar em favor da compreensão daquele momento de institucionalização da AD. Ela destaca o enunciado “Ideais são à prova de bala”, que esteve presente em cartazes nas manifestações de rua no Brasil em 201394, e complementou a ideia com outro enunciado: “Teorias também”, pensando a própria

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Informações do Currículo Lattes da pesquisadora. Disponível em:

<http://lattes.cnpq.br/3674250332927722>. Acesso em: 18 out. 2013. 93

Seminário de Estudos em Análise do Discurso. Ver nota de rodapé 77. 94

No primeiro semestre de 2013, o Brasil teve uma série de manifestações de rua por diversas demandas sociais que tomaram vulto no real e na mídia nacional e internacional. O estopim das manifestações foi o aumento das passagens de ônibus urbanos porém os protestos se estenderam e ganharam grande repercussão em capitais dos Estados e cidades de interior. Em Santa Maria, o foco foram os gastos do governo municipal e a tragédia de janeiro de 2013 ocorrida na cidade, quando uma boate pegou fogo matando 242 pessoas. Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do- sul/noticia/2013/06/protesto-reune-cerca-de-30-mil-manifestantes-em-santa-maria-rs.html>. Acesso em: 14 out. 2013.

AD enquanto uma teoria. Desse modo Orlandi demonstra um pouco da tensão que viveu, pessoalmente, para manter e fazer crescer a disciplina no Brasil semelhante ao que passou Pêcheux, na França, e que resultou na continuidade e evolução das teorias e teorizações da AD.

Dias e Petri (2013, p. 15) abordam a produção de conhecimento na área da AD no Brasil e a relação com a “força histórica do trabalho de Eni P. Orlandi” afirmando que foi esta autora “que trouxe a Análise de Discurso para o Brasil e formou, direta ou indiretamente, ao longo dos últimos 30 anos, grande parte dos pesquisadores” que atuam em diversas instituições como especialistas em AD. Guimarães (2001, p. 51), ao analisar a produção de Orlandi desde a década de 1970, afirma que “o espaço de filiações que o discurso da autora se dá, é aquele que formula um lugar particular, e um objeto específico para a análise de discurso”, o que lhe confere também um lugar teórico importante no Brasil.

Dias e Petri (2013, p. 21) constatam que a partir de Orlandi, e do que ela construiu teoricamente dentro da AD no país, especialmente refletido no que é produzido no Labeurbe95 da Unicamp, há um eco que pode ser observado enquanto “desdobramentos, deslocamentos e perspectivas” nos trabalhos dos demais pesquisadores que também estão se dedicando a esta tarefa de ver “o político na linguagem, o discurso como materialidade da ideologia” (DIAS; PETRI, 2013, p. 20). No caso da Universidade Federal de Santa Maria, há um grupo de pesquisadores que se reúne em torno do projeto História das Ideias Linguísticas e da AD que compõe o Laboratório Corpus96 e que coopera com o Laboratório da Unicamp e outros97, de outras universidades, na proposição e realização de eventos e produção científica. Martins (2012, p. 18) menciona em sua tese que o Programa Nacional de Cooperação Acadêmica, o PROCAD, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, oportunizou que no interior do Rio Grande do Sul houvesse um foco de estudos em torno do projeto História das

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Disponível em: <http://www.labeurb.unicamp.br/portal/pages/home/index.lab> Acesso em: 16 dez. 2015.

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Disponível em: <http://corpus.ufsm.br/> Acesso em: 16 dez. 2015. 97

Os laboratórios que trabalham em rede com o Laboratório Corpus são o Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, e o Laboratório Discursivo, sujeito e sentidos em movimento (e-L@DIS) da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto (USP/RP). Além disso, o Corpus tem um convênio com a Universidade de Franche-Comté, na França, para onde já se dirigiram acadêmicos vinculados ao Laboratório para fazer/complementar suas pesquisas. Disponível em:< http://corpus.ufsm.br/?page_id=34> Acesso em: 20 out. 2013.

ideias linguísticas no Sul, coordenado pela professora Amanda Eloina Scherer, do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGLetras/CAL/UFSM).

Dias (2012, p. 35), a respeito da participação dos pesquisadores das universidades nas reflexões sobre a linguagem observa que “juntamente com a filiação teórico-metodológica, a filiação institucional é um suporte que, ao dar condições de possibilidades de uma pesquisa, também ela é parte dessa realização no domínio entendido, por nós, como científico”. O sujeito pesquisador tem também, em si, o institucional marcando a sua posição sujeito, conforme se apresenta em AD e já anteriormente mencionado. Neste mesmo sentido, Martins (2012, p. 80) propõe pensar que “a AD, enquanto disciplina, não é um campo de saber estabilizado, normatizado, tal qual inúmeros outros campos que já foram disciplinarizados há décadas em nossas instituições universitárias. A AD está em constante reconfiguração de sua delimitação disciplinar”. Com isso, a autora afirma que está se construindo dia-a-dia no fazer acadêmico, o que está extremamente influenciado por Orlandi devido a sua posição como referência.

O Laboratório Corpus, segundo consta na página do Programa de Pós- Graduação em Letras (PPGLetras)98 é denominado como Laboratório de Fontes de Estudo da Linguagem e tem pesquisadores, professores e acadêmicos, vinculados a dois grupos de pesquisa relacionados ao Programa. Os grupos são: Linguagem, Sentido e Memória99 e Literatura e História100. De acordo com o que consta na home page do Programa, o Laboratório Corpus tem

O objetivo de disponibilizar acervos, incentivar o trabalho de recuperação de fontes e desenvolver uma dinâmica de seminários, exposição de material, reuniões de estudo e de trabalho; enfim, apresenta-se como um espaço propício à formação de jovens pesquisadores e de desenvolvimento de pesquisas na área de Letras e Linguística, através da temática história, língua e memória.

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Disponível em: <http://coral.ufsm.br/ppgletras/intro.htm>. Acesso em: 10 out. 2013. 99

O Grupo conta com 17 pesquisadores e 30 estudantes vinculados e é certificado pela Instituição. Informações sobre o Grupo de Pesquisa “Linguagem, Sentido e Memória” e podem ser encontradas na sua página ligada ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Disponível em: <http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0327801CJEXDPA>. Acesso em: 12 out. 2013.

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O Grupo conta com 8 pesquisadores e 6 estudantes vinculados e seu certificado expirou há mais de 12 meses. Informações sobre o Grupo de Pesquisa “Literatura e História” e podem ser encontradas na sua página ligada ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Disponível em: < http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0327801CJEXDPA>. Acesso em: 12 out. 2013.

Segundo dados coletados na home page do Laboratório101, são 30 os pesquisadores ligados ao Corpus das mais diferentes instituições, nacionais e internacionais, que contribuem com as pesquisas e eventos ali realizados. No ano de 2012, 19 acadêmicos pós-graduação, realizando mestrado e doutorado (alguns deles com bolsa Capes) e de graduação (com bolsa PIBIC-CNPq) estavam vinculados ao Laboratório, com a orientação direta de duas professoras da UFSM: Amanda Scherer e Verli Petri. Para que se chegasse até a criação e consolidação de um Laboratório em Santa Maria, no entanto, foi percorrida uma longa história desde a sua formação, história esta que está intimamente ligada à própria criação da disciplina de AD na UFSM.

Scherer (2013, p. 248), ao expor sua experiência em AD, especialmente ligada à UFSM, à priori credita seu trabalho ao seu “próprio eu insatisfeito” que está em “conflito com o mundo”. Segundo as palavras da própria autora (SCHERER, 2013, p. 253), este eu “teima em não me situar no contexto orlandiano brasileiro”. No entanto, a constituição da história da autora com a “AD orlandiana” se vai revelando. Isso ocorre através da memória dos encontros e das leituras que fez de Orlandi, principalmente a partir de uma entrevista coordenada por Scherer à professora da Unicamp. Scherer revela em seu texto, baseado em sua para participação em mesa de um evento102 realizado em Campinas em 2011, que sua história “é mais uma história da AD da Eni do e no Brasil” e que sua filiação lhe ancora no seu “dia a dia de pesquisa e de orientação na pós-graduação” (SCHERER, 2013, p. 258). Com estas memórias, salienta-se o início do desenvolvimento da AD em Santa Maria.

Scherer reporta-se para o ano de 1993, quando retornava da França, após realizar seu doutorado, e é requisitada a “intervir em uma nova disciplina que os acadêmicos estavam solicitando [...] designada e, algumas vezes nomeada como Análise dos Discursos” (SCHERER, 2013, p. 256). Paralelamente a isso, um novo curso de pós-graduação era pensado na Universidade, sendo que em julho daquele mesmo ano Eni Orlandi visita Santa Maria, a convite da UFSM, para falar em um evento interdisciplinar que visava contribuir nas discussões pró criação de um mestrado e/ou doutorado que tratasse de questões contemporâneas. É neste

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Disponível em: <http://corpus.ufsm.br/?page_id=10>. Acesso em: 14 out. 2013. 102

I Seminário Interinstitucional de Análise de Discurso, realizado entre os dias 30 de junho e 1º de julho de 2011 na Unicamp, em Campinas, SP (DIAS; PETRI, 2013, p. 15).

evento103, especialmente nesta mesa de que participava Orlandi, que Scherer reconhece que, a partir de então, passa a “assumir uma posição política de filiação e, mais tarde de pertencimento” (SCHERER, 2013, p. 257).

A história da AD em Santa Maria deve ser vista como as condições de produção oportunas para que se possa desenvolver uma tese que trata da temática do “discurso sobre” a morte pois é a partir de um institucional consolidado que novas pesquisas, em diferentes materialidades podem ser operacionalizadas. A materialidade em questão, o atestado de óbito, privilegiado nesta pesquisa, denota um campo que se amplia não apenas pelo estudo da teoria e método da AD como também para a intersecção com novas áreas, tal como é a arquivística que tem, na tipologia documental referida, também um foco de análise, porém voltado para o documento enquanto registro. O nível de análise do discurso, em que o gesto de leitura se dá, segundo o modelo proposto por Petri (2013, p. 47), em movimento pendular da teoria para análise e vice versa, é restrito, porém, ao analista de discurso que vai ao “interior da discursividade que lhe interessa analisar” para, criticamente, no embalo do pêndulo, observar o seu trabalho e se verificar se, acaso, ele já alcançou um fim considerando que, de acordo com Petri, na verdade trata-se de um “efeito de fim”, um ponto final necessário (PETRI, 2013, p. 47).

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I Seminário Internacional Interdisciplinar: as transformações do conhecimento na virada do século, realizado entre os dias 4 a 8 de julho de 1993 na UFSM, em Santa Maria, RS (SCHERER, 2013, p. 257).

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