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Análise de evolução da paisagem do litoral leste de Fortaleza

4 AS UNIDADES GEOAMBIENTAIS E SEU CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL

4.2 Análise de evolução da paisagem do litoral leste de Fortaleza

As inúmeras secas e as questões agrárias forçaram a retirada do homem do campo que, migrando para Fortaleza, estabeleceram-se em áreas próximas à praia e sobre as dunas, dando início às primeiras aglomerações ou favelas, locais desprovidos de qualquer ordenamento de uso do solo ou condições sanitárias.

Tentando fugir das proximidades com as favelas e da incômoda proximidade com as fábricas, a população de maior poder aquisitivo transferiu-se para a área onde hoje é o bairro da Aldeota e suas adjacências, dando início, assim, a um processo socioespacial que hoje caracteriza aquela área (RIBEIRO, 2001).

O início da ocupação e descaracterização da área do Sistema Hídrico Maceió/Papicu se deu definitivamente com a implantação do Porto do Mucuripe na década de 40. Com a melhoria das vias de acessos e da construção de um ramal ferroviário em 1950 (Parangaba/Mucuripe), veio também a ocupação das margens destas áreas, sejam por moradias, empreendimentos ou simplesmente favelas.

Os primeiros estudos para a implantação do Porto no Mucuripe surgiram na década de 30, suas obras são iniciadas em 1938 estendendo-se até 1946. Esta época já conta com aglomerações de favelas no Mucuripe e Pirambu e ocupação das áreas de dunas e praias.

O empreendimento do porto foi um dos grandes responsáveis pelo processo de degradação da área. Para a sua implantação, foram patrocinados o desmonte de dunas e retirada da vegetação, entre outras atividades degradadoras.

Conforme Fechine (2007), o processo de ocupação foi intensificado quando no ano de 1954, a Prefeitura Municipal de Fortaleza autoriza o loteamento de uma área denominada Sítio Cocó, hoje compreendida pelos bairros do Cocó, Papicu e Vicente Pinzon.

O Sítio Cocó detinha 7km de comprimento e 600m de largura; sua área estendia- se da ponta do Mucuripe à barra do rio Cocó, na Praia do Futuro; pertencia ao Sr. Diogo de Vital Siqueira, que inicia a venda em 22 de abril de 1950, em forma de loteamento.

As primeiras intenções de anexar as áreas de dunas do Sistema Hídrico Maceió/Papicu aos processos urbanos da cidade de Fortaleza estão documentadas na figura 08. A visita das personalidades da época (na figura da esquerda para a direita), José Coelho Guimarães, Murilo Mota, Faustino Albuquerque (governador na época), Diogo Vidal de Siqueira (dono do sítio Cocó), Adahil Barreto (pai do atual deputado Adahil Barreto) e Paulo

Cabral de Araújo (prefeito de Fortaleza), dava início aos empreendimentos da Imobiliária Diogo.

Fonte: Arquivo Nirez

Figura 08 – Personalidades da época (1950)

Fonte: Azevedo (2001)

Para Ramos (2003), a situação fundiária deste período e a implantação de uma área industrial a partir da construção do porto, favoreceu o aumento do fluxo de pessoas para esta áreas.

Nos anos anteriores a atual fase de urbanização, o porto, foi fator determinante para a reocupação do mucuripe e de toda aquela área. Deu-se por causa dele, a ocupação das dunas até então desocupadas, com a implantação de habitações, quando José Macedo ao mesmo tempo que instalava suas atividades industriais, vendia terreno para a população pobre. Essa população viria mais tarde constituir mão-de-obra importante para o local, na época distante do centro da cidade, (CAVALCANTE apud RAMOS 2003, pg 81).

Neste período, poucos proprietários detinham a posse dos terrenos deste setor da cidade, eles estavam nas mãos principalmente de empresários como José Macedo, a família Edson Queiroz e Emilio Hinko (húngaro dono do Hotel Excelsior e de grande parte do terreno da foz do riacho Maceió situado na avenida Beira Mar).

Conforme Viana (2000), a partir da década de 60, motivado pelas políticas do governo federal de desenvolver a indústria dando foco primordial para o setor automobilístico, intensificou-se, nas cidades brasileiras, a construção de avenidas, viadutos e alargamentos das ruas.

Neste período, foi implantado o primeiro Distrito Industrial do Ceará, sediado em Maracanaú, que não surtiu o efeito desejado, tornando-se um dos maiores poluidores do rio Cocó, como pode ser observado na citação a seguir.

[...] Tal empreendimento não trouxe os benefícios esperados no sentido do consolidar uma base econômica para o município, visto que as indústrias nele instalado, com tecnologia intensiva de capital, não eram boas absorvedoras de mão- de-obra e nem deixava efeitos significativos de internalização da renda, (VIANA, 2000 p 64).

Para absorver as mudanças advindas de novo momento político, fazia-se necessário a implantação de um Plano Diretor que, de acordo com Ribeiro (2001), Fortaleza teve o seu primeiro em 1963, que trazia, entre suas propostas, a intenção de construir o primeiro trecho da avenida Beira Mar, acentuando, assim, o processo de degradação e valorização da costa Leste de Fortaleza.

Para a área do Sitio Cocó, o Plano Diretor propôs a abertura da avenida Perimetral – Anel Viário, ligando o litoral Oeste (Barra do Ceará) ao litoral Leste (Mucuripe).

Até o início da década de 60, a linha férrea e o rio Cocó funcionavam como barreiras à ocupação da área, esta realidade começa a mudar entre 1962 e 1963 com a construção da avenida Perimetral - anel viário, que teve como fator principal a construção da ponte sobre o rio Cocó, permitindo, assim, o acesso às áreas de dunas e praias. Em 1962, foi instalado, nas proximidades da lagoa do Papicu, o Hospital Geral de Fortaleza (HGF), (SALES, 1993).

Para Viana (2000), o Plano Diretor de 1963, mesmo abordando proposições de forma integrada para a cidade, não considerava relevante as áreas paisagísticas, contribuindo, assim, para sua ocupação.

Na análise referente à paisagem urbana, o plano relatou o descaso para com as áreas de interesses paisagísticos, as quais não eram respeitadas em seu potencial para o desenvolvimento de Fortaleza, e vinham sendo prejudicadas com edificações inadequadas, quanto ao seu uso e ocupação. Ainda mostrou que a paisagem vista em Fortaleza não correspondia à beleza do sítio onde se encontrava implantada, considerando seus rios, riachos, lagoas, praias e dunas, entre outros inúmeros elementos naturais que deveriam fazer parte do cenário urbano (SAMPAIO apud VIANA, 2000, p 64).

No início dos anos 60, o processo de ocupação se restringia à porção Oeste do riacho Maceió, a sua foz e às proximidades com o Morro Santa Terezinha. As poucas residências fora deste eixo concentravam-se em torno do que hoje é a avenida Senador Virgilio Távora. Toda parte Leste da linha férrea, onde estão situados trechos do riacho Maceió, riacho Papicu, lagoa do Papicu e as dunas que hoje compreendem os bairros do Cais do Porto, Vicente Pizon, Praia do Futuro e Dunas, eram espaços vazios de habitações, tendo ocupações apenas na ponta do Mucuripe com o porto, poucas indústrias e raras residências.

Na década de 70, a área começa a ter características urbanas bem distintas com a inauguração em 1970 da cervejaria Astra, ao lado da Lagoa do Papicu e da construção em 1972, do conjunto habitacional Cidade 2000, situado entre a lagoa do Papicu e o rio Cocó. Outro fator importante na mobilidade populacional foi a conclusão, em 1976, do prolongamento da avenida Santos Dumont, facilitando o acesso à Praia do Futuro e dos lotes sobre as dunas.

Para Ribeiro (2001) e Dantas (2009), o prolongamento da avenida Santos Dumont ocasionou mudanças na topografia local, com aterramento dos canais fluviais e lagoas impedindo a comunicação do sistema de drenagem da Cidade 2000 e da Lagoa do Papicu, tornando, assim, a avenida em um divisor de água.

Data desta época, o início dos problemas de ordem ambiental na Cidade 2000 com o surgimento do novo divisor de água para a zona Leste, pela construção da avenida Santos Dumont e o aterro da lagoa de Três Corações, localizada na adjacência do conjunto. (DANTAS 2009, p 162).

No início da década de 70, a precariedade das vias de acesso dificultava o povoamento da área. A avenida Santos Dumont findava na rua Professor Otávio Lobo (acesso ao hospital HGF), seu prolongamento era denominado de rua do Areal, devido à exposição da areia ocasionada pela retirada da vegetação e o constante trânsito de pessoas, conforme mostra a figura 09. O traçado escuro demonstra a precariedade das vias de acesso. Um simples deslocamento de um veículo para a Cidade 2000 ocasionava um aumento de percurso, sendo necessário passar em frente ao Hospital Geral e à cervejaria Astra, locais com melhores infraestruturas de acesso.

Em 1975, foi aprovado um plano diretor que se propunha a orientar o desenvolvimento urbano de Fortaleza. Uma das iniciativas desse novo plano diretor foi terminar o prolongamento da avenida Santos Dumont, em 1976, e o pretexto utilizado foi o de

fornecer acesso ao conjunto habitacional Cidade 2000, área isolada da malha viária básica da cidade (DANTAS 2009, p 161), conforme especifica a figura 09.

Figura 09 – Acesso à Cidade 2000 (década de 70)

Fonte: CEARÁ (1978)

Com a melhoria nas vias de acesso e com as instalações de equipamento público, essas áreas passam definitivamente a incorporar aspectos de cidade, começando a surgir as problemáticas advindas de uma ocupação desordenada e da falta de fiscalização, conforme descreve a citação a seguir.

Nesse período com a expansão viária para o leste, ocorreu um acelerado processo de especulação imobiliária abrindo-se novos loteamentos, e nenhuma fiscalização do poder público municipal, e sem nenhuma infraestrutura, construindo-se residências de alto padrão em lote de grandes testadas. Além dos problemas sociais provocados pela especulação imobiliária, que expulsa a população de menor renda para periferias distantes, surgindo novos problemas decorrentes da degradação ambiental gerada por aterro de lagoas e riachos e pelo desmonte das dunas (DANTAS 2009, p 161 e 162).

Segundo Ribeiro (2001), em face ao rápido processo de ocupação do Sistema Hídrico Maceió/Papicu, em 1978, foi realizado um diagnóstico pelo Plano Diretor de Drenagem Urbana, no qual enfatizava a urgente necessidade de adoção de medidas corretivas e preventivas para proteção dos recursos hídricos superficiais.

Ao término da década de 70, a cidade de Fortaleza já apresenta sérios problemas ambientais em seus recursos hídricos. Para prevenir danos mais sérios foi sancionada, em 1977, a Lei nº 10.147, na tentativa de disciplinar o uso do solo para proteger os recursos hídricos da Região Metropolitana de Fortaleza. Mas foi só no ano de 1982 que Fortaleza receberia o decreto estadual nº 15.274, tratando especificamente das delimitações das áreas de proteção de seus recursos hídricos. No que se refere às áreas dos riachos Maceió e Papicu, o referido decreto foi modificado em 1998, pelo decreto nº 24.831, onde lhe foram atribuídas novas delimitações.

A década de 80 incorpora as últimas áreas de praias aos processos urbanos de Fortaleza, culminando com a construção do calçadão da Praia do Futuro e o alargamento da avenida Zezé Diogo. Nesta época, intensificaram-se as construções de residências de médio e de alto padrão, além dos conjuntos habitacionais. Juntamente a todo esse processo, surgiram as favelas ou ocupações de áreas de dunas que margeiam os cursos fluviais e lacustres do Sistema Hídrico Maceió/ Papicu.

A construção das avenidas Santos Dumont e Zezé Diogo geraram novos fluxos. [...] A construção de conjuntos habitacionais pelo antigo BNH (Conjunto Habitacional Nossa Senhora da Paz ou Santa Terezinha), bem como o surgimento de favelas, representam esta tendência de ocupação. Com exceção dos terrenos de marinha, os clubes instalaram-se ao mesmo tempo sobre as dunas, as classes abastadas erguem suas mansões, dotadas de sistemas de segurança. (FECHINI 2007, p 68).

Na década de 80, intensificam-se os processos de verticalização, edifícios surgem em todas as direções na Orla Marítima, incrementando o setor imobiliário e turístico. Com o esgotamento de áreas propícias à expansão imobiliária na Orla Marítima, as atenções se voltam para a foz do riacho Maceió e para as partes mais periféricas dos bairros que fazem parte da orla.

Um sistema confuso de legislação e gestão favoreceu as intervenções e ocupações da área de foz do Complexo Hídrico Maceió/ Papicu. Segundo Araújo (2007), a legislação urbana é detalhista e abundante, oportunizando aplicações flexíveis de acordo com o poder que se tem para dobrá-la e atender aos interesses dominantes.

Sucessivos decretos da Prefeitura Municipal de Fortaleza trouxeram as intenções de modificações e intervenções na área em 1980: o decreto 5.544, delimita a foz do Riacho Maceió e a classifica como sendo Zona Especial de Proteção Verde Paisagística e Turística; este decreto foi modificado em 1984, pelo de nº 6.818/84, que permitia construções de edifícios; já em 1988 outro decreto determina o uso da área para Proteção Verde Paisagística e Turística (RIBEIRO 2001, p 109 e 110).

A primeira década do século XXI traz nova tentativa de intervenção para a foz do Riacho Maceió, que é representado pela Lei 8503/2000, onde se estabelece uma operação urbana consorciada de parceria pública e privada para a criação do Parque Foz do Riacho Maceió, esta operação prevê a implantação de um parque e a construção de três de edifícios. O processo gerou muitas discussões e atualmente está em fase de implantação, é o que demonstra o decreto municipal nº 12.395, de 30 de maio de 2008 (FORTALEZA, 2008), que declara este local como espaço de utilidade pública para fins de desapropriação, atingindo, portanto, os bens e imóveis situados na avenida Beira Mar nº 4258, no bairro Mucuripe.

De todas as áreas da zona litorânea cearense, a de Fortaleza é a que mais gravemente vem sofrendo alterações, principalmente as dunas, as praias e os recursos hídricos. Essas alterações influenciam diretamente na qualidade de vida da população.

Os processos de descaracterização não se resumem apenas às áreas da foz. São as dunas os elementos da paisagem que mais são impactados com a ação do setor imobiliário, das atividades do turismo e das ocupações irregulares.

De acordo com o Fórum da Sociedade Civil Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1993), o objetivo maior da degradação das dunas tem em vista a especulação imobiliária, a retirada da vegetação, normalmente acompanhada por desmonte e aplainamento das dunas. Disso, resulta a ausência de transporte de sedimentos pela planície costeira, o que implica numa ampliação dos processos erosivos marinhos sobre a faixa de praia, uma vez que o transporte desse material tem papel fundamental no processo de regularização da linha da costa. A erosão que se intensifica a Oeste de Fortaleza, nas praias de Iparana, Pecém e Paracuru, certamente acha-se associada a esses fatores. Situação semelhante resulta da obstaculação do vento por estruturas urbanas como prédios e obras costeiras.

O processo evolutivo de ocupação da área do Sistema Hídrico Maceió/Papicu pode ser evidenciado na figura 10. As modificações drásticas do ambiente natural

intensificam-se a partir da década de 40, com a abertura do porto do Mucuripe e das instalações de atividades ligadas a ele.

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Figura 10 – Evolução das intervenções antrópicas na Ponta do Mucuripe durante o século XX

A instalação do porto provocou mudanças consideráveis no transporte de sedimentos por deriva litorânea, acentuando o processo de erosão, fazendo-se necessário a implantação de uma bateria de molhes costeiros, sobretudo na Praia de Iracema, onde a retenção dos sedimentos provoca o avanço do mar com bastante intensidade.

Através do recorte temporal, expressos nas fotos da figura 10, podemos observar as mudanças provocadas pelo uso e ocupação deste setor de Fortaleza. Modificou-se inteiramente a dinâmica natural do ritmo de migração das dunas e dos sedimentos pela ação dos ventos e corrente costeira provocando deposição de sedimentos ao lado da Praia do Futuro/Serviluz e a ausência desses sedimentos, após o molhe do Titanzinho.

O processo histórico de ocupação do Sistema Hídrico Maceió/ Papicu culminou com sua total descaracterização. As constantes intervenções reduziram suas margens e áreas alagáveis, a canalização sob galerias concretadas, as ocupações por favelas, os aterros, os lançamento de esgotos e lixo, configuram como os principais problemas socioambientais decorrente do extenso processo de urbanização deste setor da capital cearense.