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5.4 Atribuição de causas para a mudança de comportamento das cheias

5.4.1 Análise de Mudanças estruturais das variáveis explicativas

Os resultados apresentados nesta seção reproduzem os métodos utilizados nas séries de

AMF, aplicando-se às variáveis explicativas consideradas (Tabela 4.2)6. Considerou-se, primeiramente, as variáveis explicativas da componente bacia hidrográfica, em espacial as vazões médias anuais (AAF). Saltos foram observados em 33 estações entre 1972 e 1976 (Figura 5.22a). Em 17 estações também foram observadas reduções bruscas de vazões entre 1982 e 1997. Em 15 locais apesar de não terem sido observadas mudanças no comportamento das cheias, isso ocorreu com as vazões médias. Ou seja, apesar de as condições da bacia serem desfavoráveis para ocorrência de cheias antes de 1973 nesses locais (em virtude, por exemplo, de baixos níveis dos aquíferos, como é indicado pelas reduzidas vazões médias), outros fatores contribuíram para que nas séries disponíveis as cheias tenham tido magnitude normal nesses locais (por exemplo, precipitações intensas em escalas de tempo menores).

6 Resultados parciais desta etapa foram apresentados e publicado nos anais do 1º Encontro Nacional de Desastres (Santos et al., 2018a) e estão anexados a este documento. Os resultados aqui apresentados também fazem parte de publicação submetida ao Hydrological Processes. A versão submetida ao jornal também foi anexada a este documento.

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(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

(g)

Figura 5.22. Panorama regional dos saltos observados em variáveis hidro-climatológicas relacionadas com as cheias: (a) vazão média anual; (b) precipitação acumulada anual; (c) coeficiente de runoff anual; (d) precipitação máxima anual; (e); número de dias com pelo menos 10 mm de chuvas; (f) episódios com ao menos 5 dias consecutivos de chuvas; (g) evapotranspiração potencial estimada com a equação de Hargreaves.

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Na Figura 5.22, observa-se, ainda que, dentre os locais afetados pela construção da UHE Manso, em três deles também foram observados saltos nas vazões médias. Isso sugere que apesar de o impacto principal do reservatório ter sido observado nas cheias (que foi um dos propósitos da construção e operação do reservatório), sua entrada em operação também pode haver provocado mudanças do comportamento das vazões médias. Isso indica, por sua vez, que uma combinação dos efeitos da entrada em operação do reservatório (aumento da evaporação direta do reservatório, por exemplo) e variabilidade natural (forçantes atmosféricas, da bacia e do rio) contribuem com a observação de saltos negativos das vazões em torno do ano 2000.

As vazões ao início do ano hidrológico (𝑄0) e a vazão no i-ésimo meses antes da ocorrência da vazão de pico (𝑄𝐴𝑛𝑡𝑒𝑟𝑖𝑜𝑟) também apresentam visualmente um padrão de mudanças muito parecido com aquela das vazões médias anuais. Isso é esperado, considerando-se, por exemplo, que o coeficiente de correlação entre as variáveis é superior a 0,95. Em função da forte sazonalidade da hidrologia regional, a 𝑄0 é usualmente

observada após longo período de estiagem e é formada basicamente de vazão de base. Sendo assim, entende-se ser razoável assumir que as vazões médias podem ser utilizadas como indicadoras da umidade antecedente na bacia (Brutsaert, 2008).

Os fatores físicos que possivelmente contribuem com essa semelhança entre as dinâmicas das vazões médias e as vazões máximas são a acumulação da água nos reservatórios superficiais de água, longos períodos de concentração nas áreas de planície pantaneira (Collischonn et al., 2001), escoamentos muito lentos, reduzido gradiente na bacia (Pupim et al., 2017) e área das bacias estudadas (Collischonn et al., 2001) podem estar associados à formação das cheias. Os pontos em que essa variável não apresenta importante correlação são localizados nos trechos onde a área de drenagem é menor. Além disso, essa região está à montante do Pantanal, cujas características hidráulicas contribuem mais com essa dependência serial (resultado da formação de reservatórios de acumulação naturais). A boa correlação da vazão observada ao início do ano hidrológico 𝑄0 apresenta a mesma justificativa, uma vez que também reflete nas condições de armazenamento de água da bacia como resultado dos processos hidrológicos observados no ano anterior.

Em relação à precipitação acumulada anual (ACP), em geral ela respeita o padrão observado da AAF. Contudo apresenta alguma antecipação em relação aos saltos, além de serem menos frequentes. Foram observados saltos em 11 bacias entre o final dos anos 1960

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e início dos anos 1970 (Figura 5.22(b)). Regionalmente, ocorreram com mais frequência na bacia do alto rio Paraguai, Cuiabá e Taquari, onde, com base nos dados de precipitação, verifica-se maior volume médio anual. Com relação às chuvas, ainda que seu efeito seja menos perceptível nessa análise das séries históricas, em virtude do tamanho das áreas de estudo consideradas, pequenas alterações nas precipitações podem implicar em grandes mudanças no comportamento das vazões (Collischonn et al., 2001).

Combinando os efeitos da ACP e da AAF, os coeficientes de runoff anuais (ROC) obedecem a um padrão semelhante, com mudanças observadas nos anos 1970 e 1990. Sugere-se que a redução das chuvas foi acompanhada por uma redução da produção de escoamento superficial na bacia. Essas mudanças da variável ROC pode ser induzido por causas naturais ou atividades humanas. O primeiro caso ocorreria, por exemplo, se após um período prolongado de secas, a umidade reduzida do solo pudesse aumentar significativamente os processos de infiltração no solo e, assim sendo, reduzir a formação de escoamento na superfície do solo em episódios de chuvas (Hughes et al., 2012; Silberstein et al., 2012). O segundo caso, quando mudanças do ROC são induzidos por atividades humanas, poderia ocorrer em virtude da substituição de áreas de florestas por áreas voltadas para agricultura e pecuária, considerando-se que isso provocaria potencialmente uma redução das perdas por interceptação e evapotranspiração, o que, consequentemente, favoreceria a formação de escoamentos superficiais (Collischonn et al., 2001; Galdino et al., 2002). Além disso, as perdas por infiltração para áreas mais profundas do solo poderiam aumentar nesses casos, o que poderia compensar o aumento do ROC provocado pela redução da interceptação e evapotranspiração.

Estudos anteriores na bacia especulam que as mudanças observadas nas vazões poderiam estar associadas a mudanças do uso do solo. Essas especulações são baseadas no fato de que entre meados dos anos 1970 e dos anos 1980, a bacia do rio Taquari (uma das principais sub-bacias que contribuem para a área de estudo) observou uma grande evolução das áreas destinadas à agropecuária (Collischonn et al., 2001; Galdino et al., 2002). Contudo, limitações dos dados são fatores que dificultam uma afirmação mais categórica nesse sentido.

Por outro lado, a observação da Figura 5.22 sugere que existe uma relação entre as mudanças dos coeficientes de superficial e fatores atmosféricos, uma vez que existe uma relação entre PAA, AAF, AMF e ROC que é consistente com os processos naturais de

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mudanças de ROC, ou seja, que as mudanças do balanço hídrico podem ter sido provocados por períodos prolongados de secas. Se períodos prolongados de secas e elevadas temperaturas podem provocar mudanças nos processos de formação de escoamentos superficiais (Barria et al., 2015; Hughes et al., 2012; Silberstein et al., 2012; Xu et al., 2014), análises mais aprofundadas dessas variáveis devem ser realizadas com o propósito de atribuir de forma mais consistente as mudanças observadas a fatores naturais ou antropogênicos.

Com relação às precipitações máximas anuais, a Figura 5.22d mostra que o padrão de precipitações intensas não reproduz as mudanças observadas anteriormente. Isso indica que as precipitações intensas são menos importantes na formação das cheias do que as chuvas acumuladas (sazonais e anuais) e o volume de água acumulado na bacia. Da mesma forma, as chuvas observadas nos 30 dias que antecedem a vazão de pico também apresentam padrão muito distinto das cheias (gráfico apresentado no apêndice). Essa constatação é reforçada, por exemplo, observando-se que é comum que as precipitações máximas anuais ocorram meses antes ou depois das cheias anuais na área de estudo.

Essa constatação não descarta o uso das chuvas intensas e sazonais como preditoras das vazões no curto prazo. Ao extrair, a componente de baixa frequência e sazonais, essas variáveis podem ser utilizadas nas previsões de curto prazo das vazões de pico, ainda que seu padrão de oscilação de longo prazo não guarde relação com aquele das vazões de pico.

Quando observado o padrão de distribuição das precipitações por meio do número de dias com pelo menos 10mm de chuva (Figura 5.22e), ele apresenta um padrão semelhante àquele das cheias anuais. Em 21 locais, foram observadas mudanças entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 e alguns saltos negativos foram observados durante os anos 1980 e 1990. Em 20 locais, nenhum salto foi observado nesse parâmetro. Em 21 estações, esse mesmo padrão é repetido quando se avaliam o número de episódios com pelo menos 5 dias consecutivos de chuvas (Figura 5.22f). Deste modo, esses gráficos indicam que as chuvas não foram necessariamente mais intensas, por exemplo, no período entre 1985 e 1995 indica que a quantidade de dias chuvosos e o número de episódios consecutivos de chuvas nesse período foram maiores. Isso sugere uma atuação mais significativa de sistemas frontais na região durante esse período, que estão associados a dias consecutivos de chuvas mais do que precipitações intensas. Sugere ainda que a atuação de sistemas convectivos contribui menos com a formação das cheias na região.

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Por fim, a Figura 5.22(g) apresenta os resultados das mesmas análises pra os dados de evapotranspiração potencial (ETP). Esse resultado sugere que mudanças de comportamento da ETP, também foram observados em 17 locais que apresentaram períodos prolongados de ETP abaixo do normal em alguns locais da bacia no período de 1972 até meados finais dos anos 1980. Esse período foi aquele que, em média, as cheias mais extremas foram observadas na bacia. Sendo assim, essa variável também se mostra como potencial candidata a preditora do comportamento das cheias.

Sumarizando, as variáveis que apresentam comportamento semelhante àquele das cheias e que provavelmente apresentam um nexo causal com as chuvas estão associadas à bacia (vazões médias – como indicadoras da umidade antecedente; evapotranspiração potencial; e balanço hídrico na bacia – coeficiente de runoff) e atmosfera (chuvas acumuladas anuais; e padrão temporal das chuvas). As chuvas intensas e de curto prazo não apresentam padrões semelhantes de oscilações de baixa frequência, porém, podem ser consideradas como preditoras das vazões em curto prazo.

Esses resultados sugerem prognósticos para o comportamento do clima futuro, por exemplo, em um cenário de mudanças do clima. Na análise de eventos extremos na bacia do rio La Plata, cenários futuros de mudanças climáticas na região indicam a intensificação de eventos extremos de precipitação, o que é mais evidente na parcela sul da bacia (Cavalcanti et al., 2015). Essa parcela não corresponde exatamente à área de estudo, contudo, cobre a parte localizada mais próxima à estação de Porto Murtinho. Esses mesmos cenários, porém, indicam uma redução da frequência de eventos de precipitação moderada e fraca (Cavalcanti et al., 2015). Este último poderia sugerir uma redução das vazões médias como resultado da diminuição dos episódios de precipitação.

Por outro lado, Sordo-Ward et al. (2017) produziram prognósticos de comportamento climático para a bacia do rio La Plata, utilizando-se o modelo de circulação regional ETA- HadGEM2. Os resultados sugerem um aumento da frequência de ocorrência de secas para o período de 2011-2040 na região do alto rio Paraguai. Especificamente do lado brasileiro da bacia, as projeções para esse período são de reduzidas precipitações e o aumento da evapotranspiração potencial. Para os períodos subsequentes (2041-2070 e 2071-2100), existe uma tendência de retorno da precipitação e evapotranspiração potencial aos níveis climatológicos atuais ou pouco superiores, o que reforça a existência de oscilações de baixas frequências nas variáveis hidrológicas da área de estudo.

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Esses resultados podem sugerir que ao longo do período de 2011-2040, as perdas por evapotranspiração e as reduzidas precipitações fariam com que a umidade antecedente na bacia fosse menor que os valores observados atualmente e os volumes sazonais e anuais de precipitação também, ao aproximar do período de 2011-2040 do comportamento observado ao longo dos anos 1960 na área de estudo. Como as precipitações sazonais tenderiam a reduzir e a evapotranspiração a aumentar, isso também poderia ocorrer com vazões médias anuais e, consequentemente, com as cheias. Esses resultados são consistentes com Marengo et al. (2016), que ao utilizar esse mesmo modelo chega às mesmas conclusões. Contudo, esses últimos afirmam que o sinal das simulações por conjunto dos modelos CMPIP3 e CMPIP5 apresenta grande dispersão, sugere-se ainda cautela na utilização desses prognósticos (Marengo et al., 2016).