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CAPÍTULO 2: Orientação Teórico-Metodológica

2.3 Análise Dialógica do Discurso – Círculo de Bakhtin

A Análise Dialógica do Discurso representa, nas palavras de Brait (2014), o conjunto das obras do Círculo à qual Bakhtin pertenceu. A autora afirma, ainda, que não se pode dizer que Bakhtin “tenha proposto formalmente uma teoria e/ou análise do discurso (...), entretanto, não se pode negar que o pensamento bakhtiniano representa, hoje, uma das maiores contribuições para o estudo da linguagem” (BRAIT, 2014, p. 9, grifo da autora). Trazer os estudos do Círculo de Bakhtin para esta pesquisa, significa, em consonância com Guilherme (2012, p. 75)

pensar os processos de ensino-aprendizagem e formação de professores de línguas estrangeiras e as pesquisas em Linguística Aplicada realizadas sobre eles como espaços discursivos em que uma multiplicidade de vozes são evocadas de diferentes espaços sociais e de diferentes discursos, revelando as relações que os sujeitos desses/nesses processos estabelecem entre o “eu” e o “outro” nos processos discursivos historicamente por eles instaurados. Voltando à Linguística Aplicada inter/transdisciplinar aqui defendida, ir aos estudos bakhtinianos para compreender os espaços de formação de professores como espaços dialógicos, permite, também, compreender os sujeitos-enunciadores da pesquisa como sujeitos que constituídos pela linguagem e pelo olhar do outro, estabelecem discursividades deixando vir à tona a polifonia de seus dizeres.

O sujeito, entendido pelo viés bakhtiniano, não nasce apenas como um indivíduo biológico abstrato, mas nasce a partir de sua inscrição histórica e ideológica, na classe e através da classe. Nesse sentido, Bakhtin (2014, p. 11) afirma que o indivíduo

para entrar na história é pouco nascer fisicamente: assim nasce o animal, mas ele não entra na história. É necessário algo como um segundo nascimento, um nascimento social.

Além disso, em Bakhtin (2010)temos a compreensão de que o sujeito só existe na relação com outro, existindo socialmente pelo crivo do outro. Tal relação e interação é estabelecida na e pela linguagem, sendo através da palavra, enquanto signo ideológico, que o sujeito se define em relação ao outro e à coletividade.

O indivíduo não existe fora de um contexto sócio-histórico-ideológico em que a linguagem é o meio pelo qual sua existência se efetiva. Nesse sentido, de acordo com Guilherme (2012, p. 67), a concepção de sujeito imbrica-se com a concepção de linguagem, “na medida em que essa linguagem/discurso, na Análise Dialógica do Discurso, é concebida como repleta/carregada de palavras de outros”.

Dessa forma, para Bakhtin (2009), o enunciado, tratado a partir de sua inscrição histórica, deve ser produzido por dois sujeitos historicamente constituídos, pois a palavra é

o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é

absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível da relação social (BAKHTIN, 2009, p. 36, grifos do autor).

A enunciação também pressupõe a interação entre indivíduos socialmente organizados. Segundo Bakhtin e Volochinov (1929[2010]) 11,

a enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística (BAKHTIN & VOLOCHINOV, 2010, p. 126).

No momento da enunciação, o sujeito traz à tona toda a sua constituição histórica e social através da palavra que, dirigida a um interlocutor, faz sentido dentro do auditório social estabelecido. Sendo assim, “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não

11

De acordo com Faraco (2010, p. 57), “todos os textos foram escritos, de fato, por Bakhtin e saíram sob as assinaturas de Volochinov e Medvedev quando a posição autoral envolvia um comprometimento com pressupostos de uma certa leitura marxista”.

é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo” (BAKHTIN & VOLOCHINOV, 2010, p. 125).

A concepção de linguagem estabelecida nas obras de Bakhtin (2010) entende a interação como a natureza da linguagem, sendo que a interação, a enunciação e o diálogo só se realizam na relação que o interlocutor estabelece com outro, em que compartilham o mesmo auditório social.

Guilherme (2008, p. 69) pontua que “a relação entre ‘eu’ e ‘outro’ pode ser considerada como parte nuclear da visão filosófica da linguagem proposta por Bakhtin”, uma vez que, para esse filósofo, a palavra só existe por meio da interação entre o interlocutor e o outro que dá sentido aos enunciados. Considerando o discurso como dialógico, orientado a alguém, Bakhtin (2010) pontua que, ao considerar o discurso a partir dessa orientação, é preciso também levar em conta “a relação social e hierárquica que existe entre os interlocutores” (p. 8).

A seguir, apresento as noções de dialogismo e polifonia estabelecidas pelo Círculo de Bakhtin e que nos ajudam na compreensão das discursividades em análise.

2.3.2 Dialogismo e Polifonia

Ao entender que o sujeito é constituído e definido pelo olhar do outro, Bakhtin (2009) entende que a linguagem está carregada de palavras de outros que se imbricam e estabelecem relações através da interação verbal entre os sujeitos. Para Bakhtin (2011), o sujeito só está acabado através do olhar do outro.

Ao considerar que o sujeito é perpassado pelo olhar do outro e sendo, o primeiro, o sujeito da linguagem, é por meio dele que a interação verbal toma forma. Para Bakhtin (2009), a interação verbal vai além da interação face a face, entre locutor e ouvinte, mas envolve qualquer forma de comunicação que o sujeito se inscreva. Nesse sentido, assim como afirma Bakhtin

o enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem leva-las em conta é impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a nossa própria ideia – seja filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros (...) (BAKHTIN, 2011, p. 298).

Nesta pesquisa, o discurso entendido pelo viés bakhtiniano tem uma dimensão dialógico-polifônica. Assim como afirma Guilherme (2008), a polifonia é tomada em sua

dimensão sujeitudinal dos discursos, permitindo identificar as vozes que atravessam tais discursos, vozes dos sujeitos e de sujeitos outros, “marcadas, não marcadas ou constitutivas, silenciadas ou apagadas na composição enunciativa” (p. 70). É por meio dessas vozes que atravessam os discursos e constituem os sujeitos que, segundo Bakhtin (2011), o indivíduo pode “manifestar-se em um som único, em uma palavra única, precisamente as vozes” (p. 327, grifos do autor).

A polifonia, conceito retirado da obra bakhtiniana para caracterizar a estética dos romances de Dostoievski, diz respeito à

multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a pecualiaridade fundamental [...]. Não é a multiplicidade de caracteres e

destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da consciência uma do autor, se desenvolve nos seus romances; é precisamente a multiplicidade de

consciências equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa

unidade de acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade. (BAKHTIN, 2013, p. 04, grifos do autor)

Dessa maneira, entender quais as vozes que constituem os enunciados dos sujeitos da pesquisa é, também, compreender que há uma multiplicidade de vozes em seus dizeres que apontam de qual lugar sócio-histórico-ideológico esses sujeitos falam, por meio da visão de que os discursos em sua característica heterogênea e dialógico-polifônica implicam na inscrição do sujeito em um lugar discursivo determinado. Ao trazer para a pesquisa a perspectiva de discurso, proposta por Bakhtin (2009) e Pêcheux (2010), entendo ser possível analisar criticamente os dizeres que constituem as inscrições discursivas dos estudantes do Curso de Letras no momento da escolha da habilitação.

Tendo apontado a relevância da filosofia da linguagem de Bakhtin, apresento, a seguir, os percursos metodológicos-analíticos empreendidos para o desenvolvimento da pesquisa.