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5 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.2 Análise e discussão dos dados

5.2.4 Análise do caso do deputado

Fundamentar a prisão preventiva no fato de o acusado ser professor ou pela presunção de exercer influência sobre a vítima demonstraria a ausência do periculum libertatis (CHEDIAK, 2017). A estratégia visa conduzir o auditório a razões e/ou argumentos, ainda que não encontre suporte na lei, julgando a pessoa por seus atos.

Com as investigações, houve ciência acerca do vídeo intitulado Política Play, publicado no Youtube pelo deputado federal D.S. Segundo o Ministro relator do inquérito, o vídeo atacava, por meio de ameaças, a honra da Suprema Corte e seus ministros, propunha medidas antidemocráticas, ao defender o AI-5, bem como a destituição dos Ministros do STF. Após conhecimento do teor do vídeo, o relator do inquérito decidiu pela prisão em flagrante do deputado federal, por crime inafiançável e determinou ao Diretor Geral da Polícia Federal a execução. Na decisão pela prisão em flagrante, o Ministro considerou gravíssimas as manifestações do deputado, conforme observamos no seguinte trecho:

[...] As manifestações do parlamentar D.S., por meio das redes sociais, revelam-se gravíssimas, pois, não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do poder judiciário e a manutenção do estado Democrático de Direito [...]”.

No texto judicial da prisão, que antecedeu o decreto cautelar preventivo, percebe-se um raciocínio sustentado na ameaça contra a ordem constitucional de um país com recente abertura política. O referido texto destaca o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em caixa alta, na busca da credibilidade e proteção dessa instituição, devido ao abalo da imagem dos magistrados frente à polarização política, como quem buscava, de forma incisiva, demonstrar a qual poder pertencia e/ou demonstrar seu lugar retórico de fala.

Com um discurso democrático, o relator buscou confundir a arbítrio em decisão que contrariou o sistema processual penal acusatório, por ser pessoa afetada pelo suposto fato, definido, no relatório, como crime. Assim, além de vítima/acusador, o relator decidiu por bem da democracia. O lugar de ordem “[...] Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL [...]” buscou registrar a superioridade do orador e deixar menos perceptíveis argumentos inconsistentes e/ou falaciosos, os quais carecem de fundamentos válidos, com o propósito de conduzir raciocínios a uma lógica inexistente:

[...] A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado democrático (CF, artigo 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestação nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais - Separação dos

poderes (CF, artigo 60, § 4º), com a consequente, instalação do arbítrio [...].

Ao tomar como suporte da retórica institucional a Constituição Federal, o orador buscou construir um ethos digno de fé, com conhecimento de causa, para mover com segurança o auditório para um espaço de confiança. Dessa forma, transcreveu norma legal para fundamentar interpretação inadequada, já que a Constituição Federal não proíbe qualquer manifestação do pensamento, mas apenas veda o anonimato, que dificultaria reparos proporcionais ao agravo.

Entre as condutas descrita na decisão do Ministro, constou que o deputado tentou controlar “[...] a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas” (RELATÓRIO INQUÉRITO Nº 4.781, DISTRITO FEDERAL,16/02/21, s/n).

Segundo a decisão, o estado de flagrância e ardência do crime que autorizou a prisão estaria no fato de o vídeo estar disponível na rede mundial de computadores.

Com a prisão em flagrante do parlamentar, realizada por ordem do relator, o plenário do STF referendou e encaminhou os autos à Câmara Federal para que o voto da maioria dos deputados decidisse sobre conversão em prisão cautelar. Por conseguinte, evidencia-se o predomínio do gênero deliberativo, em que a Relatora da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania fez constar no relatório, votado pela maioria dos parlamentares, que o custodiado teria pugnado “[...] pela cassação dos atuais integrantes [...]” do STF, quando das críticas realizadas:

Nem a Democracia nem as instituições brasileiras são ideais e, com frequência, sobram motivos para críticas que, de acordo com a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, podem ser duras, contundentes e até mesmo irônicas. Nenhuma autoridade, é preciso deixar claro, está imune à crítica, seja ela o Presidente da República, os Presidentes das casas dos Poderes Legislativos, os parlamentares, os ministros do Supremo Tribunal federal, os magistrados ou os membros do Ministério Público, mas é preciso traçar uma linha e deixar clara a diferença entre a crítica contundente e um verdadeiro ataque às instituições democráticas.

No excerto acima destacado, a palavra “Democracia” foi grafada com inicial maiúscula, como se fosse um substantivo próprio, subdividido e/ou especificado. Da mesma forma, registra que a atitude do deputado custodiado reportou em ataque às instituições democráticas, como se fossem dotadas de sentimentos ou personificadas.

O voto da relatora aportou-se nas afirmações do Ministro Relator do Inquérito nº

4781-DF, que figuraram como exposição de provas, que foram vinculadas ao prestígio da instituição STF.

O apelo aos sentimentos e vivências dos deputados evidencia-se no excerto que analisa toda a trajetória do parlamentar custodiado, ao invés do fato específico, como se fosse possível fatos externos ou condutas pretéritas influenciarem um julgamento, senão para agravar, na dosimetria da pena:

Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de estado e de incitação à violência contra autoridades públicas.

A técnica de ruptura consiste em separar um igual pela desigualdade e/ou incompatibilidade apresentada, pelo que se julga de um parlamentar e o que se pensa do ato. Com essa técnica, a relatora buscou atingir a identidade do auditório, formada por parlamentares, para que tal identidade não influenciasse na deliberação e/ou voto pela permanência da prisão cautelar.

Observamos que o deputado extrapolou o limite jurídico da liberdade de expressão, porém as fundamentações encontradas nas três peças que compõem a segregação cautelar (decisão pela prisão em flagrante delito; relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania; substituição do decreto preventivo por outras medidas cautelares) são fundamentadas em prova retórica e/ou paixão, mas não no limite jurídico das Leis de 2011 e 2019, que modificaram sistematicamente a matéria de prisão cautelar preventiva no CPP.

No decreto prisional do deputado, verificamos a punição antecipada, pelo desprezo, para servir de exemplo e inibir condutas sugeridas aos seguidores do parlamentar: “[...] durante o trâmite desta Ação Penal, no período em que o denunciado esteve em prisão domiciliar, o seu reiterado desprezo pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e pelo Poder Judiciário, de modo geral, não se modificou [...]”

(CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM MEDIDAS CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO). Além disso, temos a figura da personificação, quando o orador atribui ao Poder Judiciário valores tipicamente humanos, como a honra: “[...] as condutas praticadas pelo Deputado Federal, além de tipificarem crimes contra a honra do Poder Judiciário [...]”.

A repercussão midiática foi elemento utilizado para justificar o medo de reiteração e consequente afronta ao regime democrático, como forma de legitimar segregação não autorizada pelas leis infraconstitucionais: “[...] o vídeo disponibilizado pelo parlamentar permanece disponível nas redes sociais e acessível ao público [...]”

(RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

A afirmação buscou apontar repercussão midiática na produção da insegurança social, pela divulgação de ideias antidemocráticas. No excerto “[...] o cometimento reiterado de condutas semelhantes pelo parlamentar amplamente conhecida e divulgadas pela imprensa do país e por ele próprio mostram que as ameaças aos integrantes do tribunal constitucional eram sérias e críveis[...]”, percebemos fundamentação genérica, capitulação em crime que o parlamentar se livraria solto, ou seja, responderia em liberdade, devido à quantidade de pena atribuída não comportar prisão, mesmo em caso de condenação.

Outra estratégia utilizada consiste de argumentos de medo sobre a gravidade do crime, maximizada por expressões superlativas referentes a um suposto perigo de lesão a independências dos Poderes: “[...] foram gravíssimas as ameaças realizadas pelo parlamentar [...]” e, também pelo temor da reincidência, como estratégia de permanência do risco a instauração de regime totalitário: “[...] O autor das condutas é reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nessa CORTE a pedido da PGR , por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente [...] ( DECISÃO PELA PRISÃO EM FLAGRANTE).

A construção do medo conduz o auditório ao sentimento de ser suscetível ao perigo e à legitimação de um rigor punitivo desproporcional à vontade do agente. O discurso de autoridade possibilita eficácia a um discurso instituinte que desrespeita normas constitucionais referentes à prisão e à liberdade. O poder conferido ao orador pela instituição indica-lhe autoridade e competência, o que pode aparentar mérito, ética e dever; assim, ante o privilégio retórico que o orador possui, há uma validação desse poder. O discurso autoritário da instituição permite a administração do medo e a busca pela segurança com segregações ilegais.

No Quadro 21, a seguir. demonstramos as estratégias empregadas nesse caso:

Quadro 25 - Estratégias empregadas no caso do deputado

Categorias Subcategorias Excertos

Estratégias argumentativas relacionadas ao

medo

A punição como exemplo para a sociedade

“[...] Durante o trâmite desta Ação Penal, no período em que o denunciado esteve em prisão domiciliar, o seu reiterado desprezo pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e pelo Poder Judiciário, de modo geral, não se modificou [...]” (CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM MEDIDAS CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO).

A repercussão midiática na produção da insegurança social

“[...] o vídeo disponibilizado pelo parlamentar permanece disponível nas redes sociais e acessível ao público [...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

“[...] o cometimento reiterado de condutas semelhantes pelo parlamentar amplamente conhecida e divulgadas pela imprensa do país e por ele próprio mostram que as ameaças aos integrantes do tribunal constitucional eram sérias e críveis [...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

Resposta à

comoção social

Sem exemplo

Prisão pela gravidade do crime

“[...] foram gravíssimas as ameaças realizadas pelo parlamentar [...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

Temor de

reincidência do acusado no crime

“[...] o cometimento reiterado de condutas semelhantes pelo parlamentar (...) revelando a periculosidade do colega e justificando a sua prisão para impedir a continuidade da prática delitiva [...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

“[...] O autor das condutas é reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nessa CORTE a pedido da PGR , por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente [...]

(DECISÃO PELA PRISÃO EM FLAGRANTE)

Estratégias argumentativas

relacionadas à figura de autoridade

Representada pelo julgador

“[...] feitas tais considerações, deixo consignado que considero presente caso excepcionalíssimo e, nesse contexto, julgo atendidos os requisitos constitucionais para decretação da medida cautelar [...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

Continua

Quadro 26 - Estratégias empregadas no caso do deputado

Categorias Subcategorias Excertos

Estratégias argumentativas

relacionadas à figura de autoridade

Representada pelo réu

“[...] Da transcrição, depreende-se uma clara tentativa de intimidar os ministros o Supremo Tribunal Federal, com ameaças ao livre exercício de suas funções bem como a sua integridade física [...]” “[...]Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de estado e de incitação à violência contra autoridades públicas[...]”

(RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

Estratégias argumentativas relacionadas aos

processos de ligação ou dissociação

Processo de ligação

“[...] as condutas praticadas pelo referido Deputado Federal, além de tipificarem crimes contra a honra do poder judiciário e dos Ministros do Supremo Tribunal federal [...]” (DECISÃO PELA PRISÃO EM FLAGRANTE) Processo de

dissociação

“[...]Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de estado e de incitação à violência contra autoridades públicas[...]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA).

Fonte: Elaborado pelo autor.