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5.2 A Máquina de Escrever

5.2.5 Análise do caso máquina de escrever

O caso da máquina de escrever apresentou uma importante transição tecnológica que teve início em meados dos anos 1960 e se consolidando nos anos 1990, quando as máquinas de escrever (sejam manuais, elétricas ou eletrônicas) foram substituídas pelos computadores.

Embora importante, o impacto da transição da máquina de escrever manual para a elétrica promoveu mudanças, embora não tão significativas na estrutura concentrada do setor. Desde a

formação da indústria, as empresas Remington, Royal, Underwood e L.C. Smith ainda permaneceram com algumas movimentações geradas por fusões e a entrada de novos players no mercado americano, como a Olivetti. A II Guerra Mundial e as resoluções do governo americanos, que incorporaram as fábricas do setor no esforço de guerra paralelamente à evolução da máquina de escrever elétrica, promoveram o desenvolvimento da IBM no setor, culminando com sua posição de liderança conquistada nos anos 1960.

O boom econômico experimentado pelos EUA após a II Guerra Mundial elevou o número de empresas e da burocracia, demandando mais equipamentos de escritório, cujo mercado cresceu substancialmente. Nessa fase transitória da indústria (UTTERBACK, 1996), com a constituição do design dominante em torno da máquina de escrever elétrica, havia pressões, pelo lado da demanda, por produtos que contribuíssem para o aumento da produtividade no trabalho consolidando uma tendência gerencial voltada à automação dos escritórios.

A então recente indústria de computadores se mostrava apta a iniciar uma revolução na produtividade empresarial. O lançamento da linha System/360 pela IBM, nos anos 1960, introduziu um conceito inovador nesta indústria por possibilitar a aquisição modular de um conjunto de computadores e periféricos. Com diversas faixas de preço, que variavam de acordo com o tamanho do módulo, o usuário poderia começar com um sistema menor e ampliá-lo, posteriormente, de acordo com sua necessidade. Isso abriu a possibilidade para que muitas empresas adquirissem seu primeiro computador (UTTERBACK, 1996).

Embora o System/360 tenha aberto novas possibilidades, o custo da tecnologia de computadores no escritório ainda era, de certo modo, proibitivo. As máquinas de escrever evoluíam na tentativa de automatizar parte do trabalho dos datilógrafos, tornando-o menos repetitivo e consequentemente, mais produtivo. Desde a década de 1910, tentativas em torno das máquinas de escrever automáticas foram apresentadas ao mercado, porém sem grande sucesso. O desenvolvimento da máquina de escrever Selectric MT/ST da IBM em 1964, introduz uma inovação significativa neste sentido, ao reunir em um produto características da máquina de escrever e dos computadores da época ao utilizar uma memória reutilizável para gravar e recuperar textos. Este produto híbrido inaugurou uma nova categoria de produto, o processador de texto (word processor), que conviveu com as máquinas de escrever até a transição promovida pelos computadores e atraíram diversos novos fabricantes para o setor.

O lançamento do processador de texto da IBM fazia parte da estratégia da empresa que se voltava a automação de escritórios, integrando uma linha que contava além dos processadores de texto, com as máquinas de escrever elétricas, máquinas de ditado e copiadoras. O termo processador de texto (word processing) foi também utilizado para promover a divisão de produtos para escritório da IBM ao mesmo status da divisão de processamento de dados (data

processing) responsável pelos computadores da empresa (HAIGH, 2006).

Os processadores de texto impulsionaram a produtividade de grandes empresas que criaram centros especializados de processamento de texto, com grande número destes equipamentos e funcionários exclusivamente alocados para operá-los. A mesma lógica empregada nos centros de processamento de dados, onde o computador retirou dos escritórios rotinas como folha de pagamento, planejamento de materiais e estoque.

O computador pessoal – uma inovação radical que teve origem no pioneiro Altair da MITS, nos anos 1970, passando pelos computadores da Apple e pelo IBM PC de 1981 – começou a minar a posição da indústria de máquinas de escrever, que neste momento já se apoiava nas máquinas de escrever eletrônicas e nos processadores de texto. Com o avanço dos computadores, este híbrido passou por uma série de inovações incrementais, que levou os novos modelos a se tornarem muito parecidos com os modernos computadores da época, equipados com monitores, processadores e até softwares.

Com base no caso, a primeira proposição (P1) pode ser confirmada. A IBM detinha ampla influência em sua cadeia de suprimentos, pois era líder em vendas em dois segmentos voltados a soluções para escritórios (computadores e máquinas de escrever). O processador MT/ST era um produto inovador, mas mantinha as características básicas de uma máquina de escrever. Esta inovação permitiu a ratificação da posição de liderança (técnica e de mercado) da IBM no setor.

Havia uma clara percepção na indústria que a competição no setor de máquinas de escrever e processadores de texto se baseava em disponibilidade de capital, na escala de produção e principalmente na capacidade de distribuição para atender a uma demanda crescente em todo o território americano (BUSINESS WEEK, 1975), o que corrobora com a segunda proposição formulada neste trabalho. O lançamento do primeiro processador de texto pela IBM, em 1964, também representou a possibilidade de prospectar uma nova tecnologia, que emergia dos

computadores da época, ao se adicionar uma memória ao equipamento permitindo o armazenamento e posterior recuperação de um trabalho datilografado que mais tarde poderia ser reproduzido.

É importante ressaltar que a viabilidade técnica do uso dos computadores para a edição de textos já estava disponível, sendo o custo que apresentava na época o fator impeditivo para sua utilização em escritórios. Ao mesmo tempo, havia muita incerteza quanto aos rumos que seriam tomados por esta tecnologia (onde o custo era uma variável importante), a ponto dos constantes lançamentos confundirem não só os consumidores, mas as próprias empresas do setor (BUSINESS WEEK, 1977).

A IBM controlava o mercado e o desenvolvimento nos dois setores (computadores e máquinas de escrever) e o lançamento da IBM MT/ST poderia ser interpretado como uma afirmação da liderança tecnológica da IBM na oferta de soluções inovadoras para a busca de produtividade nos escritórios, uma postura mais ofensiva, mas sem deixar de proteger sua posição na indústria de máquinas de escrever (posição defensiva). Desse modo, a P2 deve ser confirmada.

A terceira proposição (P3) pode ser confirmada, pois não resta dúvida que o híbrido estudado foi desenvolvido e lançado pela maior empresa do setor. Muitas outras empresas entraram nesta indústria e desenvolveram produtos concorrentes avançados, incluindo funcionalidades como monitores CRT, como foi o caso dos produtos da Wang, Lexitron, Vydec entre outros, mas coube a IBM o pioneirismo do processador de texto em 1964.

As competências e ativos complementares para a comercialização de máquinas de escrever elétricas podem ter sido decisivas para o sucesso na comercialização do processador de texto da IBM, o que parece estar refletido em sua posição de mercado neste segmento, que mesmo no período de maior concorrência representava mais da metade da participação total do mercado. Ao mesmo tempo em que explorava esses ativos e competências, o processador de texto permitiu à IBM prospectar as possibilidades que a computação traria aos escritórios, o que culminou com conflitos com a divisão de processamento de dados da companhia (responsável pelo desenvolvimento e comercialização de computadores), pois funcionalidades incrementais planejadas para processadores de texto os tornariam competidores diretos de alguns computadores da empresa. Assim, a quarta proposição (P4) pode ser confirmada.

Tem-se desse modo o Quadro 8, que resume a análise das proposições e o contexto de negócios que envolveu o lançamento do processador de texto.

Quadro 8 - Resumo da análise do processador de texto

Contexto Proposição Consistência

1. Híbrido desenvolvido: • por empresa estabelecida. • por empresa com poder na cadeia

de suprimentos (grande porte e liderança de mercado). • durante a fase específica da

indústria ou no final da era das evoluções incrementais.

2. A magnitude da inovação introduzida (computador pessoal) foi radical. 3. A inovação radical foi introduzida por

pequenas empresas sem posição no setor (novos entrantes).

4. Setor concentrado.

5. Produção industrial baseada em ativos e em grande escala.

6. Competências e ativos complementares necessários para competir bem

definidos e consolidados.

P1 Consistente. Claramente a IBM liderava o setor de máquinas de escrever com fornecedores e uma grande base de clientes consolidados antes do lançamento do hibrido MT/ST.

P2 Consistente. O setor atuava com base na escala de produção e distribuição e o lançamento do hibrido MT/ST permitiu à IBM intensificar a prospecção de novos conhecimentos técnicos e de mercado na área de automação e computação, levando o processador de texto a convergência com os computadores (estratégia ofensiva), porém sem abrir mão de estratégia defensiva da tecnologia existente da máquina de escrever.

P3 Consistente. A IBM era reconhecidamente a maior empresa do setor.

P4 Consistente. Ohíbrido MT/ST possibilitou com que a IBM intensificasse a busca por

conhecimentos e competências de novas

tecnologias relacionadas à automação de edição de textos (exploration), ao mesmo tempo que

empregava e continua usufruindo/explorando (exploitation) seus ativos complementares e das competências relacionadas à tecnologia existente da máquina de escrever.