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3. PSICOLOGIA DISCURSIVA

6.3 Análise do Discurso

6.3.3 Análise do Discurso de um Pastor Evangélico

No próximo exemplo de discurso, exporemos uma entrevista realizada em uma igreja evangélica com um Pastor Evangélico. As perguntas transitam também no mesmo universo do realizado com o Padre Católico.

ENT – Neste sentido, do papel da religião tanto para o indivíduo, quanto para a

sociedade, o senhor acha que alguma religião exerce um papel melhor que outra, outra religião?

PE – É[...] existe[...] a bíblia ela é feita do Gênesis ao Apocalipse e sabemos que a

bíblia é uma só.

Mas há uma divergência aí entre muitos líderes e... que passando a ensinar de forma diferente, então por isso que há muitas religiões e um só Deus e sabemos que só há um que vai nos dar a salvação.

Mas tem religiões que engloba outros deuses, né, e é aí que aonde nós precisamos vigiar, né, olhar, porque sabemos que, a bíblia diz que nós temos que olhar, orar e vigiar(...)

O repertório discursivo gira em torno de uma legitimação da religião pelo livro sagrado dos cristãos. A busca de legitimidade se constrói também a partir de uma comparação com religiões que engloba outros deuses. Neste sentido, a construção discursiva começa com um discurso teológico, mas em sua variabilidade toma contornos diferentes:

ENT – É, o senhor é favorável ao ensino religioso nas escolas? PE – O ensino religioso nas escolas, com certeza!

[...] temos que priorizar isso aí.

ENT – O senhor acha que qualquer religião pode ser ensinada ou deveria ser

ensinada? Por exemplo, as religiões cristãs, as religiões afro-brasileiras também deveriam ser ensinadas na escola pública?

PE – É... como é teu nome? ENT – Matheus

PE – Matheus. É, meu irmão... o evangelho... tão só, mas por haver muitas

divergências, muitos ensi..., falsos ensinamentos, eu creio que seria, de fato, pregado o ensinamento das escolas públicas e particulares, que fosse o evangelho genuíno, o evangelho de salvação.

Em meta que o alvo daquilo ali, como está escrito em Hebreus, capítulo 12:2, olhar para Jesus o autêntico salvador da nossa fé. Ele é o salvador do mundo.

A situação concreta do ensino religioso nas escolas evidencia a variabilidade discursiva, no sentido de que num momento há uma confirmação enfática e em outro, na situação de diversidade religiosa, há um recuo sobre o mesmo tema. A pausa longa no momento da resposta e a pergunta pelo nome do entrevistador, uma vez que já sabia o nome, mais que referenciar uma interação com o pesquisador, faz parte também dessa construção

discursiva acerca das religiões afro-brasileiras e sua identidade cultural. Além da variabilidade situacional, é recorrente a busca de legitimação social a partir dos escritos sagrados da religião que professa.

A construção discursiva desenvolve-se ainda mais a seguir.

ENT – É, no sentido de, da, por exemplo, é, tem um projeto do Governo Federal que é

o ensino religioso, voltando o ensino religioso, nas escolas públicas. A idéia do governo é que seja ensinado sobre todas as religiões, os aspectos de todas as religiões. Os aspectos culturais, os aspectos filosóficos, os aspectos, é, é, principalmente os aspectos culturais das, das religiões. Neste sentido entrariam as religiões cristãs, é, entrariam as religiões afro-brasileiras, devem entrar também as religiões orientais, o senhor acha que isso é um fato positivo? Nesta diversidade, ou o senhor acha que não deveria tão diversa, deveria ser restrita?

PE – Eu com certeza, deveria ser restrita, viu, a religião.

Sabemos que só há um só salvador.

Eu estou convicto para que tantas as religiões?

Que só há um salvador, então, é como foi falado anteriormente, pregar aquele evangelho genuíno, salvação.

O discursivo aqui encontra eco num universo simbólico e concreto teológico cristão, em que a verdade e a salvação estão em uma única forma, que seja a exposta acima. Neste sentido, a construção de discursos racistas, que estão implícitos em discursos teológicos, se desenvolve a partir de uma situação concreta.

ENT – O Movimento negro, movimento cultural negro ele, ele pede, uma de suas

reivindicações seja justamente o ensino da cultura negra, a cultura da África e traz todas as suas tradições culturais, suas tradições religiosas e, a História Afro- brasileira já é, já faz parte do currículo escolar e também está com o ensino religioso. O senhor acha importante, também inserir esse contexto?

PE – Não! De forma alguma, porque eles, eles trazem a, a, os africanos e outros

países que adoram vacas, que adoram bezerros, e baratas, eu creio que seria trazer esse, esse costume para nós, não há, não seria tão...

Como diz Iñiguez (2004), os códigos informais são mais poderosos que os formais, uma vez que estão inseridos socialmente. O branqueamento se estabelece também numa forma de menosprezar uma cultura, inserindo-lhes elementos que não existem em seu meio.

O discurso que se constrói numa aparente dicotomia teológica, reafirma os estereótipos raciais, através de uma falsa inserção cultural. A articulação de estratégias dos costumes para expor os argumentos teológicos endossa esse discurso.

O uso linguístico é mais que um suporte gramatical, é uma estratégia discursiva para uma argumentação baseada na cultura branca. O universo simbólico em torno da cultura africana, em que o exotismo e o folclore são vistos de formas pejorativas, servem de argumentos para a inferiorização de uma cultura e seus “malefícios” para a sociedade cristã (Gomes, 2003; Iñiguez, 2004; Foucault, 2006; Van Dijk, 2008).

Exemplo de discursos racistas revestidos de diferenças teológicas encontram-se nos dias atuais sendo notícia na mídia nacional. Recentemente, outubro de 2009, uma professora acusou a diretora da escola de proibi-la de dar aulas após a mesma ter feito um trabalho escolar sobre o livro “Lendas de Exu”, que faz parte dos livros recomendados pelo Ministério da Educação. Não fosse esse fato, aparentemente uma atitude de intolerância religiosa, mas as

mães de algumas crianças queriam que a professora não ministrasse mais aulas sobre a África4.

O discurso racista é revestido de intolerância religiosa, e esse pelo discurso racista. A articulação dialética discursiva toma diversas formas, sendo que encobrimos algumas para revestir de outras formas.