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Capítulo 5 As revistas femininas brasileiras online e a Análise do Discurso sobre feminismo

5.2 Análise do Discurso sobre feminismo da revista TPM

O texto destacado, por meio dos marcadores discursivos, no mês de janeiro da revista Trip para Mulheres (TPM) é “App defende direitos das trabalhadoras domésticas”, autoria de Bruna Bittencourt. Como subtítulo, explicita-se “Premiado, o aplicativo Laudelina luta contra a servidão e o servilismo”.

O texto é em formato de notícia, apresenta lead, é claro e objetivo. Observa-se, por parte da TPM, textos mais curtos e mais característicos das mídias digitais. Neste caso, o texto elegido é sobre a aplicação Laudelina para celulares, que objetiva auxiliar as trabalhadoras domesticas em questões burocráticas e trabalhistas, já que este grupo, no Brasil, é vulnerável ao trabalho ilegal.

No país, 96% dos TD37s são mulheres, sendo que 61% delas são negras. "O trabalho doméstico tem importância na autonomia econômica dessas mulheres, mas é muito precarizado, com pouco acesso aos direitos formais", resume Lívia Zanatta, advogada da Themis, ONG feminista com sede em Porto Alegre, responsável por criar o aplicativo em parceria com a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenetrad). "Somente 30% das TDs tem carteira assinada, apesar da lei dos anos 70 que regulamenta sua obrigatoriedade." Mas, como 86% delas possuem celular, o início da mudança pode estar no bolso (Bittencourt, 2018, s/p).

Neste trecho, nota-se um tópico que suscita o marcador raça e etnia: as trabalhadoras domésticas, em sua maioria, são mulheres negras, entretanto esta informação é dada somente como estatística, não há um aprofundamento sobre as razões que levam a este fenômeno. Da mesma forma, quando se fala que a ONG responsável pelo projeto é feminista, há uma naturalidade nesta questão no decorrer do texto.

A escolha deste escrito como destaque é bastante peculiar às publicações da TPM, textos curtos, quase como notícias (com algumas exceções), mas principalmente que tomam o feminismo e as pautas que o atravessam, por exemplo, trabalho feminino e as mulheres negras, neste texto, como questões de conhecimento da leitora. Nota-se uma percepção, por parte da revista, que seu público já tem conhecimento de causa, e que o feminismo é algo que este domina e apoia de forma orgânica. Por outro lado, esse traço faz com que os textos da TPM, em sua maioria, se tornem fracos em nível de profundidade.

No mês de fevereiro, o texto “Linn da Quebrada leva seu pajubá para a Europa”, com autoria de Carol Ito, também confirma esta característica. O subtítulo expõe “Trocamos uma ideia com a MC paulista, que exibe em Berlim o documentário Bixa Travesty e segue pela Europa com sua Trava Tour”.

O texto se trata de uma entrevista com a cantora Linn da Quebrada. E como dito, confirma a visão da revista que de suas leitoras estão inseridas no contexto feminista, e não só feminista em ampla escala, mas com alguns conhecimentos sobre transfeminismo, por exemplo.

Bixa Travesty lembra como Linn da Quebrada entrou sem pedir licença na cena musical, defendendo a causa TLGB (ela faz questão de colocar a sigla de transexualidade à frente) e as infinitas possibilidades de experimentar gênero, corpo, sexualidade e arte. Com ela, estão a backing vocal, Jup do Bairro, e DJ Pininga, que formam uma aliança para furar a “cultura falocêntrica, de tudo girar ao redor do macho”, como ela explica à Tpm (Ito, 2018, s/p).

Salienta-se que quando a TPM muda a ordem da sigla LGBT38 para agradar a vontade da entrevistada, não há explicação a respeito do que cada letra da sigla representa, só existe a justificação da troca, afirmando que Linn da Quebra prefere que a transexualidade venha primeiro na abreviatura. Outra questão que é entendida como de conhecimento do público é a “cultura falocêntrica”, cuja teorização e argumentação se faz presente tanto no movimento político, quanto acadêmico feminista.

[TPM] No seu trabalho parece que você mistura os dois caminhos: a busca pelo autoconhecimento e a afirmação diante de uma sociedade transfóbica e racista. Como é lidar com esse jogo complexo?

[Linn da Quebrada] Costumo falar que minha música é, ao mesmo tempo, arma e antídoto, né? Eu me mato e sobrevivo por meio dela, desloco o ponto central do macho para os corpos feminilizados, crio um novo vocabulário, de tudo girar ao redor do homem. Chega, sabe? Agora, quem vai contar nossa história somos nós mesmas - e no nosso idioma (Ito , 2018, s/p).

Mostra-se na fala da entrevistada um desprezo pelo que seria a cultura falocêntrica, entretanto o que se destaca nesse trecho é quando Linn da Quebrada diz “agora, quem vai contar nossa história somos nós mesmas – e no nosso idioma”; a cantora se refere nesta fala sobre os termos e gírias típicas da comunidade LGBTQ+. Este dialeto popular é conhecido como “pajubá”, palavra que também dá nome ao álbum musical da cantora e é referido no título da publicação. Mais uma vez a TPM não abre grandes explicações sobre o termo, mesmo sendo uma questão específica, toma-o como já conhecida e somente afirma que esta linguagem incorpora palavras de matriz afro-brasileira.

Em março, o texto selecionado foi “O que vai ser de nós?” de Milly Lacombe; seu subtítulo explica o formato da publicação “Oito mulheres que admiramos nos ajudam a pensar que tipo de futuro estamos construindo”. Trata-se de oito pequenas entrevistas com mulheres que a TPM afirma ter “representatividade em suas áreas de atuação” falando sobre o futuro. Neste contexto, destacam-se trechos das entrevistas com Dominica Dias (estudante de artes cênicas) e Alice Ruiz (poetiza) que contribuem para o entendimento do feminismo na revista:

[TPM]Existe futuro sem feminismo?

[DD]39Acho impossível. Sem o feminismo negro, muito menos. As mulheres negras estão na base e, sem ela, não existe o resto.

[TPM] A Angela Davis afirma que quando uma mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se move com ela.

[DD]É isso. Minha mãe sempre falou o que eu sou e por que as coisas acontecem como acontecem para mim (Lacombe, 2018, s/p).

No excerto, verifica-se como a revista TPM está inserida no contexto feminista. Ao perguntar para a entrevistada se existe futuro sem feminismo e obter resposta, a revista faz uma citação à Angela Davis, ativista, professora e filósofa de notoriedade em temáticas e questões que envolvem a mulher negra. Ainda nesta entrevista, observa-se o momento em que a TPM se insere na conjuntura social feminina e feminista

[TPM]Acho que todas nós acabamos tendo que nos impor enquanto mulheres e feministas dentro de nossas próprias casas também.

[DD]É um trabalho de todo dia, a gente conversa, bate numa tecla e aí, aos pouquinhos, eu vou vendo os resultados. De vez em quando meu pai dá uma entrevista e eu falo: “Humm... Isso fui eu que eu falei para ele um dia”. Aí ele vai e fala para 5 mil pessoas num palco e eu penso: “Que bom”. É difícil, porque ele vem dessa construção que o homem negro tem de ser muito másculo, ser bravo ser forte o tempo inteiro (Lacombe, 2018, s/p).

O mesmo acontece no trecho da entrevista com Alice Ruiz

[TPM]Temos hoje um governo que praticamente nos eliminou do executivo. [AR]40Poucas coisas conseguem ser mais retrógradas do que a forma como esse governo está se expressando, mas ele tirou completamente a mulher de cena e as únicas que estão lá são absolutamente manipuladas: estão convictas de seu papel secundário. É muito perigoso isso. A mensagem é clara: você só vai ter um pouquinho de expressão se rezar pela nossa cartilha e defender as nossas ideias. E as nossas ideias consistem em você ser inferior. Aonde podemos chegar desse jeito? (Lacombe, 2018, s/p).

39 Dominica Dias. 40 Alice Ruiz.

Vê-se o momento em que a revista se assume como figura feminina e feminista. Ressalta-se, novamente, que o sujeito da fala é a TPM, tendo a Milly Lacombe somente a função social de autora. Por esta razão as frases “nós acabamos tendo que nos impor enquanto mulheres e feministas [...]” e “temos hoje um governo que praticamente nos eliminou do executivo” é a assunção da revista de seu perfil apoiante do feminismo, e que consequentemente corrobora para um discurso positivo do mesmo – afinal uma instituição ou empresa não atribui a si mesma um caráter que considere desviante, pelo contrário, uma organização (principalmente numa sociedade capitalista e que vive o marketing 4.041) assume posições que julga ser concordante com seu público-alvo.