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CAPÍTULO 3: MOBILIZAÇÃO DE SABERES EM UMA DISCIPLINA DE

3.3 Episódio 3: Análise de livros didáticos

3.3.2 Análise do grupo 3 – Coleção C

O grupo 3, composto por Afonso, Alice, Chiara, Mirtes e Raquel, foi o único que teve a oportunidade de observar todos os cinco livros da coleção, pois possuía cinco membros. Como a tarefa foi descrita detalhadamente no caso do grupo 1, destacaremos, aqui, apenas alguns aspectos que nos chamaram a atenção.

A análise final do grupo para a coleção analisada foi a seguinte (FIG. 23): Figura 23 - Registro do grupo 3 após análise da coleção C de livros didáticos.

Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador117

Como no grupo anterior, os critérios de escolha da coleção utilizados pelos estudantes giraram em torno da apresentação dos conteúdos de Geometria. Nos trechos das falas, como “ao final da unidade há uma revisão para relembrar os alunos sobre o que foi visto” (Alice) e “[...] a revisão é uma atividade de fixação sensacional” (Chiara), percebemos o fundamento

117 Transcrição da imagem: “O grupo adotaria esta coleção, pois, a mesma atende às especificações apresentadas no PCN, apresenta uma linguagem clara e de fácil compreensão para os alunos, além de apresentar ilustrações presentes no cotidiano das crianças auxiliando, assim, a compreensão dos conteúdos. Outro aspecto interessante dessa coleção é o feedback dado no encerramento da unidade proporcionando uma revisão do conteúdo trabalhado na aula”.

para o grupo responder que “outro aspecto interessante dessa coleção é o feedback dado no encerramento da unidade proporcionando uma revisão do conteúdo trabalhado na aula”. Essa produção coletiva tem origem nas análises construídas individualmente. Apresentaremos apenas um exemplo.

Raquel, ao analisar o livro de 2° ano, observou que o conteúdo de Geometria era apresentado em capítulos diferentes, tendo uma unidade para sólidos geométricos e outra para regiões planas e seus contornos. Os conteúdos eram propostos por meio de

brincadeiras, tirinhas, atividades para colorir, cruzadinha, adivinhas, pequenos testes, revisões, manipulação e observação de objetos, poesia, etc. e há várias atividades distintas e bastante interessantes para se trabalhar a Geometria, abordando em cada atividade os temas de forma que o aluno seja sempre instigado a raciocinar, refletir, discutir com seus colegas, revisar, entre outros aspectos que ajudarão os alunos a desenvolver seus conhecimentos.118

Para a estudante, a linguagem adotada era “simples”, as ilustrações eram “muito legais” e diversos exercícios eram propostos de diferentes formas. O livro contemplava as orientações dos PCN para o 2° ano, pois, segundo Raquel, propõe trabalhar com “a reflexão sobre as formas geométricas, percepção das diferenças entre as formas, construção e representação das formas, etc.”65 Por fim, ela afirma que gostaria de trabalhar com o livro, pois “é bem explicativo, ilustrado e com atividades bem interessantes que prendem a atenção do aluno”.65

Observamos aqui uma maior atenção ao aluno e como ele se sentiria/reagiria diante das propostas do livro. Além disso, há indícios de mobilização de saberes relacionados ao aluno e ao ensino (ou formas de ensinar). Um exemplo aparece na menção ao fato de que, em cada atividade do livro, os temas foram apresentados de modo que o aluno “seja sempre instigado a raciocinar, refletir, discutir com seus colegas, revisar, entre outros aspectos que ajudarão os alunos a desenvolver seus conhecimentos”65.

Ao final, Raquel ressalta que o livro era, entre outras coisas, “bem explicativo”. Não conseguimos naquele momento precisar o que a estudante quis dizer com isso. Em sua entrevista, ocorrida a cerca de quatro meses após o desenvolvimento do estudo, quando perguntada qual a intenção do formador para a tarefa de análise de livros didáticos, ela evidencia ter compreendido bem o papel da tarefa (análise de livros didáticos) que lhes fora

proposta, ao responder:

Era a gente escolher um material de qualidade pro menino! Pra trabalhar! Você pega um livro, você vê o que que eles estão trabalhando, o conteúdo, e escolher lá, igual você fez a gente fazer uma avaliação e tudo, pra escolher uma coisa de qualidade, um material que você vai conseguir atingir seu objetivo pra tratar determinado conteúdo.119

Embora não tenhamos muitos elementos para precisar em que medida a licencianda aflorou saberes matemáticos para o ensino, a nosso ver, existem indícios suficientes para afirmar que ela mobilizou saberes profissionais relacionados aos alunos, ao currículo, ao ensino de modo mais geral. Nos parece que Raquel aflorou saberes didático-pedagógicos relacionados ao ensino de Geometria.

Em síntese, nos parece claro, a partir da análise dos dois grupos anteriormente citados, que a tarefa proposta – análise de livros didáticos – representou um convite aos licenciandos para se “colocarem no lugar do professor”, o que foi aceito. Embora o conhecimento matemático tenha ficado em segundo plano, e isso seja um aspecto que precisaremos repensar com muito cuidado em situações futuras, a tarefa proporcionou uma oportunidade de mobilização de saberes relacionados à sala de aula; ao uso de recursos, em especial do livro didático; aos alunos e suas necessidades; ao ensinar e aprender, em termos didáticos e pedagógicos; etc. Também permitiu que percebêssemos a necessidade de rever crenças cristalizadas, tais como a apresentação dos conteúdos em uma sequência e a reunião de tais conteúdos em capítulos e não integrados aos demais tópicos de estudo.

Naturalmente, entendemos que os licenciandos ainda estão construindo olhares para a sala de aula e que o reconhecimento do saber profissional do professor seja algo em processo ainda depende de mais avanços em torno dos conteúdos matemáticos.

Contudo, compreendemos também que o desenvolvimento de saberes para ensinar Geometria não pode estar reduzido à formação inicial dos professores. O curso de Pedagogia, com todas as questões associadas à sua identidade e com todas as limitações de qualquer curso de licenciatura, nunca terá o número de horas necessárias para construir todas as aprendizagens desejadas na formação do futuro professor. Assim, como Rangel (2015, p. 20), entendemos que “os estudos sobre a formação profissional dos professores e a constituição dos saberes necessários para o ensino reconhecem a prática como uma dimensão

de produção de saberes docentes”. Nesse direcionamento, e sem perder de vista a ideia de que a formação inicial faz parte de um processo que visa ao desenvolvimento do professor como profissional, concordamos com a autora que traz em seu entendimento que “a formação do professor, com especial atenção à construção dos saberes docentes, deve ser entendida como um processo permanente, que tem início no curso graduação e se desenvolve continuamente com a prática docente” (RANGEL, 2015, p. 20).

Em suma, a tarefa proposta desencadeou nos licenciandos um conhecimento que possibilitasse a um futuro professor dos anos iniciais ampliar o leque de possibilidades ao preparar e ministrar aulas de Geometria. A forma por eles encontrada para essa mobilização foi o envolvimento com a proposta de ensino como um todo, munida de discussões em grupo e de momentos em que se tinha que colocar “a mão na massa”, simulando, em alguma medida, oportunidades de se aproximar da prática de um professor dessa etapa do aprendizado.