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CAPÍTULO IV: MODALIDADE E DA EVIDENCIALIDADE NO DISCURSO

2. ANÁLISE DOS DADOS

Iniciamos a análise pela distribuição geral das avaliações realizadas nos dois discursos. Na apresentação dos resultados quantitativos em forma de tabela, utilizaremos a abreviação AAG para o discurso da autoajuda genérica, representado pelo livro Os segredos da prosperidade (OLIVEIRA, 1997), e AAS para o discurso da autoajuda da saúde, representado pelo livro Metafísica da saúde (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003).

Na Tabela 1 abaixo, observamos a distribuição das ocorrências de modalizadores e evidenciais em relação ao total de ocorrências em cada obra analisada:

Obra Modalizadores Evidenciais Total AAG 463 89,4% 55 10,6% 518 100% AAS 304 88,9% 38 11,1% 342 100% Total 767 89,2% 93 10,8% 860 100% Tabela 1: Distribuição das ocorrências por tipo de qualificação

Podemos notar que a porcentagem na distribuição entre os dois tipos de avaliação é praticamente a mesma. As avaliações modais nas duas obras do córpus configuram cerca de 90% do total de qualificações, restando cerca de 10% de qualificações evidenciais. Portanto, a princípio, esses números parecem indicar que a escolha temática não exerce influência na escolha de modalizadores e evidenciais.

Entretanto, embora os dois livros apresentassem uma quantidade similar de palavras, o número de modalizações encontradas no livro de autoajuda genérica foi consideravelmente maior, pois cerca de 60% das 767 avaliações modais realizadas são da autoajuda genérica:

Obra Modalizadores AAG 463 60,4% AAS 304 39,6 % Total 767 100%

Tabela 2: Distribuição das qualificações modais por obra

É possível questionar se essa diferença indica uma maior necessidade do enunciador da autoajuda genérica em expressar avaliações de capacidade, obrigação e possibilidade do que a necessidade dessas mesmas avaliações pelo enunciador da autoajuda da saúde. A validade desse questionamento só poderá ser respondida por meio da análise mais detalhada de cada domínio modal e evidencial que faremos a seguir.

Cada um dos tipos de avaliação modal será analisado utilizando os critérios apresentados na seção anterior. A tabela 3, abaixo, apresenta a distribuição dos modalizadores por domínio da avaliação:

Obra Epistêmico Dinâmico Deôntico Volitivo Total AAG 208 44,9% 138 29,8% 112 24,2% 5 1,1% 463 100% AAS 173 56,9% 62 20,4% 66 21,7% 3 1,0% 304 100% TOTAL 381 49,7% 200 26,1% 178 23,2 08 1,0 767 100% Tabela 3: Distribuição dos modalizadores por domínio da avaliação

Por meio da Tabela 3, podemos perceber que, tanto na autoajuda genérica quanto na autoajuda da saúde, prefere-se o uso dos modalizadores epistêmicos sobre os demais modalizadores. Correspondendo, em média, a quase metade de todas as ocorrências, os modalizadores epistêmicos têm uma frequência ainda maior no discurso da autoajuda da saúde. A princípio, essa alta frequência de epistêmicos parece ser incoerente com o discurso da autoajuda: por se tratar de manuais de conduta, a expectativa é que fossem encontrados mais ocorrências de modalizadores deônticos. É possível que essa característica se deva a uma estratégia do enunciador da autoajuda para o convencimento de seus interlocutores. Faremos. agora, uma análise mais detalhada dos modalizadores epistêmicos, que será seguida pela análise comparativa do uso dos demais modalizadores.

Como dito anteriormente, a análise dos modalizadores epistêmicos deverá mostrar de que forma o enunciador avalia a possibilidade de ocorrência de um estado-de-coisas ou a verdade de uma proposição, mostrando maior ou menor segurança com relação ao conteúdo de seu enunciado. Primeiramente, analisamos o alvo da avaliação epistêmica:

Obra Evento Proposição Total AAG 90 43,3% 118 56,7% 208 100% AAS 154 89% 19 11% 173 100%

Tabela 4: Modalizadores epistêmicos de acordo com o alvo da avaliação

Os dados apresentados na tabela 4 mostram claramente a preferência do enunciador do discurso da autoajuda da saúde pela escolha de modalizadores epistêmicos orientados para o evento (exemplos 53 e 54), enquanto o enunciador da autoajuda genérica prefere os modalizadores epistêmicos orientados para a proposição (55 e 56)

(53) Aquilo que é bom hoje pode não ser o melhor amanhã, porque encontramos uma nova forma de agir. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.41)

(54) No tocante ao tema abordado, a pessoa que gagueja pode até estar bem informada, mas vai gaguejar por falta de confiança em si mesma. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.66)

(55) Evidentemente que não, portanto, de qualquer forma, certamente precisaria de ajuda, muita ajuda, para que tudo que você pensou se transformasse em realidade. (OLIVEIRA, 1997, p.5)

(56) Se você conseguir evoluir nesta vida, mesmo que seja no seu último momento de respiração, certamente numa outra continuará esta mesma evolução [...] (OLIVEIRA, 1997, p.32)

Ao orientar a avaliação epistêmica para o evento, o falante realiza uma avaliação a respeito de um estado-de-coisas, com base em seu conhecimento de mundo, como podemos observar no exemplo abaixo

(57) Em momentos que requeiram decisões, essa pessoa pode facilmente entrar em depressão. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.146)

Esse exemplo mostra como o modalizador epistêmico é utilizado para descrever a possibilidade de ocorrência de um evento, neste caso, uma pessoa entrar em depressão, baseado no conhecimento de mundo que se tem sobre esse evento e o que o torna possível,

como, nesse caso, a incapacidade de tomada de decisões. Como vimos no capítulo II, esse modalizador é classificado como objetivo epistêmico porque não há a performatividade do comprometimento, tornando essa avaliação menos parcial do que a sua contraparte subjetiva.

Acreditamos que essa escolha modal seja motivada pela temática da saúde de duas formas: por um lado, temos uma característica intrínseca à abordagem do tema, que enfoca a prevenção das doenças. O autor da autoajuda da saúde, logicamente, pretende que seu livro seja lido pelo maior número de pessoas possível, mas sabe que, evidentemente, o leitor não sofre de todos os males descritos na obra. Por esse motivo, frequentemente encontram-se passagens que explicam as possibilidade de ocorrência de uma certa doença. Ou, colocando em outros termos, frequentemente encontram-se passagens em que a ocorrência do estado de coisas, como “causar doença” em (58), é colocado como uma possibilidade:

(58) É o caso de uma pessoa comunicativa passar a censurar sua expressão, tornando-se calada. Isso pode causar doenças na garganta. O mesmo acontece com as crianças que são constantemente repreendidas na expressão verbal; geralmente elas apresentam inflamações na garganta. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.20)

Por outro lado, ao evitar o comprometimento com relação às suas avaliações de possibilidade ou certeza, o enunciador torna-se menos parcial, fazendo com que seu discurso se aproxime mais do discurso científico, no qual a parcialidade é uma característica rejeitada. Essa aproximação com o discurso científico não é aleatória: de acordo com Bakhtin (2003), ao construir um enunciado, antecipamos a reação de nossos interlocutores frente às ideias apresentadas em nosso discurso. De acordo com o autor (2003, p. 302),

Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de maneira ativa; por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce, por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado (dou resposta pronta às objeções que prevejo, apelo para toda sorte de subterfúgios, etc.). Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de

conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias - tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele. Essa consideração irá determinar também a escolha do gênero do enunciado e a escolha dos procedimentos composicionais e, por último, dos meios linguísticos, isto é, o

estilo do enunciado.

O enunciador da autoajuda da saúde pode esperar uma forte oposição em relação às ideias que apresenta em seu discurso, em especial a tese de que é possível curar qualquer doença por meio do poder interior do indivíduo. Contra esse argumento, existe o conhecimento científico de que existem doenças para as quais ainda não há cura, como o câncer, por exemplo. Esse conhecimento, embora científico, é amplamente divulgado e compartilhado até mesmo por pessoas com pouco acesso à instrução. Assim, prevendo a possível objeção de seu interlocutor, o enunciador da autoajuda da saúde busca aproximar-se do discurso científico, por meio da imparcialidade gerada pelo recurso linguístico da modalização epistêmica objetiva.

Além das possibilidades de comprometimento ou descomprometimento decorrentes da camada em que se aloja o modalizador (evento ou proposição), também é relevante analisarmos o valor da avaliação epistêmica realizada com maior frequência no córpus. A tabela 5, abaixo, apresenta a distribuição dos modalizadores epistêmicos de certeza e incerteza.

Córpus CERTEZA POSSIBILIDADE

AAG 125 87,4% 83 34,9% AAS 18 12,6% 155 65,1% TOTAL 143 100% 238 100%

Analisando inicialmente apenas a manifestação de possibilidade, podemos observar que o enunciador da autoajuda da saúde realiza mais avaliações de possibilidade (65,1%) do que o enunciador da autoajuda genérica (34,9%). A princípio, essa característica da autoajuda da saúde seria contraditória com relação às teses defendidas por ela, mais especificamente, com relação à tese de que é necessário acreditar plenamente em seus objetivos, sem demonstrar insegurança, como pode ser observado no exemplo abaixo:

(59) Para que a condição interna se torne realidade, é necessário crer de forma total, visceral, apaixonadamente ou a corporificar tais idéias (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p. 18-19)

Entretanto, como vimos anteriormente, a avaliação de certeza ou possibilidade pode ser realizada por um modalizador orientado para a proposição ou para o estado-de-coisas, em outras palavras, apresentando maior ou menor comprometimento com relação à avaliação realizada. Nas tabelas 6 abaixo, mostramos a distribuição dos modalizadores de possibilidade, de acordo com o alvo da avaliação:

Córpus Evento Proposição Total

AAG 69 83,13% 14 16,87% 83 100% AAS 151 97,42% 4 2,58% 155 100%

Tabela 7: Modalizadores de possibilidade de acordo com o alvo da avaliação

Podemos observar que as avaliações de possibilidade, em ambas as temáticas, são orientadas, em sua maioria para o evento, atuando na camada do estado-de-coisas. Em comentário acerca do nível da predicação da Gramática Funcional de Dik (1989), que equivale à camada do estado-de-coisas da GDF, Dall’Aglio-Hattnher (1995, p. 91-92) afirma que, ao modalizar seu enunciado nesse nível,

o falante se utiliza de meios linguísticos para fornecer ao ouvinte uma descrição de um estado-de-coisas, avaliando o estatuto de realidade desse estado-de-coisas. A predicação apenas dá a descrição de uma situação externa a que o falante faz referência como certa, provável ou possível. [Desse modo,] o falante se furta à responsabilidade sobre o valor de verdade de seu enunciado.

Assim, apesar de o enunciador da autoajuda da saúde expressar mais possibilidade do que o enunciador da autoajuda genérica, observa-se que a quase totalidade de ocorrências de possibilidade se dá na camada do Estado-de-Coisas. Ou seja, ainda que realizem em frequências diferentes as aliações de possibilidade, o enunciador da autoajuda, tanto da genérica como da específica da saúde, furta-se de responsabilidade sobre essas avaliações, indicando apenas que, de acordo com o conhecimento de mundo disponível, algo é possível ou não.

Passemos agora à análise das avaliações de certeza. Como vimos na tabela 5, o enunciador da autoajuda genérica realiza mais avaliações de certeza (87,4%) do que o enunciador da autoajuda da saúde (12,6%). Observa-se, ainda, que essas avaliações ocorrem marcadamente na camada da proposição nas duas obras analisadas:

Córpus Evento Proposição Total

AAG 21 16,8% 104 83,2% 125 100% AAS 3 16,67% 15 83,33% 18 100%

Tabela 6: Modalizadores de certeza de acordo com o alvo da avaliação

De acordo com as características do discurso da autoajuda apresentadas anteriormente, o esperado seria que o enunciador realizasse poucas avaliações epistêmicas, uma vez que, mesmo as indicações de maior grau de certeza como, por exemplo, seguramente, com certeza etc. não se equivalem à segurança demonstrada pela ausência de modalizador lexical; se algo é certo não há necessidade de se reafirmar sua certeza. A explicação para essa alta

ocorrência de modalizadores de certeza no discurso da autoajuda genérica pode ser buscada no alvo de avaliação desses modalizadores. Em sua expressiva maioria, as avaliações de certeza realizadas pelo enunciador da autoajuda genérica estão na camada da proposição, como podemos observar nos exemplos abaixo:

(61) Com certeza conseguiu resgatar todos os bons momentos que tinha vivido no passado com seu pai numa vida anterior, transferindo para o filho dando continuidade nos sentimentos bons que existiram numa outra vida (...) (OLIVEIRA, 1997, p.96)

(62) Neste momento você está magnetizando o seu produto e certamente atrairá muita gente para comprá-lo, e todos indicarão o seu estabelecimento e sem dúvida alguma, terá muito sucesso em suas vendas. (idem, p.109)

Além disso, no discurso da autoajuda genérica encontramos diversas avaliações de certeza realizadas por meio de locuções com substantivos. No discurso da autoajuda da saúde, encontramos apenas uma ocorrência desse tipo de modal, havendo a preferência de formas adverbiais para os modalizadores epistêmicos orientados à proposição. Segundo Nuyts (1993), nos casos de uso adverbial, o interlocutor recebe a qualificação expressa por esses modalizadores como independente da avaliação do falante. Ainda que sejam manifestações de subjetividade, não há marcas visíveis dessa subjetividade, ao contrário do que acontece com os substantivos. Comparem-se os exemplos abaixo, em que apresentamos uma forma adverbial (63) e uma forma com substantivo (64).

(63) Certamente haverá algo à sua escolha (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p. 26)

(64) ... procure o mais rápido possível colocá-los em prática custe o que custar, e tenho a

certeza que estará no caminho certo para prosperar cada vez mais. (OLIVEIRA,

1997, p. 167) 

O que podemos concluir a esse respeito é que, das manifestações de certeza realizadas pelo enunciador da autoajuda genérica, decorrem dois efeitos de sentido igualmente importantes para a construção da argumentação: sendo avaliações que incidem sobre temas altamente subjetivos, como “resgatar todos os bons momentos do passado”, em (61), ou “atrair muita

gente para comprar”, em (62), não cabe a indicação de certeza que decorreria de uma asserção não modalizada lexicalmente. Resta então ao enunciador buscar a aproximação da verdade, modalizando como certo o conteúdo do seu enunciado, tomando o cuidado de manter essa avaliação como subjetiva. A certeza comprometida, nesse caso, atua como um reforço do valor de verdade atribuído pelo enunciador ao conteúdo proposicional do seu enunciado.

Em resumo, em relação à modalidade epistêmica, podemos identificar as seguintes relações entre tema e uso:

i) a preferência pela indicação de possibilidade no discurso da autoajuda da saúde, decorrente da natureza intrinsecamente incerta das questões relacionadas às doenças. Somado a isso, a opção do enunciador por avaliações do estado-de-coisas, que apresentam a qualificação dos eventos como provável/possível como se fossem independentes da subjetividade do falante;

ii) a preferência pela indicação de certeza no discurso da autoajuda genérica, decorrente o da necessidade de asseveração de temáticas sabidamente subjetivas, que não poderiam ser afirmadas como absolutamente certas por meio de enunciados não modalizados lexicalmente, e nem como certezas objetivamente estabelecidas.

Vejamos, agora, o comportamento dos outros tipos de modalizadores, analisados comparativamente nas duas obras conforme exposto na tabela 3 acima.

Podemos perceber uma tendência para o uso de modalizadores dinâmicos na autoajuda genérica (29,81% contra 20,39% na autoajuda da saúde) e uma tendência mais atenuada para o uso de modalizadores deônticos (24,19% contra 21,71%). Embora não caracterize uma grande diferença entre os dois enunciadores, a tendência de maior uso deôntico pode ser atribuída a uma diferença na concepção das "leis" que regem o universo e garantem que os objetivos sejam alcançados. Na autoajuda genérica, as leis estipulam o que deve ser feito para

que se alcance o objetivo desejado. Na autoajuda da saúde, a lei que se estabelece é relativa à organização do universo como um todo, ou seja, explica como as coisas são. Poderíamos comparar essas leis, respectivamente, às normas de trânsito e à lei da gravidade. Exemplificamos a forma de apresentação dessas duas leis nos excertos abaixo:

(51) Evidentemente, [para realizar seus objetivos] não basta somente mentalizar os desejos,

existem leis regidas pelo Criador do Universo através de nossa mente que devem ser obedecidas. (OLIVEIRA, 1997, p.18, grifo nosso)

(52) Um ato pode ser natural para uma pessoa e perigoso para outras. O universo se organiza sob a lei da individualidade. A lei da vida é relativa à individualidade, à

evolução e à singularidade. Em suma, a pessoa só fica doente quando seus

pensamentos e ações são contrários ao fluxo de sua natureza íntima e sua relativa sabedoria. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.37)

Como se pode observar, (51) afirma a existência de uma lei que tem de ser seguida, enquanto enquanto (52) afirma a existência de uma lei e explicita as consequências da não-obediência a essa lei, ficando a necessidade deôntica mais implícita. Embora haja essa diferença, é necessário ressaltar que a diretividade é uma característica do discurso da autoajuda, tanto da genérica como a da saúde, por se tratar de manuais de conduta para o alcance de objetivos. Entretanto, a diferença na frequência dos modalizadores deônticos nos dois tipos de autoajuda indica um caráter mais impositivo da temática genérica. A análise apenas em termos de frequência, entretanto, não é suficiente para avaliarmos como esse caráter impositivo se concretiza. Vejamos, então, uma análise mais detalhada do comportamento dos modalizadores deônticos e dinâmicos:

A Tabela 8, abaixo, mostra a frequência dos modalizadores deônticos, distribuídos de acordo com o tipo de dever instaurado: proibição, obrigatoriedade, necessidade e permissão. É possível notar que, enquanto o enunciador da autoajuda da saúde apresenta um equilíbrio entre as avaliações de proibição e obrigatoriedade, preferindo as avaliações de necessidade, o

enunciador da autoajuda genérica mantém um equilíbrio entre as avaliações de necessidade e obrigatoriedade, prevalecendo esses dois tipos sobre os demais.

Obra Proibido Obrigatório Necessário Permitido Total

AAG 12 10,6% 49 43,4% 44 38,9% 8 7,1% 113 100% AAS 14 21,2% 14 21,2% 38 57,6% 0 0% 66 100%

Tabela 8: tipo de avaliação deôntica

As ocorrências (65) e (66), abaixo, ilustram a instauração da obrigação no discurso da autoajuda genérica; (67) e (68) são exemplos da instauração de necessidade no discurso da autoajuda da saúde:

(65) O hábito de policiar pensamentos deve fazer parte de sua vida (...) (OLIVEIRA, 1997, p. 68)

(66) Assim que tiver certeza dos desejos de prosperidade, deve pensar vinte e quatro horas no desejo (...) (idem, p.167)

(67) Para que a condição interna se torne realidade, é necessário crer de forma total, visceral, apaixonadamente ou a corporificar tais idéias. (GASPARETTO; VALCAPELLI, 2003, p.18)

(68) Para amenizar os problemas respiratórios é necessário que você se abra para a vida e aprenda a absorver o que está acontecendo à sua volta. (idem, p.49)

Seria tentador afirmar neste instante que a característica do discurso da autoajuda genérica seria uma maior diretividade; dito de outra forma, uma tendência maior do enunciador desse discurso em instaurar deveres, devido à frequência das avaliações de obrigação. Entretanto, não podemos desconsiderar que a proibição também é uma instauração de ordem, da mesma forma que a obrigação.

O caráter diretivo do discurso pode ser também examinado por meio do alvo da avaliação modal. Ao realizar a avaliação deôntica orientada para o evento, o enunciador estabelece aquilo que é genericamente necessário, obrigatório, proibido ou permitido. Dessa

forma, o dever é atribuído a todas as pessoas, o que não acontece com os modalizadores deônticos orientados para o participante.

Obra Evento Participante Total

AAG 32 28,32% 81 71,68% 113 100% AAS 40 60,6% 26 39,4% 66 100% Tabela 9: Orientação dos modalizadores deônticos

Podemos perceber que há uma clara diferença na escolha do alvo da avaliação deôntica, havendo a preferência do enunciador da autoajuda genérica pela orientação ao participante. Como dito anteriormente, ao realizar a avaliação orientada ao evento (exemplos 69 e 70), o enunciador avalia aquilo que é geralmente obrigatório, proibido, aceitável etc., e, portanto, menos impositivo do que a avaliação orientada ao participante (71 a 72). Vejamos exemplos das ocorrências encontradas no córpus:

(69) É inaceitável crer que um ser superior governe tudo como um déspota ou mesmo

que é o acaso que provoca todos os contratempos (…) (GASPARETTO;

VALCAPELLI, 2003, p. 14)

(70) Não basta almejar um bom emprego ou fazer bons negócios, é preciso sentir-se em

condições de ser contratado e merecedor da oportunidade profissional . (idem, p.

19)

(71) Neste momento você deve imaginar esta luz acompanhando você, a imagem de Cristo, imagine vocês dois voando e sendo irradiado de suas mãos e das dele também, raios, luzes, em forma de relâmpagos, trovões, como se fosse real (OLIVEIRA, 1997, p.152) (72) Neste momento você deve seguir as instruções de sua voz interior corretamente (...)

(idem, p. 170)

Normalmente, a obrigação deôntica não incide sobre o falante. Entretanto, o enunciador pode incluir-se como alvo da obrigação, como estratégia de mitigação da diretividade. Por esse motivo, analisamos também se, nas avaliações orientadas ao participante, houve ou não a inclusão do enunciador como alvo deôntico.

Obra Inclusão Não-inclusão Total AAG 20 24,7% 61 75,3% 81 100% AAS 12 46,15% 14 53,85% 26 100% Tabela 10: Inclusão do enunciador na obrigação deôntica

Ainda que haja predominância para a não inclusão do enunciador como alvo da avaliação deôntica orientada ao participante, a inclusão do enunciador no discurso da autoajuda da saúde foi mais frequente (46,15%) do que no discurso da autoajuda genérica (24,7%), mostrando que a maior diretividade, de fato, é uma característica do discurso da

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