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Parte II Trabalho de investigação

Capítulo 5 Apresentação e discussão dos resultados

5.1 Análise dos manuais

As crianças leem e analisam textos de escritores nacionais e estrangeiros, na tentativa de lhes proporcionar um espaço de diálogo intercultural. São duas obras que nos interessam aqui e ambas são de Moçambique, um país de língua Portuguesa e uma das ex-colónias portuguesas. O escritor moçambicano é Mia Couto que tem sido o destinatário de vários títulos e prémios, nomeadamente o Prémio Vergílio Ferreira (1999), o Prémio Camões (2013) e o Prémio Internacional Neustadt de Literatura (2014).

Este escritor, nos livros que escreve para crianças, combina com sucesso a tradição oral Africana com estilo narrativo Português, através da criatividade e inventividade da língua Portuguesa, explorando as suas potencialidades estruturais e levando o leitor a uma representação inesperada de identidades multifacetadas e visões fragmentadas de autoperceção.

Estas obras de expressão portuguesa sugerem-nos a constatação da necessidade do reconhecimento do valor da diferença, ou seja, reconhecer a diferença do Outro como algo positivo e de uma riqueza notável e não como algo a excluir. Daí que seja relevante analisar as propostas de abordagem apresentadas nos manuais escolares, porque podem ser fonte de enriquecimento na construção intercultural e de grande importância como espaço de partilha e de representação de mundos reais e/ou fantásticos, conhecidos e/ou desconhecidos para os alunos.

O Beijo da palavrinha e O gato e o escuro são duas histórias que ultrapassam as fronteiras assimétricas do género, da geografia e da delimitação temporal e estabelecem um diálogo cultural no universo infantil, enquanto possibilidade de formação e evolução do leitor, realçando o reconhecimento do valor do Outro.

As narrativas em apreço surgem nos manuais analisados, a saber: Alfa 4 (Lima, Barrigão, Pedroso & Rocha, 2013) e O Mundo da Carochinha (Letra & Borges, 2013). As razões inerentes à escolha destes manuais prendem-se com o facto de o primeiro ser o que foi adotado pela escola na qual decorreu o trabalho de investigação, enquanto o segundo serviu como termo de comparação por conter a outra obra miacoutiana constante da Lista das Metas Curriculares.

Após uma análise cuidada, verificamos que, no que concerne ao manual O

Mundo da Carochinha, as atividades de compreensão de leitura a respeito do conto O

Gato e o Escuro evitam, tanto quanto possível, abordar aspetos relacionados com os

valores da interculturalidade e com conceitos como diferença e igualdade. Do nosso ponto de vista, as tarefas de acompanhamento relacionadas com o texto, designadas por “compreensão leitora”, não ajudam as crianças a desenvolverem o seu

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pensamento crítico sobre esta temática, uma habilidade que é enfatizada por Giroux, quando afirma:

If educators are to take the relationship between schooling and democracy seriously, this means organizing school life around a version of citizenship that educates students to make choices, think critically, and believe that they can make a difference.(1996, p. 298)

Apenas a segunda questão, que pergunta "Atenta na frase: «Somos nós que enchemos o escuro com os nossos medos» ". “Concordas com esta afirmação da mãe gata? Justifica a tua escolha”, e a quarta, que pergunta “A que conclusão chegou Pintalgato quando acordou?” (p.71), é que levam as crianças a pensarem mais um pouco sobre a importância do respeito pelo Outro e da promoção da diversidade.

Uma abordagem acrítica que simplesmente evita o material tendencioso não pede um olhar crítico e, portanto, não implica a capacidade de envolver as crianças criticamente no mundo, acreditando que a mudança é possível. Na nossa opinião, O

Mundo da Carochinha poderia fazer melhor uso do texto de Mia Couto, a fim de

oferecer às crianças a possibilidade de se envolverem na consciencialização da importância do respeito para com o Outro e da promoção da diversidade

Por outro lado, o manual Alfa 4 permite que os alunos tenham a perspetiva do que é respeitar a diferença através da leitura de trechos de O Beijo da Palavrinha, como observamos na página 113, em que se convida os discentes a pensar em maneiras pelas quais eles poderiam resolver o problema de Maria Poeirinha: “De que forma é que tu mostrarias o mar à menina doente, que não podia viajar?” ou “Será que Maria Poeirinha venceu a Doença?”. Além disso, incentiva-os a reconhecer as diferenças linguísticas entre estes dois países de língua portuguesa: “Mia Couto (...) é moçambicano e escreve em português. Pede ajuda ao teu professor e identifica no texto algumas expressões que não comuns no português de Portugal".

Também no livro “Fichas de Leitura – Educação Literária” do mesmo manual, podemos verificar que as questões apresentadas apelam ao pensamento crítico das crianças e a que estas vejam o Outro como algo positivo e com quem se pode aprender: “O texto diz que Zeca Zonzo era «desprovido de juízo». Concordas com esta afirmação? Justifica a tua resposta” e “Apesar de os pais terem dito a Zeca Zonzo para ele poupar o irmão «daquela tontice» de lhe mostrar o mar, ele não desistiu da ideia. Achas que o Zeca Zonzo fez bem ou mal? Justifica a tua resposta”. Numa outra questão, as crianças podem fazer várias interpretações sobre o que aconteceu à Maria Poeirinha no desfecho da história: “Então, do leito de maria Poeirinha se ergueu a gaivota branca, como se fosse um lençol agitado pelo vento. Era Maria Poeirinha que

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95%

5%

1- Consideras que a imigração de

outros povos para Portugal seja

benéfica?

Sim Não

se erguia? Era um simples remoinho de areia branca? Ou era ela seguindo no rio, debaixo do manto feito de remendos e retalhos? – O que achas que aconteceu a Maria Poeirinha?”.

Tendo especial atenção à Meta Curricular EL4.25. Ler para apreciar textos literários de Educação Literária, em que um dos objetivos é “manifestar sentimentos e ideias suscitados por histórias e poemas ouvidos” (Buesco, Morais, Rocha & Magalhães, 2012, p. 32), acreditamos que os livros didáticos devem promover o pensamento crítico das crianças, a sua reação moral à experiência humana e a articulação de tudo isso tanto com o poder de contar histórias como com o conhecimento pessoal.

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