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PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DO INQUÉRITO

3.1. Discussão dos resultados

A análise dos resultados obtidos deixa, logo à partida, a indubitável convicção de que o facto de apenas 43% dos sujeitos inquiridos já ter trabalhado com alunos de etnia cigana é, só por si, condicionador de conclusões muito fidedignas. A elevada percentagem de inquiridos que, nas questões do segundo grupo, não tem opinião formada (não concordo, nem discordo), é também indicadora do desconhecimento e da indiferença que a generalidade dos docentes manifesta em relação à causa dos problemas de aprendizagem destas crianças. Assim sendo, fazendo uma análise global dos resultados dos inquéritos, podemos verificar que, ou não há uma opinião formada, ou então, há afirmações que se fundamentam essencialmente em ideias pré-concebidas e estereotipadas, fruto de algumas leituras pouco imparciais ou de relatos de experiências negativas.

Será pertinente constatar que os sujeitos da amostra que nunca tiveram experiência de trabalho com estes alunos (57%), são os que têm representações mais negativas dos mesmos, desconhecendo, quase por completo, o que está na base das suas dificuldades de aprendizagem e do seu insucesso escolar.

Cruzando os dados, é também curioso constatar que, globalmente, são as docentes do sexo feminino, com idades superiores a 40 anos e com mais de 15 anos de serviço, que manifestam maior indiferença e desconhecimento em relação a esta temática. A título de exemplo, podemos relatar um testemunho de uma docente que, em conversa informal, confessou ter sido professora do 1º Ciclo, tendo continuado depois os seus estudos e tendo chegado a professora do Ensino Secundário por, alegadamente, ter trabalhado com crianças de origem cigana com os problemas de aprendizagem que lhes são inerentes e não ter conseguido conviver com a sua falta de higiene: «Tinha que lhes pegar na mão para os

ensinar a escrever e era horrível ter que o fazer.».

Passando a uma análise mais detalhada dos resultados, relativamente à primeira afirmação do segundo grupo (O meio sociocultural de onde provêm os alunos não condiciona as suas aprendizagens.), esta é a única em que todos demonstraram ter opinião formada. A maioria discorda totalmente do conteúdo da afirmação, o que vai ao encontro das teorias expostas na primeira parte deste estudo, nomeadamente de autores como Diaz e Resa, Viola, Avanzini ou Bernestein, entre outros, segundo as quais é consensual a relação entre o nível sociocultural das famílias e o desenvolvimento cognitivo dos seus filhos. Ainda assim,

8,6% dos inquiridos considera não haver qualquer relação entre o meio e a qualidade das aprendizagens.

Na segunda afirmação, os docentes são maioritariamente da opinião de que se devem diferenciar atividades se estiverem alunos de etnia cigana na sala (48%), o que corrobora a opinião de Mário de Miguel, segundo a qual é necessário investir numa Educação Compensatória, baseada num ensino individualizado e diferenciado, tendo sobretudo em conta a realidade individual e social de cada aluno. Também Carlos Jorge de Sousa defende que os conteúdos curriculares, as abordagens e as aprendizagens devem ser adaptados aos grupos étnicos a quem se destinam.

Parece consensual a opinião de que os professores deveriam ter formação específica para lidar com a diversidade étnica e cultural, o que, por um lado, coincide com a opinião de Carlos Sousa, para quem o professor deve ter formação em ciências sociais, de forma a poder assumir a função de mediador cultural mas, por outro, contraria a posição de Liégeois, para quem a formação não deve ser um agente de aculturação. Como vimos, para este autor, o professor deve saber flexibilizar os conteúdos, exercendo sobretudo um ensino que, sendo de qualidade, sê-lo-á para todos.

Os resultados obtidos da análise das afirmações seguintes são claramente ilustrativos do desconhecimento da grande parte dos inquiridos relativamente à escolarização das crianças em estudo, já que, mais uma vez, a percentagem de sujeitos que não têm opinião formada é bastante significativa. Esta demissão ao nível de tomada de atitudes e de reflexão sobre a problemática do desenvolvimento cognitivo dos alunos ciganos, apesar da vasta legislação que os protege, vem reforçar a convicção de que, na prática, provavelmente fruto de condicionantes de vária ordem, falta iniciativa e interesse, por parte da comunidade docente, para investir nesta causa.

Estas inferências são reforçadas na primeira questão do terceiro grupo, onde, quando questionados acerca dos fatores que os impedem de tomar iniciativas e de inovar ao nível de práticas pedagógicas, destaca-se a opinião dos que confessam ser o desconhecimento em relação aos valores étnicos e culturais deste grupo minoritário. O mais interessante é que a comunidade cigana tem consciência disso. Segundo um estudo realizado pela socióloga Carla Fernandes, publicado no Diário de Aveiro, a 8 de Dezembro de 2007,

quando convidados a deixar sugestões sobre a escolarização dos seus filhos, os pais dos meninos ciganos falam sobre “ Ensinar os professores a ensinar os ciganos”.

O mesmo acontece na segunda questão, na qual o fator que os sujeitos inquiridos apontaram como sendo, de longe, o que mais contribui para o absentismo e o abandono escolar, foi o nomadismo. A verdade é que hoje em dia a comunidade cigana já não se carateriza por uma grande mobilidade geográfica. Ainda de acordo com o estudo da socióloga Carla Fernandes, há famílias que vivem nos seus acampamentos há mais de quinze anos, são sedentárias e utilizam a estrada apenas como um meio de chegar às feiras. Ainda segundo a mesma socióloga, são fatores como o casamento precoce, os deveres familiares, as questões culturais, o racismo de que, acreditam, as crianças ciganas são alvo na escola e a pouca utilidade que consideram que ela tem para as suas vidas, que justificam o absentismo e o abandono escolar, sobretudo a partir dos dez anos. Curiosamente, estas variáveis foram selecionadas apenas por uma minoria dos inquiridos. Como também já foi referido na primeira parte deste estudo, é o facto de esta comunidade viver envolta em tradições ancestrais, transmitidas de geração em geração, por via oral, que faz com que os saberes que as crianças adquiram na escola estejam, muitas vezes, bastante desfasados da sua realidade, daí o desinteresse, o absentismo e o abandono.

A última questão, pertencente ao quarto grupo, vem novamente reforçar a ideia de que a esmagadora maioria dos inquiridos não só desconhece as dinâmicas de grupo da comunidade cigana, como também tem acerca dela uma representação social extremamente negativa. Os alunos de origem cigana são imediatamente categorizados como alguém que não se adapta à escola, estando nesta inadaptação englobados os comportamentos desajustados, os interesses divergentes, a incapacidade de respeitar e cumprir regras, as dificuldades de aprendizagem, o absentismo e a falta de acompanhamento familiar. Segue-se a associação destes alunos à violência e ao vandalismo, assim como à falta de higiene. Curiosamente, os mesmos sujeitos da amostra que assumem ser estas as ideias que imediatamente lhes ocorrem ao pensar em alunos ciganos, são também os que dizem que estes são vítimas de marginalização por parte da sociedade! Analisando os resultados obtidos nesta questão, podemos inferir que, ontem como hoje, o cigano continua a ser visto como persona non grata, completamente marginal à nossa sociedade e em quem não interessa investir.

Tendo-se procedido à análise dos resultados mais relevantes, retomando o problema inicialmente formulado e as várias hipóteses daí provenientes, teremos de colocar de lado as hipóteses número dois (O desempenho escolar das crianças de etnia cigana não está diretamente relacionado com o meio de onde provêm) e número cinco (As estratégias diferenciadas, aplicadas aos alunos de etnia cigana, são fruto de formação e de apoios institucionais específicos) e validar as restantes:

Hipótese um: O meio sociocultural de onde provêm as crianças é um fator determinante para o seu desenvolvimento cognitivo;

Hipótese três: As práticas pedagógicas potencialmente implementáveis são seriamente condicionadas por fatores de ordem cultural e logística;

Hipótese quatro: O resultado das políticas educativas multiculturais está relacionado com as representações que os docentes evidenciam em relação às minorias étnicas.

Da validação destas hipóteses, resulta que a resposta ao problema colocado será que, implicitamente, nas nossas escolas, ainda se continuam a praticar políticas de segregação, que mais não fazem do que acentuar o desfavorecimento sociocultural e o défice cognitivo das crianças de etnia cigana.

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