As ideias seminais para a realização desta série de trabalhos surgiram
após obter uma maior compreensão das relações entre os objetos e a própria
poética artística. Dar vida a algo que penso, ou me incomoda, ou me desperta
interesse como uma reação estética, foi fundamental, na medida em que
compreendo a prática como esta comunicação direta com o que me toca.
Comecei a me preocupar com o consumo abusivo de remédios. Com o tempo,
essas preocupações se transformaram em forças catalizadores na concepção
das obras de arte.
Ao juntar as embalagens de remédios - na tentativa de descobrir se o
consumo era realmente abusivo - pude verificar, em três meses, que a
proposição estava correta e aquilo me tocou profundamente. Daí em diante, era
necessário expressar o que estava dentro de mim (metaforicamente e
fisicamente).
A partir dessa afetação sobre o uso indiscriminado dos medicamentos
(não só minha, mas da percepção de outros sobre as formas como eu lido com
o corpo e o consumo dos remédios), pude acumular, ao longo desses dois
últimos anos, muitas embalagens. Ao me deparar com o montante, momento
crucial, tentei diminuir e controlar minhas reações sobre esses usos. Ler a bula,
por exemplo, tornou-se um hábito de resistência ao consumo. Nesse sentido, há
toda uma desconstrução do próprio cotidiano, na tentativa de olhar para os
remédios de uma outra lógica.
Daí, surgiram as primeiras inquietações no sentido da materialidade do
trabalho: como transformar essas ideias em obras escultóricas? Comecei a
pensar no trabalho com linhas. Num primeiro momento, em analogia aos vasos
sanguíneos e suas relações com meu próprio organismo. Depois, a tentativa era
de transformar essa linha em objetos tridimensionais. Como criar uma trama a
partir de um material difícil de modelar? O emaranhado, a trama, me deu certa
segurança para criar um corpo com o uso de um material frágil como a linha.
Um segundo momento foi a problemática de como unir os resíduos
externos (as embalagens) às linhas. As relações mais intensas dos
medicamentos com meu corpo são expressadas na união entre os fragmentos
dos remédios com as linhas, sintetizando metaforicamente a materialidade do
meu corpo afetado.
Comecei a pesquisar sobre os efeitos dos medicamentos e como isso se
mostra internamente. Fotos ampliadas do interior do corpo humano me serviram
de base para pensar os estímulos que os medicamentos causam, transformado
em inspiração para a composição de outra série de trabalhos com a linha e os
resíduos. Já o livro sobre os efeitos colaterais surgiu a partir do meu contato com
as bulas. Percebi que sempre estampavam o item 8 da lista, remetendo à
constância, à repetição, ao infinito. Dito isso, é interessante destacar que a
prática aqui descrita é compreendida como experiência única e sensível. Cada
trabalho tem sua identidade, apesar de, em sua maioria, usar da mesma técnica
e dos mesmos materiais.
As obras supracitadas serão expostas no Espaço Macunaíma (4m x 5m),
Escola de Belas Artes, UFRJ, com duração de duas semanas. Além da
apresentação formal das obras, o processo de montagem fará parte de uma
performance que ocorrerá durante os 14 dias de exposição e terá como clímax,
no último dia, a inclusão da obra “Venda sob Prescrição Médica”, a qual será
compartilhada com todos os presentes no local.
Lista de Ilustrações
Considerações Finais
Neste trabalho, refleti sobre os impactos da sociedade de consumo na
vida cotidiana: no uso de medicamentos e na manutenção da saúde. O processo
de medicalização que marca a sociedade contemporânea transformou a relação
com os remédios, tornando seu uso cada vez mais banalizado, com graves
consequências à saúde. Tomamos pílulas para dormir, para acordar, para nos
agitar, para nos acalmar.
A partir dessa inquietação, foi proposta a organização de uma exposição
que discute formas de consumir os medicamentos, assim como maneiras através
das quais nos relacionamos com o próprio corpo. Esse exercício de colocar a
arte à disposição de uma reflexão sobre o cotidiano ressalta a capacidade de
intervir a partir da prática artística, pondo como objeto de crítica, fruição e
pensamento elementos considerados ordinários da vida, a exemplo das caixas
de remédios.
Com a exposição, pretendo comunicar ao público minha experiência
pessoal, convidando-os a pensar nas próprias relações que estabelecemos
conosco, e nos impactos da sociedade de consumo e da cultura de massas
sobre os estilos de vida, práticas cotidianas e visões de mundo. Através da arte,
proponho uma viagem pela consciência e uma experiência de autocuidado,
instigando o público a questionar suas próprias motivações para consumir
medicamentos.
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No documento
Venda sob prescrição médica
(páginas 35-46)