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A escolha pela análise formal de jogos para fazer essa leitura das informações obtidas na primeira etapa da pesquisa se dá justamente pela objetividade que o método oferece. Enquanto a exploração autoetnográfica traz consigo uma enorme carga subjetiva (BROWN, 2005), esta segunda ferramenta ajuda a refinar o estudo ao retirar o eu da equação, centrando-se apenas naquilo que é estrutural dentro do jogo. Como descrevem Lankoski e Björk (2005), trata-se de estudar o game independente do contexto, ou seja, sem levar em consideração quem está jogando.

Assim, o que essa metodologia tem a nos oferecer é a possibilidade de “descrever o sistema formal dos jogos a partir da compreensão do papel dos elementos, das regras e dos objetivos no resultado do trabalho” (AMARO; PAZ, 2018) para que possamos, a partir dessa nova chave de leitura, ver como essas estruturas ajudam a construir a narrativa do jogo. Se a história é montada como um

quebra-cabeças, a proposta é olhar como cada uma das peças traz a informação que monta a imagem completa.

Realizar uma análise formal da jogabilidade pode ser feito com a perspectiva de que jogos são, ao mesmo tempo, artefatos e atividades; na maioria dos casos, isso desfoca essa distinção porque tanto os componentes de um sistema quanto a forma como eles interagem entre si precisam ser considerados. Na prática, a análise formal de jogos depende de jogar um game e formar um entendimento de como o sistema de jogo funciona (LANKOSKI; BJÖRK, 2005, p.23, tradução nossa13)

Isso significa dissecar o jogo para analisar cada uma de suas partes individualmente e entender como elas funcionam dentro do todo. Em Bloodborne, isso quer dizer descrever como cada um dos elementos de jogo — design, personagens, itens e mecânicas, por exemplo — contam pedaços da história. Só que, para chegarmos a esse ponto, precisamos primeiramente entender o que é essa anatomia dos jogos.

Os autores dividem os games em três estruturas primárias, os elementos mais básicos que podem ser encontrados em um jogo. São eles:

a) Componentes: elementos que podem ser manipulados seja pelo jogador ou pelo próprio sistema, o que inclui o avatar, os personagens não jogáveis (chamados doravante de NPCs14) e os inimigos que aparecem pelo caminho, entre outros;

b) Ações são os elementos que acontecem na tela e são divididas em outras subcategorias: 1) ações do jogador: são aquelas iniciadas pelo jogador — o que significa que elas não precisam ser necessariamente ativas, ou seja, pode ser que alguns componentes ajam a partir dessa ação iniciada pelo jogador; 2) ações do componente: são percebidas como executadas por elementos do jogo e, por isso, passam por uma carga de representação (o monstro que ataca o jogador é uma ação do componente porque há a representação de que aquele é um inimigo e que o sistema está oferecendo um desafio); 3) ações do sistema: são aqueles que não se encaixam nas categorias anteriores e estão relacionadas a elementos não _______________

13 No original: “Performing a formal analysis of a gameplay can be done both with the perspective that games are artifacts and that they are activities; in the most cases, it blurs the distinction because both the components of a system and how these components interact with each other often need to be considered. In practice, formal analysis of games depends on playing a game and forming an understanding how the game system works”.

jogáveis, mas de condições de jogo, como a aparecimento de inimigos ou a contagem de tempo.

c) Objetivos: são as condições de vitória do jogo baseadas a partir da ideia de completar determinadas tarefas consideradas significativas. Isso vai desde marcar um gol em FIFA 19 (Electronic Arts, 2018) ou de chegar ao fim da fase em Super Mario Bros. 3 (Nintendo, 1988). Em jogos focados na narrativa, esses objetivos podem ser usados para conduzir o jogador, disponibilizando novos objetivos que o façam avançar na trama ou mesmo apresentando mecânicas ou novos componentes. Ao cumprir essas condições, o jogador recebe uma recompensa, que pode ser desde um novo componente (um equipamento para o avatar) até mesmo a possibilidade de acessar uma nova área do cenário.

Mas a análise formal não se limita apenas a essa categorização. Lankoski e Björk (2005, p.26) vão apontar ainda alguns procedimentos que devem ser tomados pelos pesquisadores na hora de aplicar essa metodologia em seus estudos. E o principal deles é um reforço de tudo aquilo que vimos anteriormente: jogar cuidadosa e repetidamente o game. Parece redundante repetir isso mais uma vez, mas os autores vão destacar que esse é um ponto crucial para a análise, já que vai permitir ao pesquisador distinguir as estruturas primárias e os princípios de design envolvidos no processo. É ir além da superfície do jogar para ir a fundo em suas camadas.

Por isso, eles sugerem que o mesmo game seja jogado mais de uma vez, de diferentes formas ou por tempo o suficiente para que seja possível reconhecer as relações entre esses elementos. Por causa do tamanho de alguns jogos ou da grande quantidade conteúdo que eles oferecem, os autores apontam que é possível fazer a análise formal de apenas um ponto específico. O importante é tentar esgotar todas as possibilidades oferecidas.

Como esse jogar contínuo e detalhado proposto pelos autores já se encaixa na abordagem autoetnográfica descrita anteriormente para nossa exploração para o mundo virtual de Bloodborne, torna-se mais fácil visualizar como esses procedimentos metodológicos todos serão aplicados. Assim, nosso ir a campo será centrado em uma incursão no jogo para analisar como narrativa e jogar se inter- relacionam. A ideia é explorar o mundo do game para coletar as informações que estão espalhadas para tentar compor a narrativa e entender como os elementos

primários dão sentido a esse cenário — ou seja, como os elementos do jogo compõe a hermenêutica do game.

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