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Análise das Gramáticas de Eduardo Carlos Pereira (1935, 1944) e do livro Emília no País da Gramática (1935), tendo como ponto de partida, uma

4.4.4 – Emília no País da Gramática 2ª edição

Categoria 2 Análise das Gramáticas de Eduardo Carlos Pereira (1935, 1944) e do livro Emília no País da Gramática (1935), tendo como ponto de partida, uma

política de manutenção e de preservação da cultura brasileira, mediante o ensino de língua materna.

Vale lembrar, neste momento, um aspecto interessante no livro Emília no País da Gramática (1935). Estamos nos referindo à ausência de um prólogo, uma advertência ou uma introdução que esclareça, pelas palavras do autor, o significado de sua obra, tanto no âmbito linguístico, quanto no literário ou até mesmo no âmbito social. E por isso examinaremos, para dar conta das duas categorias propostas, seu conteúdo literário, diferentemente das duas análises anteriores – Gramática Histórica (1935) e Gramática Expositiva – Curso Superior (1944), em que optamos por analisar os seus respectivos prólogos.

Assim, abordamos, a partir de agora, tais categorias levando em conta o próprio texto materializado no livro Emília no País da Gramática (1935), que é por onde Monteiro Lobato deixa entrever suas ideias a respeito das teorias linguísticas e educacionais em voga no período estudado.

Categoria 1 - A estrutura das Gramáticas de Eduardo Carlos Pereira (1935, 1944) e do livro Emília no País da Gramática (1935), tendo em vista uma doutrina político- ideológica, estabelecendo uma política linguística e educacional, de dominação, do período.

Configurando o que, na educação contemporânea, se considera um paradidático, o livro Emília no País da Gramática foi adotado no ano de 1934 em instituições de

ensino público brasileiro, especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo. O fato de essa obra ser autorizada pelo Departamento do Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Educação e de estar de acordo com os programas oficiais de ensino da época confirma nossa afirmativa de que, por meio dela, houve a imposição de uma doutrina político- ideológica que estabelecesse uma política linguística de dominação, feita por meio da imposição de uma linguagem única, baseada no padrão privilegiado, e de uma lei que estabelecesse essa linguagem, conforme se lê abaixo, no trecho extraído, do parecer da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, na sua versão original: (Ver anexo Q, p.196)

Tenho a honra de transmitir-lhe o voto de louvor, aprovado a 2 do corrente, pelo livro recentemente publicado - Emília no País da

Gramática - livro que vem prestar à educação um concurso dos mais valiosos.

Aproveito a oportunidade para juntar às congratulações da Associação Brasileira de Educação, minhas cordiais saudações. (Marina Corimbaba - Secretária Geral de Educação- 07 de julho de 1934)

Além de o livro ser indicado pelo governo, impondo, dessa forma, uma política de dominação linguística, observamos, ao longo da obra, total aceitação dessa política de dominação por parte de Lobato. Sua tentativa de manter um diálogo com as regras do nosso idioma, que apresenta a norma padrão, e com as leis educacionais do período, é prova disso. No primeiro parágrafo da página 55, e em toda a página, o autor, por meio da personagem D. Ortografia, se vale de alguns argumentos que nos mostram sua sintonia com as regras e ideologias educacionais do seu tempo. Com isso, fica claro que, para ele, assim como para a sociedade na qual estava inserido, era importante falar e escrever bem, já que “as regras devem ser seguidas, e os que se afastarem dessas regras erram”. É o que podemos observar nos trechos abaixo:

Antigamente o sistema de escrever as palavras era o Sistema Etimológico, o qual mandava escrevê-las de acordo com a origem. Isso trazia muitas complicações e dificuldade. Por esse sistema, a palavra Cisma, por exemplo, escrevia Scisma, com uma letra inutil, mas justificada pela origem. A palavra Tísica escrevia-se Phthisica, com três letras inuteis, sempre por causa da origem. (...) De modo que havia uma enorme trabalheira entre os homens para decorar a fórma das palavras.

(...) em consequência disso ergueu-se um movimento para mudar - para acabar com a Ortografia Etimológica, e pôr no lugar dela outra mais fonética, isto é, que conservasse nas palavras as letras que se pronunciam.

Esse movimento venceu, afinal, e acabou sendo sancionado por um decreto do Governo, depois de muito estudado pela Academia Brasileira de Letras. (p,154)

E ainda pelas palavras de D. Ortografia, o autor salienta os benefícios do bem escrever e de seguir as regras. Dessa forma, para ele, tudo fica mais “simples e lógico”:

- Quer dizer que agora ninguem mais erra, disse Pedrinho.

-Está muito enganado meu filho. Há regras que devem ser seguidas, e os que se afastarem dessas regras erram. Mas tudo se torna muito mais simples e lógico. Eu gostei dessa mudança, confesso - mas a minha

amiga, a velha Ortografia Etimológica, está furiosíssima. Não se conforma com a simplificação das palavras. (p.154)

Na verdade, para se escrever bem, na época, não era preciso levar em conta, simplesmente, a reforma Ortográfica Fonética, que simplificava o modo de escrever as palavras, retirando-lhes o excesso de letras inúteis ao entendimento. Era preciso muito mais. Era preciso seguir as regras da gramática normativa, que ditavam as normas do bom português, culto e padronizado. Quem não tivesse o domínio dessas regras, não escreveria bem, não estava apto a inserir-se na elite letrada e no poder.

Mais adiante, ainda reafirmando sua condição de apoio ao governo, às leis e ao padrão culto de linguagem, como forma de dominação,

Emília chamou outra. Veiu a palavra INGLEZ.

- Meu caro, disse ela, acho que você está muito bem assim, com Z atrás. Mas o Governo fez um decreto expulsando os ZZ de inúmeras palavras, de modo que a sua fórma daqui por diante vais ser INGLÊS. Eu lamento muito, mas lei é lei...

(...) Saiba que de agora em diante todas as palavras que uns escreviam com E e outros com I serão escritas unicamente com I. Escrevê-las com E

fica sendo erro. (p.164)

E, ainda, quem comete erros linguísticos prejudica a língua, pois faz muito mal a ela:

Emília passou ao cubículo imediato, onde havia outro “cara de coruja” ainda mais feio.

- E este? Perguntou.

- Este é o Solecismo, outro idiota que faz muito mal à língua. Quando uma pessoa diz: Haviam muitas moças na festa, em vez de Havia muitas moças na festa, está cometendo Solecismo. Fui na cidade em vez de Fui à cidade; Vi ele na rua; em vez de Vi-o na rua (...) são outras tantas belezas que saem da cachola desse imbecil. (p.113)

Como salientado anteriormente, o período em que Monteiro Lobato viveu foi o da República Velha, em que a nova ordem era o apego aos ideais nacionalistas. Num período como esse, as palavras têm maior expressão porque passam a representar também ascensão social.

- Maçada, vovó. Basta-me ter que lidar com essa caceteação lá na escola. As férias que venho passar aqui são só para brinquedo. Não e não e não... - Mas, meu filho se você apenas recordar com sua avó o que anda aprendendo na escola, isso valerá muito para você mesmo, quando as aulas se reabrirem. (p.11)

Pelas palavras ditas por D. Benta enquanto ensinava Gramática ao Pedrinho, percebemos a importância que o ensino de língua portuguesa tinha na sociedade da época. Estudar a gramática normativa, reforçando seu aprendizado, mesmo nas férias escolares, valeria muito no futuro do menino, pois dominar a norma culta da língua o levaria a conquistar prestígio e poder.

Embora não seja o objetivo deste trabalho, pois não abrange os ideais da Historiografia Linguística, não deixamos de notar uma nuance de discriminação sexual, pois, muito, obviamente, D. Benta ensina gramática somente ao garoto. Isso se explica pelo contexto sócio-econômico do Brasil no começo do século XX. À época, um grande contingente da população brasileira era analfabeta, e, além disso, sem recursos financeiros. A maioria, das escolas era particular. A educação não tinha o apoio do governo e somente um pequeno número de jovens tinha acesso a ela. Nesse caso, os homens tinham prioridade no estudo, pois, vivendo ainda em um sistema patriarcal, eles dominavam todos os setores da sociedade, enquanto a mulher ficava em segundo plano. Assim, discriminação sexual, implícita ou não, juntamente com a instrução, pela norma culta, que era também, um tipo de repressão pela doutrina político-ideológica, estabelecia uma política linguística e educacional, de dominação.