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Ao analisarmos os corpora, observamos que a subjetividade, expressividade e a intuição são bastante freqüentes no discurso da criança. As seqüências explicativas que a criança produz em seu discurso apresentam mais respostas subjetivas e seguem mais a intuição que a lógica. Em nosso corpora identificamos 359 condutas explicativas/justificativas produzidas no jogo de ficção.

Com base na distinção apresentada por Verba (1990) com relação às diferentes formas de jogar, examinamos três formas nos corpora . Uma forma se refere às atividades de construção simbólica, na qual a criança constrói objetos, animais, lugares, personagens com os blocos “Lego”, nomeando-os ou assinalando alguma função e/ou característica particular.A segunda forma se refere aos jogos de ficção propriamente ditos, parafraseando Verba (1990). São as atividades, em que a criança articula suas idéias e os elementos construídos com os blocos, numa seqüência de eventos encadeados no tempo e espaço. Nestes jogos há cenários, papéis são representados, há encadeamento de ações e eventos conforme um tema ou roteiro. Na terceira forma encontrada, o jogo "Lego" serviu de

suporte para outra brincadeira, como acontece no jogo de adivinhação realizado por uma

das crianças.

Em nosso trabalho, manteremos a distinção apresentada por Verba (1990), porém utilizaremos uma denominação diferente para jogos de ficção propriamente dito, pois julgamos mais apropriado idéias e encadeamento de eventos. Segundo Gardner (2002:62) , o "uso de roteiros" pela criança no jogo de faz-de-conta envolve a identificação e ordenamento de elementos (figuras), que estão associados a um evento recorrente. O autor (op. cit:62) descreve que " os roteiros servem como conjuntos genéricos de seqüências de eventos contra quais eventos recentemente encontrados são julgados". Assim, tomando como base esta noção e considerando que a diferença entre a forma de construção

simbólica e a de jogo de ficção propriamente dito é que, a primeira se refere à construção

de elementos, e a segunda, às idéias e aos encadeamentos realizados a partir dos elementos construídos, manteremos o termo construção simbólica, e optamos por utilizar idéias e

encadeamento de eventos, em substituição ao termo "jogo de ficção propriamente dito"

utilizado por Verba (1990).

A partir disto, observamos que os episódios de construção simbólica encontrados se constituíam de: a) construção simples, em que a criança manipula os blocos para a construção de um objeto; b) construções simbólicas associadas a uma ação de faz-de-conta, que são os a criança aplica uma ação de faz-de-conta ao objeto construído ( por exemplo, fazendo um carrinho e empurrando pelo chão, como se estivesse em movimento); e c) as construções simbólicas para construção de cenário, (Verba, 1990). Cada episódio está delimitado por um tema. Quando a criança construiu uma mesa para o cenário, delimitamos o tema mesa. Quando a criança construiu o trem e aplicou uma ação de andar pelo chão com o trem, delimitamos o tema trem. Quando montou o carro, tema carro. Em nossos

corpora, percebemos que, muitas vezes, as crianças montavam e desmontavam objetos ou

outros elementos por prazer. A ação de faz-de-conta, nos episódios de construções

simbólicas, surgia para enfatizar a categorização do objeto ou personagem construído. As

construções simbólicas em cenário apareciam geralmente antes, mas também durante os episódios de encadeamento de eventos e idéias.

Koch (2003) salienta que, na conversação, os parceiros na interação têm atenção centrada em um ou vários assuntos, que são delimitados, denominados na literatura de "tópicos". Esses temas, que identificamos nos jogos, podem ser relacionados aos tópicos discursivos e aos subtópicos na medida em que integram o tema e serão articulados na interação. Muitas vezes, percebemos que a criança "joga ao acaso" ou "desloca" proposições que parecem estar desarticuladas. Ainda retomando a autora (op. cit), isto se deve à natureza interacional da interação face a face (ou conversação), que é planejada localmente, ou replanejada no jogo a cada "lance" ou proposição, pela característica de descontinuidade freqüênte devida a fatores de ordem cognitivo-interativa, que solicitam justificativas pragmáticas, sinalizando a importância das condutas explicativas/justificativas no jogo de faz-de-conta.

Segundo Mollo e B-Berthoux (1999), as seqüências explicativas que surgem na situação criança - adulto em situação de jogo podem aparecer como motivação do agir e como explicação propriamente dita. As condutas explicativas/justificativas apareceram para explicar e possibilitar a gestão do jogo e/ou para responder a um "porque" do adulto. Ás vezes o adulto induz um comportamento dialógico particular, visando produzir uma

explicação que geralmente, se relaciona com a gestão dos saberes ou visa explicitar, dar suporte à informação e criar intervenções para a gestão de ações. Exemplos:

* Os comentários - gestão dos afetos – motivação para o agir

1) A - você está tendo uma idéia?

2) N - ((silêncio)) ((pega as peças do " lego" e monta alguma coisa)) ((ao terminar mostra o que montou, olha para A ))

3) A - ((silêncio, observa)) Ah 4) N - é um carrinho

5) A - um carrinho para Ele { e outro para ela ((aponta ))

6) N - { e outro para ela (( mostra o que ela fez))

* As regulações - gestão do jogo

58)- A: este ... será que agora dá?

59)- N: dá (( tenta encaixar uma peça e não consegue)) 60)- A: põe aSSIM ...VAmos ver ((observa))

61)- N: (( movimenta o carrinho passando por baixo do bloco encaixado)) DA 62)- A: DEu?

63)- N: só não passa o chapeuZInho um pouquinho 64)- A: ah... passa BEm raspando

65)- N: agora os carros não passam ...SÓ eles...tititi (( onomatopéia do movimento do boneco andando e pelo chão))

* As explicações - gestão dos saberes

((criança e adulto montam uma porteira para um sítio fictício, e dois bonecos encaixados num carro deveriam passar pela porteira)).

1)- A: vou por o telhado assim... será que eles passam? ...vamos ver... 2) - N: de carro não deve passar... {a pé

3) - A: {a pé deve, de carro não

4 ) -N: ((N tenta passar o carro por debaixo da peça que montaram)) 5) - A: passou ou não passou?

6)- N : não ....não porque eles estão muito alto

As crianças dos corpora construíram episódios maiores ou menores na brincadeira com o jogo "Lego". Podemos observar que as diferentes formas de jogar podem aparecer isoladas ou interligadas. Na organização dos jogos, a criança pode primeiro construir elementos para, depois, introduzí-los em eventos, no tempo e espaço.

A seguir discutiremos alguns exemplos de episódios de construção simbólica correlacionando as posições no diálogo de Hudelot (1987), as modalidades de tutela segundo Verba (1990) e as condutas explicativas/justificativas de acordo com Veneziano e Hudelot, (2002), e Veneziano et all (2003), destacando seus aspectos discursivos e comunicacionais.

A) Condutas explicativas/justificativas nos episódios de construção simbólica

Selecionamos dentre os vários episódios de construção simbólica que apareceram nos corpora, alguns exemplos: