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2. EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E ENSINO DE GEOGRAFIA

3.2. ANÁLISE PILOTO

A definição e o detalhamento do percurso metodológico acima apresentados foram formulados durante o processo investigativo. Delimitado o problema, partimos para leituras exploratórias e, aos poucos, fomos definindo as categorias de análise, os conceitos operadores e o procedimento final de investigação.

Com o objetivo de investigar o conceito de linguagem presente em artigos da área do ensino de Geografia e suas implicações no processo de aprendizagem, iniciamos busca siste- matizada, inspirados nos procedimentos postulados por Ginzburg e pautados em roteiro de leitura e registro, em que os dados extraídos (da revista, do artigo e da leitura) contribuíram para a seleção dos sinais, indícios e sintomas, conforme apresentado no Quadro 3.

Com esse roteiro, escolhemos oito artigos e realizamos a leitura geral, buscando o conceito de linguagem, explícito ou implícito, apresentado pelos autores, bem como a funda-

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mentação da relação entre linguagem, escola, professor, aluno e metodologia de ensino, assim estabelecida por eles. Dividimos os resultados da análise em cinco partes: sobre o conceito de linguagem; suas justificativas; quem é o aluno; quem é o professor; e educação. A análise piloto está apensada à pesquisa (Apêndice E), e, de forma resumida, apresentaremos seus principais resultados.

Quadro 3 - Roteiro para a busca nos periódicos

DADO S DA R E VI S- TA Estado

É possível perceber se há convergência entre os conceitos de lingua- gem utilizados por linhas de pesquisa.

Universidade Revista

Data de origem É possível perceber em que momento os conceitos utilizados passaram a ser mais reproduzidos.

Publicações digitalizadas Identificação dos limites e das restrições do corpus de análise. Número de artigos rela-

cionados

Densidade da discussão sobre o tema dentro da área do ensino de Ge- ografia. DADO S DO ARTI G O Título Caracterização do corpus. Autor Data da publicação Número e Volume DADO S DA L E IT UR A / C O NCEI T O O P E R A- DO R / LI NG UAG E M

Termo utilizado Indício sobre que concepção de linguagem possui, mesmo quando a utiliza por analogia.

O que diz que é lingua-

gem? Descobrir, dentro das camadas que cobrem e tornam opaco o texto, qual o sentido das palavras utilizadas.

O que quer dizer que é linguagem?

É ou está próximo de qual abordagem?

Classificar o conceito utilizado em uma das abordagens apresentadas por esse trabalho.

Se outra, nova, alternati- va ou diferente lingua- gem, qual seria a nova, antiga, padrão?

Contribui para identificar o conceito e linguagem uma vez que ao demonstrar o que deve ser trocado por, revela o que está sendo substi- tuído.

Relação entre ensino e linguagem

Como há uma relação direta entre ensino e linguagem, o autor pode não falar abertamente sobre linguagem, mas quando fala de ensino pode oferecer sinais do que pensa sobre linguagem.

Relação entre ensino de Geografia e linguagem

Ao apresentar o porquê da Geografia no debate e não outra ciência (sua especificidade), o autor também oferece indícios sobre que parte da Geografia lhe parece próximo da linguagem.

Nessa pequena amostragem, verificamos que a área de ensino de Geografia tem usa- do a expressão diferentes linguagens em seus trabalhos. Tem sido comum em encontros e eventos locais, regionais e nacionais seus organizadores destinarem uma mesa de debates, um eixo temático ou grupos de trabalho para debater as diferentes linguagens, como, por exem- plo, no XIII Encontro Nacional de Prática de Ensino, realizado em setembro de 2017, em Be- lo Horizonte. Em sua programação, a mesa-redonda 4 foi destinada ao tema ―Os conhecimen- tos da Geografia escolar, suas linguagens e as representações espaciais‖. O mesmo evento, em

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sua décima edição, realizada em Porto Alegre, concentrou apresentações orais sob o título ―Diferentes Linguagens nas Práticas de Ensino de Geografia‖; nessas apresentações, encon- tramos relatos de experiências e sugestões de atividade que envolviam: livro didático; traba- lho de campo; vídeo-documentário; escrita reflexiva; representação cartográfica; linguagem imagética; maquete; memorial; internet; obra de arte; alfabetização espacial; alimentação; animações e jogos digitais; o olhar; histórias em quadrinhos; narrativa mítica; tecnologia; atlas escolar; bonecos; literatura; imagens; mapa mental; gincana; laboratório; poesia; mídia; caminhada; blog; teatro; charge; filmes e desenhos.

Diante desse quadro, interessava compreender a concepção de linguagem em uso ge- ral e, em casos mais comuns, a razão de o termo aparecer no plural, indagando qual seria, en- tão, a linguagem comum, normal, em oposição quelas ―diferentes‖.

Na análise piloto, sete de oito artigos não apresentavam definição explícita do con- ceito de linguagem. Alguns apresentam exemplificações e associações para demonstrar o que intentavam dizer quando escreveram linguagem. Afirmavam, de forma subjacente, que lin-

guagem é: recurso; procedimento para conhecer e produzir conceito; contato com práticas e

com objetos que proporciona o conhecer; estratégia para auxiliar o ensino; ferramenta para a prática do ensino; procedimento; informação, comunicação e expressão presentes em objetos da cultura. Não há a presença isolada da palavra linguagem em nenhum dos artigos – ou vem no singular acompanhada de especificador ou vem no plural ou, ainda, com termos associa- dos, como leitura e alfabetização.

Nesses textos, o termo linguagem estava, mais frequentemente, apresentando objetos da cultura (fotografias, filmes, músicas) como linguagem. E, na maioria dos casos, esses obje- tos eram usados ou sugeridos para serem usados como recurso, técnica ou estratégia pedagó- gica. A justificativa era, principalmente, o caráter lúdico, a acessibilidade e o poder de desper- tar interesse nos alunos. Além disso, atribuíam a essas linguagens a melhoria no desenvolvi- mento escolar do aluno.

Na relação professor-aluno, o estudante aparece em muito dos artigos como sujeito que precisa ser motivado, convencido a aprender. Para os autores, ele dispõe de conhecimen- tos prévios que precisam ser considerados e sua criatividade, raciocínio e curiosidades preci- sam ser estimulados. Conceitualmente, são frágeis, desprovidos de conteúdo e influenciados pela tecnologia. E, embora o professor seja percebido como alguém resistente a mudanças, é na sua figura que se deposita a responsabilidade de motivar o aluno.

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de que a escola deve se aproximar do cotidiano do aluno (o ensino está centralizado no aluno), seja pelos conteúdos, seja pela forma – tecnologias e linguagens que fazem parte da vida da criança e do jovem. A função da escola seria exatamente a de conhecer e ensinar essas tecno- logias e linguagens.

Concluímos, da análise piloto, que em todos os artigos em que houve alusão à pala- vra linguagem, houve, também, seu conceito, explícito ou implícito. Muitos textos não têm a pretensão de realizar esse debate e, por isso, não tomam esse cuidado. Há, portanto, que cons- tatar que utilizar o termo, considerando-o como óbvio, sem o devido emprego ou conceitua- ção, acaba por revelar ingenuidade por parte dos autores dos artigos.

A abordagem mais utilizada foi a de linguagem como objeto da cultura em textos que, de fato, se dedicam a relatar experiências de aula ou propor atividades de ensino. Em decorrência da busca pelo conceito de linguagem, percebemos que a compreensão que o autor tem do conceito acaba projetando ou se relacionando com as concepções que tem de ensino. Alguns resultados decorrentes estabelecem relação direta com os objetivos de pedagogias neoliberais.

De forma reiterada nos artigos, exaltam-se os objetos da cultura tomados como lin- guagem, numa orientação próxima ao discurso da inovação e das novas tecnologias. Nesse viés, de forma urgente e insubstituível, o aluno necessita aprender os mecanismos desses re- cursos, e os professores precisam saber ensiná-los. O apelo ao discurso de que a educação deve acompanhar as mudanças no mundo fortifica a entrada desses objetos com igual ou mais força que o próprio conteúdo escolar.

A pedagogia das competências aponta para a mesma direção do aprender fa- zendo, da resolução de problemas e do espírito pragmático. O que há de es- pecífico nela é a tentativa de decomposição do aprender a aprender em uma listagem de habilidades e competências cuja formação deve ser objeto da avaliação, em lugar da avaliação da aprendizagem de conteúdos (DUARTE, 2010, p.13).

Sua defesa está concentrada na ideia de multiformação do indivíduo, capaz de lidar com diferentes situações e instrumentos, aptos ao trabalho flexível. E o papel da educação passa a ser ajustar o aluno ao mercado de trabalho.

O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas ati- tudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funci- onam como geradores de capacidade de trabalho e, consequentemente, de produção. De acordo com a especificidade e complexidade da ocupação, a natureza e o volume dessas habilidades deverão variar. A educação passa,

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então, a construir-se num dos fatores fundamentais para explicar economi- camente as diferenças de capacidade de trabalho e, consequentemente, as di- ferenças de produtividade e renda (FRIGOTTO, 2010, p. 51).

Nesse contexto, a função do professor vai ficando cada vez mais desabilitada, po- dendo ser transferida até para máquinas, uma vez que o aluno precisa aprender habilidades e competências e não conteúdo, e, também, porque o aluno, para ter autonomia, deve aprender sozinho, partindo do que conhece e do que lhe interessa.

Se o conhecimento mais valorizado na escola passa a ser o conhecimento tá- cito, cotidiano, pessoal, o trabalho do professor deixa de ser o de transmitir os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos que a humanidade venha cons- truindo ao longo de sua história. O professor deixa de ser um mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da humanidade, para ser um organizador de atividades que promovam o que alguns chamam de negocia- ção de significados construídos no cotidiano dos alunos (DUARTE, 2010, p. 6).

As propostas pedagógicas em que o aluno torna-se o centro da aula e o currículo pas- sa a ser seu cotidiano colaboram não só com o enfraquecimento do papel do professor como também com o fortalecimento da semiformação polivalente.

A formação de um indivíduo polivalente (aquele que possui capacidades para estar flexivelmente a serviço das mudanças do mundo capitalista) está em oposição ao indivíduo politécnico (que aprende e se apropria das objetivações da humanidade com consciência sobre ela). Nesse contexto, o currículo escolar para o polivalente está baseado nos critérios do modo de produção capitalista, que vislumbra os princípios da teoria das competências múltiplas (SILVA, 2009).

Não cabe julgar como um conceito deva ser usado, mas propor a análise isenta das utilizações de determinado conceito e suas implicações no processo da aprendizagem. Qual- quer proposta de ensino necessita de reflexão epistemológica sobre o que, por que e como fazer, pois, por mais desinteressada que pareça, há implicações.

Diante dessas conclusões, percebemos a importância de desvelar o conceito de lin- guagem presente nos textos que tratam do ensino de geografia. Essa pequena amostragem de artigos demonstra uso demasiado das expressões linguagem e leitura, entre outras, e essa fra- gilidade confirma descuido epistemológico e metodológico. Ou esses artigos manifestam difi- culdade explícita de operar determinado conceito, na tentativa de reconhecer os sentidos do uso, ou lançam a palavra como sendo óbvio o seu conceito.

Para dar continuidade ao trabalho e realizar as análises da totalidade do corpus foi necessário desvendar o uso do conceito de linguagem e, além disso, verificar a ocorrência e

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frequência com que os termos principais dessa pesquisa (linguagem; linguagens; leitura; le-

tramento; alfabetização) e seus derivados aparecem. Para tal, utilizamos as seis abordagens

para a palavra linguagem apresentadas anteriormente como conceito operador e registramos as manifestações dos termos para mensurar a imprecisão de seus usos.

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