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Capítulo 5 Análise exploratória do Real a partir das categorias de análise

5.3 Análise do Projeto de Prevenção Sexual

Neste momento, em que se procura realizar uma breve análise do Projeto de Prevenção Sexual desenvolvido, destaca-se que a intenção não é a desqualificação da iniciativa desenvolvida, nem a sua vangloriação acrítica. Procura-se sim, compreender as perspectivas teórico-metodológicas empregadas, para serem analisadas a luz das categorias de análise, objetivando vislumbrar práticas pedagógicas humanizadoras sobre educação sexual para o ensino de ciências.

Assim, uma primeira característica percebida foi o seu caráter transmissivo. O projeto apresenta um caráter expositivo muito forte, como uma grande palestra, o que em si não é um problema metodológico, a menos que se restrinja a esta alternativa, como aconteceu - com exceção das séries iniciais que tiveram um contato mais interativo com os modelos

113 anatômicos dos órgãos genitais, mas ainda assim uma interação mediada essencialmente por um transito de informações muito grande.

Como uma exposição prolongada, mesmo que sobre assuntos de grande interesse aos jovens, estes em geral apresentavam um cansaço com o decorrer do tempo, que aliada à saturação do número de pessoas na sala de vídeo, cujo espaço é relativamente pequeno, contribuía para a dispersão da atenção.

Mas os limites de uma perspectiva transmissiva vai para além do cansaço e dispersão, pois evidencia uma compreensão epistemológica equivocada. Ao conceber o processo de construção do conhecimento como uma mera transferência vertical de informações, o estudante fica designado à posição de “sujeito-objeto”, ao qual a ação terminativa do professor, o verdadeiro “sujeito”, se faz. A passividade sugerida por uma perspectiva transmissiva produz a reificação do educando, pois é negado como ser da comunicação, da construção, um ser que dialogando, pensa sobre a sua realidade concreta, e pensado sobre esta, atua na sua transformação. É negado como ser da práxis.

Por isso, uma educação sexual humanizadora, deve, em nome de uma coerência epistemológica e gnosiológica, procurar suporte metodológico em uma compreensão estética da educação. Pois nesta, as escolhas metodológicas refletem uma concepção política acerca do ser humano e da e sociedade, e procuram uma clareza sobre a construção do conhecimento que, colocando os seres humanos como sujeitos, apresenta o diálogo como exigência para a formação de pessoas atuantes nas tomadas de decisões e na percepção das mazelas sociais que os limitam. Para a consolidação de uma sociedade democrática, menos tecnocrática, temos de construir uma cultura de participação, mas uma participação rigorosa, por isso a exigência de ser praxiológica, propiciando o diálogo e permitindo a transição da consciência ingênua para a consciência crítica mediante a problematização das situações limitantes.

Outra questão metodológica percebida foi a utilização de muitos termos técnicos da área da enfermagem, medicina, biologia. Apresentando-se como uma barreira para a compreensão dos estudantes sobre a temática discutida, criou-se uma atmosfera de obscurantismo em que estudantes e professores pareciam falar em idiomas totalmente diferentes em alguns momentos. Essa separação ficou reforçada pela fala técnica, mas também por uma visão de ciência salvacionista, determinista, e neutra. Até a vestimenta do avental branco da enfermagem remetia a uma separação entre o saber dos estudantes e o do professor, além do imaginário higienista a que remete.

114 A impressão que fica, é que o estereótipo de educador sexual já esta formado, com seus rituais linguísticos, com os conhecimentos selecionados, com seu padrão de comportamento. Como aponta Vasconcelos (1971, p.15), trata-se de uma atitude solene, que ao remeter a uma cerimônia, a uma consagração, acaba por tornar o objeto de sua ação inquestionável e passivo de consentimento voluntário. Assim, “[...] quem quer que se disponha a dialogar sobre sexualidade humana, isto é, sobre a sua sexualidade, terá que se afastar, por essa mesma razão, de uma atitude solene.”

No projeto desenvolvido, com a pretensão de abordar tantos assuntos voltados à sexualidade e DST, o excesso de “conteúdo” apresentou-se como uma barreira para a qualidade do projeto, uma vez que a quantidade enorme de matérias, conceitos, termos, etc em um espaço de tempo tão curto, não permite a compreensão respeitando o tempo de aprendizagem do estudante. Apesar da utilização da caixa de perguntas para ajudar no planejamento do projeto, percebeu-se que ela não orientou a seleção de conteúdos, que já estavam previamente escolhidos. Trata-se de uma compreensão de construção curricular antidialógica, como aponta Paulo Freire (1987).

Não sendo diferente das recorrentes abordagens de educação sexual desenvolvidas no âmbito escolar, este projeto apresentou uma perspectiva estritamente biológica, o que compromete a compreensão ampla e relacional dos sentidos e significados da sexualidade para o ser humano. Mais que isso, uma abordagem restrita, conscientemente ou não, atua ideologicamente, pois nega a compreensão da sexualidade dentro de uma totalidade de inter- relações, de interesses, de jogo de poder, negligencia a produção da miséria pulsional, sobre tudo a sublimação libidinal, como parte de um processo necessário (Repressão Necessária), mas que diante de uma racionalidade de dominação (Mais-Repressão), atua na retirada da energia pulsional para o trabalho alienado e hierarquicamente distribuído das sociedades capitalistas.

Se a sexualidade não for compreendida dentro das relações de dominação e repressão presentes na sociedade, estaremos alienando o estudante da sua realidade sociocultural e dessa forma limitando seu campo de atuação. Neste sentido uma educação sexual estética, permite por meio do campo da sensibilidade humana, a percepção da desumanização nas relações humanas, nas quais encontramos a sexualidade minimizada. A própria educação sexual biologista, ao pregar uma sexualidade parcial, atua na contramão de uma compreensão crítica e libertadora da sexualidade.

115 Dessa forma, uma nova racionalidade, embutida de uma nova sensibilidade, apresenta-se como possibilidade humanizadora para a orientação da construção dos projetos de educação sexual. Nestes se fazem presentes as negatividades como estruturas da organização curricular, isto é, as situações de sofrimento, de negação do ser humano, de desumanização são captadas e problematizadas a luz de uma perspectiva libertadora.

No projeto desenvolvido, a abordagem esteve vinculada à área da saúde, apresentando uma perspectiva preventiva, normativa e propedêutica. Evidentemente que uma compreensão estética da educação sexual, não se restringindo a uma visão biológica do fenômeno da sexualidade, não possa se fazer somente com profissionais das áreas biológicas, sobretudo da saúde. A exigência de um corpo docente interdisciplinar é uma necessidade epistemológica e gnosiológica, e neste projeto, apesar de envolver todos os estudantes da escola, não envolveu os professores das diferentes áreas. Uma construção a partir das contradições socioculturais locais, como aponta Freire (1987), e Silva (2004), se mostram, também, como superação de uma perspectiva propedêutica, isto é, reservada a uma utilização futura, pois, se debruça justamente sobre a realidade concreta imediata e não somente nesta se restringe.

A ausência da reconstrução da história da sexualidade, apresenta-se no projeto em análise, como parte deste recorte restrito que não permite a compreensão da historicidade das expressões da sexualidade. Rememorar o desenvolvimento histórico não é devagar no arcaico, mas sim apreender a inconclusão da realidade, o jogo de interesses, de poder, o jogo ideológico a que esta dimensão da vida humana, a sexualidade, está submetida, produzindo a desumanização.

A abordagem no tratamento específico das DST com imagens e vídeos de situações extremas, acabou gerando manifestações por parte dos estudantes, que evidenciam a compreensão equivocada desta perspectiva. Como exemplo, abaixo temos as falas de dois estudantes:

“Nunca mais vou fazer sexo na minha vida!”

“Vou ser virgem pelo resto da minha vida, não quero pegar isso não!”

Estas falas são evidências da imprudência desse tipo de perspectiva, que chegam a causar pânico e mais barreiras na compreensão da sexualidade. Tal tipo de alternativa metodológica ancorada por imagens chocantes, faz parte de uma perspectiva normativa que

116 por meio da “pedagogia do medo”, procura horrorizar e assim orientar novos comportamentos nos estudantes. Isso não pode levar a uma superação humanizadora.

Apesar de ser uma primeira iniciativa e por isso evidenciar a percepção, a preocupação e o compromisso por parte dos docentes e coordenação com relação a uma temática tão importante para a formação dos jovens, este projeto apresenta limites teóricos e metodológicos bastante claros – a começar pelo nome, que remete a sexualidade como algo a ser previnido. Mas à luz dos pressupostos de uma educação sexual estética, projetos como esse, podem contribuir para práticas pedagógicas libertadoras, sobretudo neste trabalho para o ensino de ciências.

Dessa forma, visando uma superação desta compreensão restrita de construção e organização do currículo sobre educação sexual, respeitando a dialogicidade freireana, a perspectiva de construção curricular via tema gerador se apresenta com grande potencial para a construção de práticas pedagógicas humanizadoras, pois, em sua problematização constante, em suas sucessivas totalizações, permite a superação de visões ingênuas.

5.4 Visões de Mundo e Compreensões sobre Sexualidade expressas nas Falas