• Nenhum resultado encontrado

IV. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir

5. ANÁLISE DAS QUESTÕES DO ENEM

5.2. Análise detalhada das questões do ENEM

5.2.1. Análise da questão 48 do ENEM

Fonte: ENEM 2002, questão 48

Figura 5.1 – A figura apresenta a questão 48 da prova do ENEM 2002.

A questão tem como pano de fundo a controvérsia político-científica em torno do tema aquecimento global. Nela aparecem aspectos políticos e econômicos relacionados ao tema, além dos aspectos científicos citados anteriormente. No contexto da questão, as discussões sobre as causas do aquecimento ficam em segundo plano, sendo dada ênfase a outros pontos controversos da problemática decorrentes de um posicionamento que aponta

em relação à controvérsia da mudança climática. Ao trazer para a avaliação uma questão com esta temática é de se esperar que alguns aspectos do assunto sejam privilegiados e outros silenciados. Na análise da questão, buscamos contribuir para a compreensão da maneira como o discurso em torno do tema é construído através da utilização de diferentes formas de linguagem e relações com o contexto, sendo o gráfico uma importante ferramenta nessa construção. Portanto, como discutido anteriormente pretendemos analisar os sentidos produzidos pela questão e os aspectos de suas condições de produção, bem como a função, papel e contribuição dos gráficos para esses efeitos de sentidos e qual é o “leitor virtual” inscrito na questão.

Apesar de não fazer referência direta ao tema aquecimento global, ele permeia a questão, tendo em vista que o enunciado menciona o fato de o ex-presidente norte- americano George W. Bush ter contestado o Protocolo de Kyoto em 2001. O referido documento foi proposto no dia 11 de dezembro de 1997 em convenção das Nações Unidas, na cidade de Kyoto no Japão e contou com a participação de representantes de 166 países. Ao visitar o site das Nações Unidas no Brasil encontramos o que a ONU entende por Protocolo:

Protocolo designa acordos menos formais que os tratados. O termo é

utilizado, ainda, para designar a ata final de uma conferência internacional.11

Esta definição pode ajudar na elucidação das possíveis variáveis que levaram o então presidente norte americano a não ratificar o documento, em oposição à única justificativa apresentada pela questão do ENEM. Mais adiante discutiremos esse assunto.

Por outro lado, os fatos que anteciparam e conduziram à ideia da criação do protocolo de Kyoto, bem como a leitura de seus 28 artigos e anexos, tornam possível o estabelecimento da conexão entre este documento e o fenômeno do aquecimento global.

A primeira reunião envolvendo cientistas e governantes com o objetivo específico de discutir a aparente mudança climática do planeta ocorreu em Toronto no Canadá, em 1988.

No ano de 1990 foi publicado o primeiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, em inglês), com base na colaboração

internacional entre cientistas. Na visão do documento, as taxas de emissão de CO2

deveriam ser reduzidas em pelo menos 60% em relação aos níveis emitidos em 1990, acreditando que assim seria possível frear o aparente aumento de temperatura do planeta nas últimas décadas.

Em 1992, aconteceu na cidade do Rio de Janeiro mais um encontro envolvendo cientistas e governantes de diferentes países, a ECO-92. Neste evento a questão do aquecimento global e seus virtuais impactos sobre a produção de alimentos, sobre os eco- sistemas, e sobre o desenvolvimento social, esteve novamente em pauta. Como síntese do encontro foi assinada a Convenção Marco sobre Mudança Climática, com a ratificação de pelo menos 160 representantes de diferentes países.

O segundo relatório do IPCC foi publicado em 1995 e sugeria a existência de evidências tanto do aquecimento, quanto de que suas causas eram antrópicas. Convém lembrar que, apesar das crescentes manifestações por parte de um grupo de cientistas e da mídia em geral de que o homem através da emissão de gases de efeito estufa estaria provocando uma mudança climática na Terra, outro grupo de cientistas, denominados céticos sempre mantiveram suas convicções de que esta mudança está ocorrendo devido a um processo natural e cíclico do planeta.

Finalmente em 1997, em Kyoto, Japão, foi proposto o protocolo que discute regras e medidas para a redução das taxas de emissão de CO2 por países industrializados em pelo

menos 5% com o propósito de reduzir os efeitos das mudanças no clima global causadas pelo homem, segundo o próprio documento, sobre a economia, a sociedade e o ambiente. Vejamos trechos do artigo 3 do protocolo:

Artigo 3

1. As Partes incluídas no Anexo I12 devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não

Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012 [...]

3. As variações líquidas nas emissões por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa resultantes de mudança direta, induzida pelo homem, no uso da terra e nas atividades florestais, limitadas ao florestamento, reflorestamento e desflorestamento desde 1990, medidas como variações verificáveis nos estoques de carbono em cada período de compromisso, deverão ser utilizadas para atender os compromissos assumidos sob este Artigo por cada Parte incluída no Anexo I. As emissões por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa associadas a essas atividades devem ser relatadas de maneira transparente e comprovável e revistas em conformidade com os Artigos 7 e 8 [...]

14. Cada Parte incluída no Anexo I deve empenhar-se para implementar os compromissos mencionados no parágrafo 1 acima de forma que sejam minimizados os efeitos adversos, tanto sociais como ambientais e econômicos, sobre as Partes países em desenvolvimento, particularmente as identificadas no Artigo 4, parágrafos 8 e 9, da Convenção. Em consonância com as decisões pertinentes da Conferência das Partes sobre a implementação desses parágrafos, a Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve, em sua primeira sessão, considerar quais as ações se fazem necessárias para minimizar os efeitos adversos da mudança do clima e/ou os impactos de medidas de resposta sobre as Partes mencionadas nesses parágrafos. Entre as questões a serem consideradas devem estar a obtenção de fundos, seguro e transferência de tecnologia. 13

Dessa maneira, fica evidente que, ao fazer menção deste documento, os temas mudanças climáticas e aquecimento global estão presentes na questão, bem como a concepção de que estes fenômenos estão relacionados aos gases de efeito estufa, tendo o CO2 como destaque, e o ser humano como principal ator. É importante observar que a

questão do ENEM toma essa versão para si, tendo em vista que existem outras versões para as causas do aquecimento não ligadas ao CO2, como já discutido anteriormente. Esta versão

também está subentendida no texto de abertura da questão quando diz que o protocolo prevê uma redução de 5,2 % na taxa de emissão de CO2 por parte dos países

industrializados e ao apresentar o gráfico relacionando às taxas de emissões antrópicas do referido gás em alguns países nos últimos 50 anos, sendo possível notar a convergência entre este discurso e aquele presente nos artigos do pacto estabelecido em Kyoto.

Para contextualizar o tema abordado, a questão faz uso de um fragmento de notícia publicada no jornal Folha de São Paulo de 11 de abril de 2001. Nesta reportagem, é citada a polêmica causada pelo então presidente Bush ao afirmar que retiraria a assinatura dos Estados Unidos do protocolo, alegando que o crescimento de seu país seria prejudicado já que este estava passando por uma crise energética e, no momento, se via totalmente dependente dos combustíveis fósseis. Por outro lado, o texto original da reportagem cita o fato de o presidente ter afirmado também que não ratificaria o acordo por julgá-lo injusto, tendo em vista que o protocolo não obrigava países em desenvolvimento como a China a reduzir suas taxas de emissão de CO2. Portanto, vemos que a informação trazida para a

questão da prova do ENEM silencia uma parte da argumentação de Bush.

É de fundamental importância discutir a influência que este recorte na fala da maior autoridade americana na época pode provocar no sentido produzido pelos estudantes sobre o assunto. A primeira argumentação, citada no texto da questão do ENEM, defende o bem estar norte-americano em detrimento ao “bem estar” do planeta. Já a argumentação silenciada no texto da prova, chama a atenção para o fato de que outros países estão contribuindo efetivamente para o aumento da taxa de emissão de CO2, não deixando assim

os Estados Unidos como únicos “vilões” do possível aumento do efeito estufa. Ao não apresentar esta argumentação e ainda comparar as taxas norte-americanas nos últimos 50 anos com as taxas da China, Brasil e Austrália da maneira apresentada no gráfico, os Estados Unidos assumem na questão da prova a posição de protagonistas do aquecimento

comparação também pode contribuir para a produção do sentido de disparidade entre as taxas americanas e as dos demais países.

Alguns dias antes da publicação do artigo da Folha de São Paulo, que serviu de base para a questão em análise, o mesmo jornal publicou um artigo do Ministro do Meio Ambiente da época, Sarney Filho, com o título "Mudanças Climáticas e o Protocolo de Kyoto", criticando duramente a declaração do ex-presidente George W. Bush e citando a Conferência Interamericana de Ministros, realizada por iniciativa do governo canadense nos dias 29 e 30 de março. Vejamos um trecho do artigo:

A delegação norte-americana propunha apenas uma menção ao problema do aquecimento global, sem qualquer referência aos seus compromissos de redução. O Brasil mobilizou os países latino-americanos e do Caribe (inclusive o México, membro do NAFTA) em torno de duas ações:

a) o repúdio ao texto proposto pela delegação norte-americana e a inclusão, no comunicado final do encontro, da não-obtenção do consenso entre os países sobre o tema da mudança global do clima;

b) divulgação para a mídia de uma declaração, firmada pelos ministros e chefes de delegação dos 32 países (com a exceção dos EUA e do Canadá), reafirmando compromisso com a ratificação e com a implementação do Protocolo de Kyoto. Ainda nesse segundo comunicado, os países signatários exortam os países desenvolvidos a cumprir os compromissos assumidos em Kyoto. (Folha de São

Paulo, 8 de abril de 2001.)

O artigo ainda apresenta a posição do Brasil em relação ao assunto:

O Brasil entende a importância dos esforços de cada país para a solução de um problema global, que possibilitará a promoção de um desenvolvimento mais sustentável. Vemos com preocupação as recentes declarações norte-americanas. O governo e o Ministério do Meio Ambiente manterão ativas as suas ações para a mitigação das mudanças climáticas, apoiando firmemente a implantação do Protocolo de Kyoto, que, em última instância, atenderá a um anseio das comunidades nacional e internacional em prol de uma significativa melhoria de qualidade de vida para as gerações de hoje e do futuro. (Folha de São Paulo, 8 de abril de 2001.)

Este artigo indica que existia em 2001 no próprio jornal Folha de São Paulo discussões sobre a postura do ex-presidente Bush sobre o protocolo de Kyoto e o sobre o posicionamento do Brasil, ainda que na figura do ministro do meio ambiente sobre o assunto. Estas ideias devem ter influenciado o significado dado ao assunto pela questão

construída pelo ENEM. Existiram outros artigos em jornais e revistas da época que abordaram o mesmo tema e indicaram insatisfação em relação ao posicionamento dos Estados Unidos em não ratificar o Protocolo de Kyoto.14

A seguir discutiremos a segunda fonte utilizada na composição da questão do ENEM, a qual traz os dados que serviram para a construção do gráfico apresentado na questão.

A segunda fonte que serviu para contextualizar a questão foi a reportagem apresentada na edição de número 1696 da revista Veja e publicada em 18 de abril de 2001. Abaixo é apresentado o título da reportagem e seu texto introdutório: