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A realização do estágio descrito no presente relatório, constituiu um passo muito gratificante na minha formação enquanto pessoa e psicomotricista. Rechamando os objetivos do Ramo de Aprofundamento de Competências Profissionais do Mestrado em Reabilitação, considero que todos foram cumpridos. A realização deste estágio possibilitou a transferência dos conhecimentos e experiências para a prática profissional de forma mais autónoma.

Considero que a realização deste estágio constituiu uma experiência de formação abrangente. Em primeiro lugar, possibilitou o conhecimento e reflexão aprofundados na área da reabilitação psicomotora com pessoas com perturbações mentais, com a leitura e análise de livros e artigos científicos, com as reuniões com orientadores e outros profissionais com experiência na área.

Em segundo lugar, envolveu a avaliação do desenvolvimento e estabelecimento do perfil intra-individual, a conceção, aplicação e avaliação de programas em grupo e individualmente. Do ponto de vista psicomotor e sócio-emocional, verificaram-se ligeiras melhorias que embora não sejam estatisticamente significativas, representam um maior bem-estar de muitos dos indivíduos que participaram nas sessões de grupo e individuais. As vantagens da intervenção individual e da intervenção em grupo estudadas por Aragón (2011) e Yalom e Leszczv (2006) foram verificadas na prática na medida em que, com os dois clientes que participaram nas sessões individuais, foi possível criar uma relação que favorecia um trabalho mais aprofundado de encontro às características individuais dos mesmos, e que, em grupo, a intervenção favoreceu mais a comunicação e a espontaneidade dos participantes assim como a coesão grupal. Com isto, foi-me permitido identificar e refletir acerca de fatores contextuais, facilitadores ou inibidores da participação dos indivíduos nos contextos de vida significativos (nas várias atividades promovidas pela GIRA), percebendo a grande influencia que o contexto familiar pode ter na vida das pessoas com doença mental.

A partilha de conhecimentos e estratégias de intervenção com a equipa técnica, nomeadamente, com os técnicos de referência com cada cliente, foi um objetivo alcançado e percecionado por mim como tendo um grande impacto na concretização do plano individual de reabilitação. No entanto, no local de estágio verificou-se a necessidade de existir um momento formal para reunir com todos os técnicos e estagiários para a troca de ideias, conhecimentos científicos, experiências e vivências de uma forma mais integrada e interdisciplinar.

87 Concluo que a visão holística da pessoa que faz parte da formação do Psicomotricista é fundamental neste contexto de saúde mental, porque permite compreender as suas capacidades e dificuldades nos vários domínios (motor, cognitivo, emocional e social), num contexto natural (neste caso, no FSO). A intervenção do psicomotricista como “técnico da área de reabilitação psicossocial” vai para além da intervenção psicomotora propriamente dita. I.e., envolve também desenvolver conhecimentos e competências específicas da área de Reabilitação Psicossocial, e.g., desenvolver um PIR, organizar e mediar atividades exteriores de lazer e recreação, atuar de forma integrada com os SLSM, entre outros. O facto de estar todos os dias com as mesmas pessoas, permitiu estreitar a relação com os clientes e transferir em diferentes contextos os objetivos delineados para a intervenção psicomotora, nomeadamente os objetivos de promoção de competências sociais.

A realização das atividades nas estruturas da comunidade possibilitou verificar a importância de recorrer às mesmas, uma vez as pessoas “da comunidade” interagem com clientes, o que favorece a inclusão social das pessoas com doença mental e a diminuição do estigma.

O psicomotricista deve, em primeiro lugar, ter consciência do seu corpo, das suas tensões, da sua capacidade de relacionar-se, e descobrir o prazer da expressividade corporal, de modo a desenvolver a capacidade de “escuta tónico-afetiva” (Rodriguez & Llinares, 2008, p.162). As experiências académicas e iniciativas pessoais para praticar yoga, movement from within, desporto e teatro, favoreceram o desenvolvimento desta sensibilidade para escutar e entender o outro nas sessões de psicomotricidade. Portanto, considera-se que esta capacidade foi desenvolvida de forma mais aprofundada ao longo da experiência do estágio profissional.

Do ponto de vista pessoal, na intervenção em grupo, gerir a grande heterogeneidade de características das pessoas foi um trabalho desafiante e complexo. Na intervenção individual, gerir a apatia e o silêncio de “Corpos permanentemente controlados, mecanizados, censurados e desacreditados pelo pensamento (…) corpos esquecidos sem referências tónico-emocionais. (Novais, 2004, p. 110)”, desencadeia também reações tónico-emocionais por parte do psicomotricista. Contudo, considera-se que existiu uma evolução positiva das competências da estagiária a este nível. Inicialmente, a ansiedade inerente à inexperiência e ao desconhecimento das pessoas com que teria de intervir, foi diminuindo progressivamente, abrindo espaço para eu sentir as

88 próprias transformações tónicas e emocionais e para próprio corpo estar presente e disponível para comunicar com o outro.

Carl Jung dizia: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”. De facto, experienciei que a autenticidade, a empatia, o respeito e a relação positiva, são características pessoais que facilitam a relação terapêutica necessária para a disponibilidade e investimento corporal nas ações e vivências, e para a expressão da espontaneidade da pessoa.

Em jeito de conclusão, considero ainda que mais do que integrar conhecimentos e experiências, estes dois anos de mestrado suscitaram mais dúvidas do que certezas, mais perguntas do que respostas. Percebi que na área da intervenção psicomotora com pessoas adultas com doença mental existe um caminho longo a percorrer no sentido de comprovar com evidência científica dos efeitos dos programas de intervenção, necessário para o reconhecimento da profissão de Psicomotricista. Como refere Probst (2010), senti que a intervenção psicomotora na GIRA, enquanto profissão apaixonante e desafiante, envolveu muitas experiências baseadas em poucas evidências científicas. Futuramente, sugiro que o protocolo de avaliação de pessoas com doença mental seja mais sensível para avaliar das suas competências psicomotoras e que os objetivos delineados no plano terapêutico sejam, como advoga Probst (2010), efetivamente específicos, mensuráveis, atingíveis, realísticos e definidos no tempo, pois só desta forma conseguimos garantir que a intervenção psicomotora tem um valor significativo na recuperação e qualidade de vida das pessoas.

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