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O objetivo do trabalho é analisar um processo social e histórico (a redução da jornada de trabalho) a partir das vivências, das percepções dos sujeitos, entendendo que suas produções discursivas estão também historicamente contextualizadas. Nesse sentido, a metodologia utilizada foi a análise sociológica do discurso.

A análise do discurso, segundo Godoi (2005), esteve originalmente vinculada à filosofia da linguagem, contudo, atualmente, constitui-se em um complexo metodológico composto por diversas escolas e tendências epistemológicas múltiplas. Essa diversidade está relacionada ao seu caráter interdisciplinar, vinculadas a diversas disciplinas das ciências humanas e sociais, tais como a sociologia, a linguística, a teoria da comunicação e a psicologia social. Essa multiplicidade de raízes epistemológicas e teóricas faz com que a análise do discurso se diferencie de outras metodologias, configurando-se como uma ampla e teórica abordagem, na qual existem poucas ou inexistentes regras sistemáticas de condução, sendo uma metodologia interpretativa, que segundo Billig (1997) não pode ser reduzida a uma série de passos ou procedimentos técnicos aplicados mecanicamente.

Essa multiplicidade pode ser percebida na conceituação do que seja o discurso. O discurso é um conceito chave nos desenvolvimentos teóricos das diversas metodologias de análise do discurso, entretanto, não está unificado nas abordagens, possuindo diversas formas de ser compreendido. Nesse trabalho, será utilizada a perspectiva apontada por Ruiz Ruiz (2009) que entende que o discurso pode ser compreendido como uma prática através da qual os sujeitos dão sentido à realidade. Partimos também do pensamento de Lakoff (2005) o qual

aponta que o discurso não pode ser analisado no vácuo contextual. O discurso será analisado, assim, como produtor da realidade e também produto desta. Para a análise das entrevistas desse trabalho utilizaremos a Analise Sociológica do Discurso, pois esta perspectiva busca contextualizar os discursos a fim de entendê-los.

Segundo Alonso (1998), a Análise Sociológica do Discurso ou Análise Sociohermenêutica do discurso compreende o discurso como uma prática dos atores sociais que o enunciam. A ela interessa as relações de produção de sentido, o estudo dos discursos e suas determinações e motivações. Essa análise deve buscar situar e contextualizar historicamente a enunciação, encontrando nos discursos um modelo de representação e de compreensão do texto concreto em seu contexto social e histórico.

Para melhor definir o espaço epistemico-metodológioco da Análise Sociohermenêutica, Alonso (1998) apresenta três níveis de análise de discurso, o nível informacional/quantitativo, o nível estrutural/textual e o nível social/hermenêutico. O primeiro nível, informacional/quantitativo, é, para o autor, o nível de análise mais imediata e descritiva, tendendo a explorar a dimensão mais denotativa e manifesta dos discursos. Para o autor, nesse nível, o texto é convertido em um espaço de frequências, de repetições entre as palavras e sua análise se dá através da busca de distâncias e proximidades semânticas.

O segundo nível é o estrutural/textual, que busca reconhecer, dentro do texto, um sistema implícito de regras que lhe dão corpo, busca assim, encontrar estruturas subjacentes abstratas da enunciação.

O terceiro nível é a Análise Sociológica do Discurso, que, diferente dos outros dois níveis, possibilita a reconstrução do sentido dos discursos para além de uma análise formalista, ou seja, tem um caráter mais pragmático, preocupando-se não apenas com aquilo que o texto formaliza, mas com aquilo que os discursos fazem e como são construídos (COELHO; GODOI; SERRANO, 2014). Neste nível, texto e contexto se completam e dão sentido à função latente dos discursos, constituindo um só esquema de análise. As condições sociais de produção do discurso, que, segundo Aquino (2014) é o próprio espaço simbólico que dá sentido à “fala” dos trabalhadores, tem nesta investigação um papel central. A interpretação e atribuição do sentido são tomadas aqui como uma combinação do texto produzido pelo discurso dos trabalhadores e das condições sociais as quais eles estão submetidos.

Assim, o trabalho da Análise Sociológica do Discurso é de interpretar o conteúdo latente que possuem os enunciados, realizando a reconstrução do sentido dos discursos em seu contexto micro e macrossocial de enunciação. O trabalho da interpretação procura alcançar os

significados que têm os enunciados para os sujeitos, atento para o espaço entre o dito e o implicado no discurso, revelando essas implicações através de inferências, considerando-se os elementos de um item constitutivo da interpretação: o contexto. Deve-se, contudo, entender que a interpretação, segundo Alonso (1998), nunca é definitiva, está sendo realizada e não se conclui jamais. Nesse sentido, nesta pesquisa, não perseguimos verdades inquestionáveis sobre uma realidade já dada, pois entendemos que essa realidade está em constante mutação.

4 ANÁLISE DAS ESTREVISTAS

Neste capítulo iremos analisar os discursos coletados através das entrevistas realizadas com os psicólogos. Como citado no capítulo anterior, compreendemos que esses discursos não se constituem em um vácuo social, eles são produzidos em um contexto social específico. Nossa intenção, ao analisar esses discursos, será encontrar, nesse texto concreto, modelos de representação e compreensão em seu contexto social e histórico, por isso a importância, apontada por Alonso (1998), de situar e contextualizar historicamente a enunciação.

A discussão apresentada no primeiro capítulo nos faz refletir sobre a construção social e histórica relativa às categorias analisadas nesse trabalho – o tempo, o tempo de trabalho e as lutas pela redução da jornada de trabalho. Tratamos de discutir a respeito da naturalização do tempo e do tempo de trabalho, bem como da luta pela redução da jornada de trabalho e múltiplas aspirações envoltas nesse processo. Foi apresentada, também, uma reflexão sobre a profissão do psicólogo e sua luta pela redução da jornada laboral para 30 horas semanais. Entendemos que, antes de ser mero contexto para a enunciação, essa reflexão é parte constituinte da análise das entrevistas, pois texto e contexto não podem ser analisados, senão juntos, haja vista que eles se completam, formando um só esquema de análise, e dão sentido à função latente dos discursos.

Nesse trabalho, por tratarmos de conceitos tão naturalizados e pouco questionados (ELIAS, 1998; CARDOSO, 2009), como o tempo de trabalho, sentimos que a questão histórica e social deu um peso maior a nossas analises. A cada entrevista realizada, era perceptível que os psicólogos sentiam algumas dificuldades em refletir sobre a redução de sua jornada laboral e em refletir sobre o tempo livre do trabalho. A desnaturalização desses conceitos e a problematização do cenário socioeconômico são de fundamental importância para compreensão da pergunta de partida que nos motivou para a realização desse trabalho – “o que pensam os psicólogos sobre a redução da sua jornada de trabalho?”. Sem uma compreensão prévia sobre as questões aqui tratadas, os questionamentos sobre o processo de luta pelas 30 horas semanais seria extremamente raso e não traria pontos novos para entendermos nossas motivações sobre a redução da nossa jornada, e mesmo para compreendermos nossas vivências temporais e nossa relação com outras temporalidades. Como aponta Antunes (2005), a luta pela redução do tempo de trabalho é também ponto de partida para se refletir sobre o tempo de vida e nosso autocontrole em relação ao nosso próprio tempo. Além disso, a reflexão sobre esse processo de luta nos fez refletir sobre a

participação política dos psicólogos enquanto categoria profissional.

Cabe apontar que os nomes utilizados para designar os entrevistados são fictícios e os verdadeiros nomes não serão divulgados em hipótese alguma, em consonância com o termo ético assumido ao enviar o projeto de pesquisa para o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará. Os nomes fictícios atribuídos aos entrevistados são nomes de meus amigos. Escolhi nomeá-los dessa forma, devido à minha identificação com os entrevistados. Resolvi, assim, nomeá-los com nomes que me são próximos e caros.

A análise das entrevistas possibilitou a identificação de dois (2) pontos relevantes para reflexão. Esses dois pontos estão presentes em todas as entrevistas e serão, dessa forma, as questões principais discutidas nesse capítulo. A seguir, apresentaremos esses pontos, articulando as discussões teóricas anteriores com a fala dos entrevistados. As interpretações realizadas terão como base, como aponta Alonso (1998), a combinação do texto produzido pelos discursos das entrevistas e as condições sociais às quais eles são submetidos, condições estas já colocadas nos capítulos anteriores.

4.1 A identidade polivalente e as diferentes jornadas de trabalho dos psicólogo –