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De acordo com a discussão realizada na seção anterior, a Teoria Acústica da Produção da Fala e a Teoria das Vogais Cardeais, quando utilizadas em conjunto, são as teorias que melhor fundamentam descrições e comparações entre sons vocálicos. Tal fato ocorre, principalmente, por haver uma relação entre o sinal acústico e o posicionamento articulatório no momento da realização dos sons. Outro ponto importante diz respeito à natureza dos sons vocálicos. Não há contato entre os articuladores no momento da produção de uma vogal, portanto, apenas os preceitos teórico-metodológicos da Fonética Articulatória não fornecem subsídios para uma descrição tão precisa do sistema vocálico de uma língua quanto a utilização das teorias em conjunto é capaz de fornecer.

Considerando a correlação entre a Fonética Acústica e a Fonética Articulatória, partiremos, agora, para os aspectos práticos. O sinal acústico é decodificado através de um programa de análise acústica. Em nossa pesquisa, utilizamos o PRAAT, versão 5.1.19. Através da leitura do som realizada por este software, é possível visualizar o oscilograma e o espectrograma que representam o sinal acústico. A FIGURA 09, produzida com a utilização deste software, apresenta o oscilograma (na parte superior) e o espectrograma (na parte inferior) no momento da produção da palavra should.

FIGURA 09: Seleção do som vocálico presente na palavra should realizada por um de nosso informantes.

Esse tipo de visualização é de extrema importância, pois só assim podemos identificar o início e o fim o som vocálico e, consequentemente, sua duração. Para tanto, é preciso considerar as características pertinentes aos sons vocálicos: a periodicidade na onda sonora e a maior concentração de energia no espectrograma, representada pelas manchas mais escuras. Na FIGURA 09, os cortes no início e no final do som vocálico foram realizados considerando estas características.

O segundo passo na caracterização acústico-articulatória de um som vocálico é extrair os valores formânticos. Para isso, é necessário que se posicione o cursor na parte central da vogal, a fim de evitar os efeitos de coarticulação, a sobreposição articulatória dos sons adjacentes (LADEFOGED, 1962). O software de análise acústica gera os valores de cada formante automaticamente, a partir do momento em que o ponto de análise é determinado pelo pesquisador.

Para a análise de sons vocálicos, os valores dos dois primeiros formantes são suficientes para determinar a qualidade do som realizado. Retomando os preceitos da Teoria Acústica de Produção da Fala, as frequências de ressonância, especificamente F1 e F2, nos permitem identificar a qualidade vocálica do som. Assim, com os valores de F1 e F2 podemos determinar as características articulatórias do som e, consequentemente, o espaço onde este som se encontra no quadrilátero vocálico.

Entretanto, para apresentarmos uma descrição das características articulatórias de um determinado som, ou ainda, compararmos sons de diferentes línguas utilizando o quadrilátero vocálico, necessitamos de uma teoria de base articulatória, nesse caso, a Teoria das Vogais Cardeais. Com a identificação do ponto de articulação dos sons produzidos, tornam-se evidentes, ao compararmos, a exemplo de nossa pesquisa, as produções de uma mesma vogal em dois contextos prosódicos distintos, as semelhanças ou diferenças existentes entre elas.

A FIGURA 10 evidencia a correlação acústico-articulatória através da utilização das teorias supramencionadas. Ao observarmos a sobreposição dos eixos referentes aos valores de F1 e F2 sobre posicionamento dos articuladores no interior do trato vocal, como também, o delineamento do quadrilátero vocálico, podemos perceber como a utilização das teorias aqui discutidas é de fundamental importância na descrição do sistema vocálico de uma língua, ou ainda, na comparação de sons vocálicos de diferentes línguas. No que se refere a FIGURA 10, temos a correspondência entre o posicionamento da língua e os valores de F1 e F2 na produção dos sons [i], [a] e [u], como também o ponto de realização de cada vogal no quadrilátero vocálico.

FIGURA 10: Correspondência entre o posicionamento da língua e os valores de F1 e F2 na produção de sons vocálicos [h], [`] e [u] (THIES, 2005b).

Nos últimos anos, inúmeras pesquisas têm utilizado os preceitos teórico- metodológicos da Teoria Acústica de Produção da Fala em conjunto com a Teoria das Vogais

Cardeais. A título de exemplo, apresentaremos sucintamente alguns pontos discutidos nas pesquisas de Marusso (2003) e Barboza (2008), a fim de conferirmos como a utilização das teorias em questão contribuiu sobremaneira para a realização e acurácia destas pesquisas.

A pesquisa realizada por Marusso (2003) apresentou uma descrição de sons vocálicos pertencentes ao Português Brasileiro (PB) e ao Inglês denominado de Received

Pronounciation (RP), variedade de maior prestigio utilizada na Inglaterra. O foco da análise

foi a realização da vogal reduzida denominada de schwa [], característica de contextos não- acentuados, tanto no PB como no RP. O estudo utilizou como informantes falantes nativos do PB e do RP. No tocante às características fonéticas, a autora conclui que a vogal analisada apresenta características e comportamentos bastante semelhantes nas duas línguas estudadas. As FIGURAS 11 e 12 apresentam a disposição do schwa, realizado em sílaba não-acentuada e em posição medial na sentença, no espaço vocálico. Segundo a autora, ao compararmos as figuras, é possível constatar que a realização fonética do schwa nesse contexto prosódico é praticamente a mesma nas duas línguas (MARUSSO, 2003).

FIGURA 11: Dispersão de schwa em posição medial do RP4 (MARUSSO, 2003).

4 As FIGURAS 11 e 12 utilizam 07 símbolos diferentes para representar a realização do schwa no espaço

vocálico,no PB e no RP. Essa variação de símbolos se deve ao fato da pesquisadora também ter investigado a influência da vogal precedente e posterior sobre a realização do schwa (MARUSSO, 2003).

FIGURA 12: Dispersão de schwa em posição medial no PB (MARUSSO, 2003).

Outra pesquisa realizada a partir dos princípios das teorias aqui discutidas foi desenvolvida por Barboza (2008). Visando analisar e comparar sons vocálicos anteriores do Inglês Língua Estrangeira (ILE) e do PB, a referida pesquisa apresenta uma descrição detalhada dos sons vocálicos anteriores realizados por professores brasileiros de ILE. Dentre os resultados alcançados pela pesquisa, o autor conclui que, na produção de seus informantes de pesquisa, o espaço vocálico ocupado pelo som [] do ILE é também partilhado pelo som vocálico [e] do PB. É valido salientar que tanto a caracterização fonética quanto a comparação entre os sons somente tornou-se possível em virtude do suporte teórico- metodológico adotado pelo autor.

FIGURA 13: Dispersão dos sons vocálicos [] do ILE e [e] do PB (BARBOZA, 2008).

A FIGURA 13 apresenta espaço de realização dos sons [] do ILE e [e] do PB. A linha em volta de cada símbolo representa a dispersão dos sons produzidos no espaço vocálico. Ao observarmos a figura, podemos perceber que o mesmo espaço vocálico é partilhado pelas duas vogais.

Portanto, diante do exposto, consideramos que as duas teorias aqui discutidas, nos fornecem fundamentos teórico-metodológicos para investigar as características acústico- articulatórias - formânticas e de duração - de sons vocálicos presentes em palavras funcionais realizadas por estudantes brasileiros de ILE em nível intermediário, em contexto acentuado e não-acentuado. A seguir, apresentamos um breve resumo acerca dos pontos principais que compuseram este capítulo.