• Nenhum resultado encontrado

A Linguística é a investigação científica da linguagem verbal humana, observando a língua em uso, procurando descrever e explicar fatos que a circundam, como padrões sonoros (fonética e fonologia), gramaticais (morfologia e sintaxe), lexicais (semântica), sobre a pragmática ou referentes ao discurso, oferecendo conceitos e modelos que fundamentam a análise das línguas (FIORIN, 2012a).

Dentre as abordagens teóricas da Linguística que podem ser aplicadas aos textos/discursos, selecionamos a ATD, proposta por Jean-Michel Adam, professor

5

titular de Linguística Francesa da Universidade de Lausanne, na Suíça, especialista da área dos estudos do texto e do discurso.

A ATD reúne conceitos e métodos da Linguística Textual e da Análise do Discurso, expandindo as questões discursivas de ideologia, memória discursiva e momento sócio-histórico às questões semânticas, identificando as pessoas, o espaço e o tempo, dentre outros marcadores textuais e os efeitos de sentido que provocam.

Analogicamente, exemplificamos a união dessas teorias da seguinte forma: imagine um objeto sob incidência de dois fachos de luz, sendo que cada um reflete em paredes perpendiculares duas imagens – em uma, a sombra de um quadrado e, em outra, a sombra de uma circunferência. Não obstante, ambas sejam reais de suas perspectivas, a ATD enxerga o objeto de outro ângulo, em que percebe que o objeto é um cilindro, sendo suas sombras apenas uma parte de sua composição (Figura 1).

Figura 1 – Visão da ATD

Fonte: Edição da autora, 2016. Imagem original disponível em: <http://www.democraticunderground.com/1251472806>. Acesso em: 25 jun 2015.

Para Adam (2011), não é possível dissociar o texto do discurso, razão pela qual a Linguística Textual e a Análise do Discurso devem ser praticadas em conjunto. Adam demonstra que o texto, por sua complexidade, quando objeto de pesquisa, justificaria o uso de diferentes teorias:

[...] mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25).

Ainda considerando que texto e discurso devem ser conjuntamente analisados, Adam (2011, p. 25) define textualidade “como conjunto de operações que levam um sujeito a considerar, na produção e/ou na leitura/audição, que uma sucessão de enunciados forma um todo significante”. Dessa forma, “[...] a linguística textual tem como ambição fornecer instrumentos de leitura das produções discursivas humanas” (ADAM, 2011, p. 25).

Por outro lado, a Análise do Discurso ocupa-se “das manifestações linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produção” (KOCH, 2012, p. 9), ou nas palavras de Orlandi:

Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparente cotidiano dos signos. A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o político. Não temos como não interpretar. Isso, que é a contribuição da AD, nos coloca em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos, ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem. (ORLANDI, 2001, p. 09).

Orlandi (2001) ainda ensina que o objeto de estudo da Análise do Discurso é o discurso, interessando-se pela língua em funcionamento para a produção de sentidos, analisando as unidades do texto para além da frase.

Não se pode, portanto, desprezar a importância da análise da linguagem em um discurso, levando-nos a perceber que há lacunas no que dizemos e escrevemos, mas que há possibilidades de interpretar e entender os efeitos de sentido produzidos. E a análise do discurso nos leva a refletir e identificar algo mais no discurso do que apenas o que está escrito ou dito.

Já a Linguística Textual “tem como papel, na análise de discurso, teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um texto” (ADAM, 2011, p. 63). Nesse sentido, Koch (2012) reflete que:

[...] se torna necessário ultrapassar o nível da descrição frasal para tomar como objeto de estudo combinações de frases, sequências textuais ou textos inteiros. O que se visa, então, é descrever e explicar a (inter)ação humana por meio da linguagem, a capacidade que tem o ser humano de interagir socialmente por meio de uma língua, das mais diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados. (KOCH, 2012, p. 10).

Koch (2002, p. 153), ao apresentar as perspectivas futuras da Linguística Textual, apresenta o entendimento de Beaugrande de que “[...] hoje, a lingüística [sic] de texto é provavelmente melhor definida como o subdomínio lingüístico [sic] de uma ciência transdisciplinar do texto e do discurso”, definindo texto como “um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas [sic], cognitivas e sociais” e apresentando como mote da Linguística Textual que um “texto não existe como texto, a menos que alguém o processe como tal” (BEAUGRANDE, 1997 apud KOCH, 2002, 153-154).

Unir a Linguística Textual à Análise do Discurso é a proposta de Adam (2011, p. 43), ou seja, “[...] articular uma linguística textual desvencilhada da gramática de texto e uma análise de discurso emancipada da análise do discurso francesa (ADF)”. Dessa forma, é possível “restabelecer o sentido pela situação-contexto” (ADAM, 2011, p. 54), analisando o texto/discurso pelas duas perspectivas.

Definimos discurso como um conjunto de frases que delimitam um conjunto de proposições organizadas e é produto de uma enunciação; “o discurso é contextualizado” (MAINGUENEAU, 2002, p. 189, apud ADAM; HEIDMANN; MAINGUENEAU, 2010, p. 70), e que “não é como tal um objeto imediato de estudo; [...]. Ele só é apreensível quando construído por disciplinas que tem interesses distintos”, e apresenta o discurso como “uma forma particular de apreender a língua” através da dinâmica da relação dos elementos textuais na língua, no texto e no discurso (ADAM; HEIDMANN; MAINGUENEAU, 2010, p. 68-69).

Para uma construção de sentidos, o texto deve ser analisado considerando sua contextualização, que vai além da frase. “As informações do contexto são tratadas com base nos conhecimentos enciclopédicos dos sujeitos, nos seus pré-constituídos

culturais e nos lugares comuns argumentativos” (ADAM, 2011, p. 52). Dessa forma, o enunciado depende de um co(n)texto, que se apoia na reconstrução de enunciados à esquerda ou à direta e “consiste em imaginar uma situação de enunciação que torne possível o enunciado considerado” (ADAM, 2011, p. 53).

Isso quer dizer que, quando ouvimos ou lemos um texto, devemos levar conosco toda a bagagem de conhecimento de mundo, de conhecimento enciclopédico, para compreender os enunciados, utilizando-se da intertextualidade. É a chamada memória discursiva, que Adam (2011) define, adotando a ideia proposta por Berrendonner, como o “conjunto dos saberes conscientemente partilhados pelos interlocutores” (1983, p. 230 apud ADAM, 2011, p. 57). Adam (2011) complementa que:

Em outras palavras, a memória discursiva é, ao mesmo tempo, o que permite e o que visa uma interação verbal. A memória discursiva é alimentada,

permanentemente, por enunciados sobre eventos da situação

extralinguística, eles próprios constituindo eventos da situação

extralinguística. (ADAM, 2011, p. 57).

Na contramão do que apresentamos neste trabalho, durante a primeira metade do século XX, a Linguística distinguia duas teorias: a Pragmática e a Análise do Discurso. A despeito disso, tendo em vista que a ATD faz a junção dessas concepções, a próxima seção traz as contribuições da Pragmática e da Teoria da Enunciação, descritas por Fiorin (2012b), de forma a complementar os estudos teóricos e metodológicos adotados nesta dissertação.