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3 AS NORMAS LEGAIS E A AUTONOMIA DAS POPULAÇÕES

3.4.2 Análise Tridimensional da Autonomia

Dos resultados e discussões anteriores extrai-se que a autonomia das populações tradicionais no MFC pode ser afetada por diferentes dimensões que regem os marcos legais e, ainda, por suas interações. Desta forma, sob o ponto de vista exclusivo dos instrumentos regulatórios, é possível propor uma visualização tridimensional da autonomia (Mapa 2) constituída por três dimensões de regras: dimensão das regras territoriais (eixo x); dimensão

das regras procedimentais (eixo y); e dimensão das regras técnicas (eixo z), nos seguintes

termos:

a) Dimensão das Regras Territoriais: é a dimensão das regras sobre a qual incidem disposições legais, em sentido amplo, e infralegais, referentes a regras que regulam o acesso e gestão do território onde será realizado o manejo comunitário de recursos naturais renováveis; b) Dimensão das Regras Procedimentais: é a dimensão das regras sobre a qual incidem disposições legais, em sentido amplo, e infralegais, referentes a regras que regulam os procedimentos administrativos de obtenção de licença para a realização de manejo comunitário dos recursos naturais renováveis;

c) Dimensão das Regras Técnicas: é a dimensão das regras sobre a qual incidem disposições legais, em sentido amplo, e infralegais, referentes a regras que regulam as

45Um dos postulados fundamentais que orientam o sistema jurídico brasileiro é: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, CF/88).

técnicas que deverão ser empregadas na execução do manejo comunitário de recursos naturais renováveis.

Figura 1–Representação Tridimensional da Autonomia das Populações Tradicionais, Segundo os Instrumentos Legais e Infralegais que incidem sobre o MFC Madeireiro.

Fonte: Elaboração Própria (2017).

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Em cada dimensão de regras (eixos: x, y, z), as populações tradicionais possuem um grau de autonomia relativo atribuído pelos regramentos, representado sobre o eixo respectivo a cada dimensão. No MFC em UC, o grau de autonomia das populações tradicionais está representado pelo ponto de encontro dos eixos respectivos às três dimensões destacadas, por exemplo, o ponto (x,y,z). Por outro lado, quanto mais próximo o ponto estiver da origem, menor é o grau de autonomia das populações tradicionais. Um grau de autonomia zero pode ser atingido em qualquer dos eixos, considerados separadamente. Na análise conjunta das três dimensões, quando o ponto incidir sobre a origem, tem-se um grau de autonomia zero

absoluto, ou seja, as populações tradicionais não terão nenhuma autonomia diante dos

regulamentos.

Neste estudo, focamos na identificação de requisitos legais e infralegais que aproximassem a autonomia das populações tradicionais a zero em cada dimensão. Dessa forma, a determinação de prioridades essenciais de mudanças seria facilitada, mesmo reconhecendo que graus reduzidos de autonomia não devem ser subestimados. A interação entre os eixos foi discutida em algum grau, embora o detalhamento seja desejável e necessário em estudos futuros.

Concluiu-se que o marco legal do MFC, constituído por várias disposições, que incidem, em especial, sobre as dimensões das regras procedimentais e técnicas, e nos pontos que foram possíveis serem destacados na dimensão das regras territoriais, contribui diretamente para tornar as populações tradicionais dependentes de um Estado estruturalmente lento e com muitas deficiências. Essa dependência se estabelece ao condicionar a concretização de uma atividade produtiva desenvolvida por comunidades à ação positiva do Estado. Como via de escape, o estabelecimento de parcerias entre comunidades e diferentes organizações não governamentais tem sido fundamental, embora represente outra relação de dependência.

A partir das análises desse estudo, podemos apontar, objetivamente, algumas diretrizes que devem ser observadas na construção ou alteração de regulamentos que interfiram na autonomia das populações tradicionais para implementação do MFC em UC, considerando em especial a simplificação de procedimentos prevista pelo novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012):

1) Invalidar a obrigatoriedade de aprovação de POA, como condição para a realização da exploração, e continuidade das demais etapas do manejo florestal sustentável. O plano operacional pode fazer parte do PMFS, com alterações comunicadas ao órgão gestor até o limite de produção aprovado no PMFS;

2) Ao regulamentar as disposições diferenciadas de PMFS em escala empresarial, de pequena escala, e comunitário, inserir alterações relevantes que de fato diferenciem as modalidades, com a participação ativa dos grupos envolvidos nas discussões;

3) Regulamentar as disposições diferenciadas do PMFS comunitário, que assegure aplicabilidade à diversidade de modos de organização social e capacidade produtiva de populações tradicionais;

4) Revogar procedimentos administrativos impingidos às comunidades que dependem do cumprimento ou da existência de condicionantes associadas a obrigações que dependem exclusivamente do órgão ambiental;

5) Estabelecer procedimentos administrativos diferenciados de acordo com as diferentes categorias de intensidade do PMFS existentes;

6) Fixar prazos para o órgão ambiental cumprir com suas obrigações, sob pena de aprovação automática, impedindo que atrasos inviabilizem ou afetem negativamente a sustentabilidade financeira dos envolvidos;

7) Descentralizar para as unidades administrativas locais do órgão ambiental a aprovação do PMFS e do POA (enquanto ainda for exigido);

8) A exigência de ART de engenheiros florestais nos PMFS no MFC deve ser acompanhada da corresponsabilização jurídica pela elaboração e implementação do PMFS;

9) Elaborar normas administrativas com linguagem mais acessível às populações tradicionais;

10) Transformar os PMFS em declaratórios, com autorização automática ao se cumprir todos os requisitos dos padrões técnicos exigidos, e monitorados frequentemente pelas agencias ambientais.

3.5 Conclusões

O grau de autonomia das populações tradicionais no MFC em RESEX e FLONA sofre interferências de regras de três diferentes naturezas (territoriais, procedimentais e técnicas), o que nos fez comprovar a nossa hipótese inicial de que tal autonomia é cerceada por seus regulamentos, ao não garantir plenamente, ou instituir obstáculos, à efetivação dos interesses das populações tradicionais em determinadas decisões, e ao exercício de suas atividades produtivas tradicionais em seu território.

Os níveis de direito de propriedade definidos por Schlager e Ostrom (1992) conduziram ao diagrama da análise tridimensional da autonomia, construído a partir dessa visão, que colaborou na identificação de elementos essenciais para mudanças no modelo atual de MFC em UC. Neste estudo, apontou-se especificamente para a necessidade de mudanças em regulamentos que restringem a autonomia das comunidades para administrar os recursos florestais madeireiros com finalidades comerciais. Há, contudo, várias inter-relações entre as dimensões, que em uma análise mais detalhada da tridimensionalidade da autonomia comunitária, podem não representar autonomia zero, mas suscitar aprimoramento.